No Divã

Numa manhã de terça feira, Sr. Augusto desliga o celular e dá ordens ao motorista:

– Mudança de planos: não vou mais direto para o escritório. Faça o contorno e vamos para a clínica do Dr. Fábio. Evite a Pompéia. Este trânsito está cada vez mais infernal!

Seu Augusto dessa vez teve de esperar na recepção durante quase seis minutos, ele que, sempre quando vai à clínica, reserva três consultas seguidas; uma antes, outra depois do horário, para não ter de esperar, nem se apressar, em caso de atraso. Mas não reclamou. Sabia que só com muita sorte e um bom ônus conseguiria uma consulta com o Dr. Fábio sem marcar com antecedência.

O doutor foi informado pela atendente da chegada de Augusto. Se apressou com o paciente e foi pessoalmente buscá-lo. Encontrou-o andando de um lado a outro da recepção.

-Seu Augusto, como tem passado? Vamos entrando, desculpe tê-lo feito esperar…

Dr. Fábio fechou a porta à chave — não queria ser incomodado. Nunca havia visto seu Augusto daquela forma: cabisbaixo, com olhar fixo, se dirigiu direto ao divã, sem antes saborearem um drink, falarem sobre carros, mulheres.

-O que há Augusto? O que sente?

Dr. Fábio pensava ser um novo medo do valor do dólar, do preço do petróleo, ou do novo presidente. Embora não gostasse de economia, aprendeu a lidar com tudo isso. É necessário para um psicólogo de grandes empresários como o Sr. Augusto.

– Fábio, sei do grande profissional que é, mas vejo você também como um grande amigo em quem posso confiar, conto a você coisas que não conto a mais ninguém. Eu devo estar com mania de perseguição, ando apavorado.

– Calma Augusto, vamos lá, comece contando o que te perturba.

– Tinha medo de ser assalto, de ser seqüestrado; queria dar segurança à minha família. Então coloquei cerca eletrificada em volta de minha casa; coloquei também alarmes; pensei em cães, mas eles fazem muita sujeira; contratei segurança particular; coloquei janelas com vidros à prova de balas na minha casa e no escritório; blindei meu carro, o de minha esposa e dos meus filhos. Minha mulher diz que estou ficando louco. Devo estar.

Acabo de cancelar uma reunião com três empresas multinacionais e vim falar com o senhor.

Fábio, anotando, calmamente falou:

– Você se sentia inseguro e tomou providências. Não vejo mal nisso.

– Concordo. Acontece que não me sinto mais seguro. Conheço quem tomou os mesmos cuidados e foi seqüestrado… Essa gente ociosa é perigosa, doutor. Eu já investi pesado em shows pela paz. Diziam que se eles tivessem acesso à cultura, à música, não estariam envolvidos com drogas, com crimes. Acontece que não posso pagar show 24 horas por dia pra essa turma, carnaval o ano inteiro não dá. Eles precisam é tomar vergonha na cara e arrumar o que fazer, ir trabalhar. Mas o pior, o que me fez vir aqui, foi esse crime que aconteceu recentemente, você sabe? Esse da filha que ajudou a matar os pais. Pais bem sucedidos, davam tudo de bom para os filhos, e ela retribuiu como? Com barra de ferro na cabeça.

(Chorando, Augusto continua) – Como sabe, eu tenho dois filhos. Agora percebo que quase não os vi crescer. Foi tão rápido; eu sempre ocupado…

Nunca os forcei a trabalhar como faz essa gente que manda as crianças com chupeta na boca para o farol. Só uma coisa eu sempre exigi: era que tivessem bom estudo, disso nunca abri mão, pensando no bem deles mesmo. Mas hoje, doutor, tenho medo dos meus próprios filhos. Não que eu não erre: me arrependo de ter insistido pro Rafael fazer Ju-jjtsu e para a Camila praticar defesa pessoal. Sempre achei que poderia servir para eles se defenderem se fossem assaltados.

– Por que pensa que alguém possa querer seu mal, seu Augusto?

– Pelo dinheiro que tenho.

– Se seu fardo é o dinheiro, feche os olhos, pense como seria se não tivesse todo esse dinheiro: poderia andar no calçadão da praia sem segurança por perto, dedicar mais tempo à família.

Augusto, tomado de cólera, levanta, gritando:

– Eu devo estar ficando louco mesmo, vindo aqui escutar você. Todos que estão à minha volta só estão por causa do dinheiro. Minha mulher casou comigo porque tenho dinheiro; empresários me procuram, propõem parcerias, porque minha empresa é a maior do ramo em 17 países. Meus filhos me recebem com beijo no dia que pago a mesada. Você só me escuta porque te pago. Aliás, mais do que merece. Vocês não vêem que não sou um grande cofre? Todos me enxergam como um grande empresário, não como um grande amigo, um grande marido, como um pai. Olham pra mim e não vêem um ser humano. Eu emprego muita gente; muitas famílias dependem de mim; e eu me preocupo com essa gente. Mas essa gente não tá nem aí comigo. Pago impostos, ajudo este país; peço à minha mulher para separar a roupa que não usamos mais para dar à doméstica; a cozinheira leva a sobra de comida pra ela, mas disso ninguém quer saber; só querem saber o tamanho de minha mansão, quantos quartos tem. Eu consegui tudo isso sem roubar ninguém…

Augusto bate a porta e volta para seu escritório.

No dia seguinte, se encontrou com os três empresários, que, desconfiados dele ter procurado a concorrência, fecharam o negócio com muitas vantagens para a empresa do Sr. Augusto, que comprou um belo flat e se mudou com sua esposa. Camila, a filha caçula, foi estudar na Universidade de Ohio, nos EUA; Rafael ficou sozinho na mansão de 18 quartos.

Augusto mandou um belo vinho com pedido de desculpas para o Dr. Fábio, que me contou toda essa história.

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