Nordeste em tempos turbulentos: nova institucionalidade e comércio exterior
Frente à guerra tarifária e mudanças globais, Nordeste busca nova institucionalidade, integração regional e inovação para avançar no comércio internacional.
Publicado 22/04/2025 17:13

Tenta-se uma acomodação. Todos os países e regiões. O impacto no comércio internacional pode ser efetivo. A guerra das tarifas desestabiliza os mercados. Os acordos postos em dúvida. A insegurança é clara. Construir um novo arcabouço, buscar estratégias ousadas, esperar novas medidas estapafúrdias, tentar prever novos passos, caminhos que atormentam. Bolsas e dólar oscilam, fala-se em novas moedas âncoras, blocos econômicos se articulam, aflição com o possível enxame de produtos que não terão mais os estadunidenses como demandadores privilegiados. Nesse cenário, como se posiciona o Nordeste brasileiro?
Na década de 1960, o Brasil enfrentava profundas transformações estruturais, e o Nordeste, historicamente marcado por vulnerabilidades socioeconômicas, era considerado um território em extrema necessidade de intervenção estatal. Foi nesse contexto que a criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste – Sudene se materializou como uma iniciativa pioneira. Sob a liderança de visionários a Sudene foi criada para promover a industrialização, atrair investimentos e reduzir as desigualdades regionais, implementando projetos de infraestrutura e fomento que transformaram, embora de maneira parcial, o cenário local.
Compreender a importância de conviver com o bioma do semiárido foi fundamental nas últimas décadas, assim aproveitando suas potencialidades para criar vantagens competitivas. Em meio a tempos turbulentos, caracterizados por transformações tecnológicas aceleradas, instabilidades geopolíticas e, inclusive, os resquícios da guerra tarifária promovida pela primeira administração de Donald Trump (2018-2020), que elevou os custos das exportações brasileiras em 12% segundo dados da CNI, a região precisa de uma nova institucionalidade que articule esforços para promover o desenvolvimento sustentável e a inserção competitiva no comércio internacional.
Não se pode negar. Há deficiências estruturais. Nossa produtividade é baixa, a competitividade em mercados internacionais, excetuando o primário exportador, pequena, a base produtiva está alicerçada em pequenas e médias empresas, muitas vezes com administração familiar, a logística de escoamento ainda com grandes deficiências, a articulação com os mercados internacionais tênue. Com esse quadro, o que prever?
O ambiente global contemporâneo é marcado por inovações tecnológicas, mudanças na dinâmica das cadeias globais de produção e uma crescente ênfase na sustentabilidade ambiental. A economia digital e a interconexão dos mercados impõem novas exigências ao conjunto das nações e regiões, que precisam se adaptar rapidamente para manter sua competitividade nesse cenário.
Um episódio emblemático foi a guerra tarifária promovida pela administração Donald Trump em sua primeira passagem pela Casa Branca, durante esse período, os Estados Unidos impuseram tarifas elevadas sobre produtos importados, entre eles, aço, alumínio e outras mercadorias manufaturadas, com o objetivo de proteger suas indústrias. Essa política protecionista provocou retaliações de diversos países e desestabilizou cadeias de fornecimento globais, elevando custos e gerando incertezas nos mercados internacionais. Dados apontam que, durante o auge dessas medidas, os custos de produção global aumentaram em até 15% em alguns setores, evidenciando como disputas tarifárias podem afetar negativamente a economia global. No caso brasileiro, o Nordeste, responsável por 8% das exportações nacionais segundo dados do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio em 2023, enfrentou impactos indiretos, como o aumento de custos logísticos e a perda de competitividade em mercados tradicionais. Esse episódio foi o prenúncio do que enfrentamos agora, um alerta para a importância de diversificar mercados e adotar estratégias resilientes para enfrentar choques externos.
Diante desse panorama, a Região Nordeste precisa ajustar suas políticas de desenvolvimento para se inserir de maneira competitiva no comércio internacional, utilizando a inovação e a sustentabilidade como pilares centrais da nova estratégia. A região já dá passos importantes nessa direção: com a produção de 85% da energia eólica nacional (Empresa de Pesquisa Energética – EPE, 2023), o NE pode se posicionar como um hub de indústrias de baixo carbono, atraindo investimentos em setores como hidrogênio verde e fabricação de componentes para energias renováveis.
A entrada de produtos mais tecnificados, de países afetados com as mudanças fiscais e barreiras comerciais impostas é previsível. Fala-se que teríamos uma verdadeira invasão de produtos importados e, com isso, uma séria crise interna. Não duvidamos. Mas, acreditamos que como os outros atores temos muito a fazer.
Se a preocupação for o mercado internacional, economias de escala passam a ser foco básico para os nossos produtos. Temos dificuldade de competitividade, com custos produtivos altos. A produção em larga escala proporciona vantagens fundamentais, como a redução dos custos unitários e a capacidade de investir em inovações. Para o Nordeste, a articulação entre pequenos produtores e empresas, consolidação de cadeias produtivas, melhorias na logística podem ser um caminho para permitir a formação de cadeias produtivas integradas e competitivas.
Outro aspecto relevante é a integração entre os Estados da Região. É crucial para superar a fragmentação histórica, mecanismos como consórcios e fóruns de governadores podem facilitar a elaboração de políticas públicas comuns, a realização de investimentos compartilhados e a harmonização de legislações regionais.
Em 2022, o Consórcio Nordeste, por exemplo, economizou R$ 1 bilhão com a compra conjunta de medicamentos, modelo facilmente replicável em setores como logística e exportação.
A conclusão da Ferrovia Transnordestina, que reduzirá custos de transporte em 30% na fruticultura do Vale do São Francisco, é outro exemplo de como a cooperação regional gera resultados tangíveis, com esses ramais abastecendo com inúmeros produtos de exportação escoados nos portos de Suape e Pecém, elevando a competitividade de toda a região.
Com esse quadro, importante analisar as tendências setorialmente.
No setor primário temos estrutura e preços competitivos para os mercados internacionais. Os cerrados apresentam condições de competitividade e de inserção crescente nos mercados internacionais. Inclusive substituindo produtos da América do Norte que serão retaliados. A agricultura de exportação é um trunfo a ser mais bem comercializada e melhor articulada. Na área mineral, têm-se boas perspectivas para produtos específicos, insumos importantes para as novas ligas metálicas e para a indústria estratégica de chips e componentes eletrônicos. Há como avançar. Sem falar no petróleo em que se têm boas perspectivas, inclusive com a exploração da margem equatorial. Caminhos seguros para avanços significativos em espaços que começam a se abrir com a guerra comercial.
Nosso maior problema é o setor secundário, de transformação industrial. Nele se tem efetivos problemas de competitividades. Tirando nossa pequena base industrial de grandes multinacionais aqui implantadas, inclusive a automobilística e a petroquímica, são poucas as opções com escalas adequadas e produtividade competitiva. Necessário faz-se um esforço que evite o sucateamento prematuro do parque fabril aqui implantado. Fazem-se necessárias ações no sentido, como já dito, de modificar o quadro atual. E nisso escalas competitivas passam a ser estratégicas, além da necessária modernização e digitalização das empresas e sua inserção na chamada manufatura avançada. Não é fácil.
Nesse contexto, no curto prazo, dada a escassez de recursos atual, uma mudança institucional profunda aparece como caminho mais seguro. E nele, a articulação regional volta a ter sentido. O mercado regional não é desprezível, há um parque diversificado produtivo, mas pouco articulado, ganhos de produtividade podem ser auferidos articulando as cadeias produtivas regionais, desde o fornecimento de matéria prima, passando pelos intermediários e chegando com maior solidez e menores custos nos produtores finais. Também, fundamental é a melhoria de logística que permita articular produtores a mercados locais e extra locais, inclusive os internacionais.
Na mesma direção, investimentos massivos em conhecimento e tecnologia fazem-se indispensáveis. Garantir a atualização do parque e acompanhar tendências mundiais é caminho para a competitividade. Infelizmente, na região, ainda muito frágil. Conseguir um sistema mais articulado e voltado para áreas estratégicas focado na matriz de conhecimento que dê embasamento ao perfil produtivo local, um desafio a ser enfrentado.
Uma visão mais acurada do quadro internacional, também se faz necessária.
A evolução das relações comerciais globais nos últimos anos transformou o ambiente de negócios, impondo padrões de sustentabilidade e inovação. Os principais blocos econômicos, Estados Unidos, União Europeia, e de maneira marcante, a China, que traz consigo um bloco emergente, mas muito promissor que são os BRICS, agora exercem uma influência ainda mais forte sobre as regras do comércio internacional. A guerra tarifária reiniciada nessa nova administração de Donald Trump em 2025 elevou as tarifas de importação de forma desproporcional, provocando indelevelmente retaliações internacionais. Isso apenas confirmou que a competitividade dos produtos depende de sua capacidade de se adaptar a um ambiente de incertezas e disputas comerciais, e o Nordeste tem que estar preparado para isso.
Para que a Região se insira de forma competitiva nos mercados internacionais, é imperativo que seus produtos atendam aos elevados padrões de qualidade e sustentabilidade exigidos pelos grandes blocos e isso envolve Certificação Internacional, Missões Comerciais e Ajuste Tecnológico e Logístico.
Tudo isso passa pela matriz institucional que se deve articular na região e que daria a base de fundamentação para os saltos desejados. No caso do Nordeste, se vêem duas instituições, desde que reorientadas e revitalizadas, que podem ser a base dos desafios acima relacionados; o Consórcio dos Estados Nordestinos e a própria Sudene.
O Consórcio, aprofundado e mais focado, permite dar a base para a integração dos estados na busca de uma estratégia comum no sentido de maior penetração em regiões e países externos à região, além de permitir uma maior articulação em áreas relevantes como a tecnológica e a defesa do mercado interno para produtos locais e o uso do mecanismo de compras governamentais para alavancar a produção nordestina. Isso pode modificar bastante as escalas produtivas atuais, muito pouco competitivas.
A Sudene, além de procurar garantir recursos para a atualização do parque local e da infraestrutura logística e de conhecimento, tem papel relevante e estratégico. Se o País está procurando se articular com Blocos Econômicos mundiais e procurando espaços para que se minimizem os impactos da desregulamentação advinda do Tarifaço, deve ser a porta voz oficial para garantir participação crescente da Região nesses acordos e a diminuição dos impactos negativos advindos de uma possível enxurrada de produtos advindos de países muito mais competitivos.
Em outras palavras, duas instituições que se complementariam, uma garantindo a forte articulação regional e o consequente aumento de competitividade local, outra garantindo recursos para as infraestruturas mais relevantes e espaços na luta política para maior inserção nos mercados extra locais.
O Nordeste brasileiro encontra-se em um ponto de inflexão histórico, as lições da Sudene, somadas aos desafios impostos por um comércio internacional fragmentado e exigente, demandam não apenas adaptação, mas uma reinvenção estratégica. A Região já dá sinais de que pode transcender suas dificuldades ao liderar a transição energética nacional, com a produção de 85% da energia eólica e 40% do solar do país, e ao transformar sua cultura e biodiversidade em ativos globais, o Nordeste reescreve sua narrativa.
A nova institucionalidade necessária passa, inevitavelmente, pela ressignificação de entidades como a Sudene e pela eficácia de mecanismos colaborativos como o Consórcio Nordeste. Juntas, essas estruturas podem catalisar investimentos em infraestrutura crítica, como a conclusão da Ferrovia Transnordestina, ampliar o acesso a mercados inexplorados via certificações internacionais e fomentar cadeias produtivas resilientes, capazes de resistir a choques externos, seja das guerras tarifárias ou crises climáticas.
Mas o verdadeiro salto qualitativo está na capacidade de transformar particularidades históricas em vantagens sistêmicas. O semiárido, antes sinônimo de limitação, torna-se laboratório para agroindústria 4.0 e energia renovável, a herança cultural, mote para um turismo de experiência que gera R$ 300 milhões/ano, e a localização geoestratégica, ponte natural para a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – CPLP e o Sul Global.
O desafio, agora, é institucionalizar essa transformação. Isso requer não apenas verbas, mas visão, integração de políticas estaduais, parcerias público-privadas ágeis e uma diplomacia econômica ativa.
Se a Sudene dos anos 1960 mirou a industrialização, sua versão do século XXI deve ser uma plataforma de inovação aberta, conectando startups a capitais de risco globais. Ao final, o Nordeste não apenas superará a secular dicotomia entre seca e desenvolvimento, como emergirá como arquiteto de um novo modelo de inserção global – onde competitividade e sustentabilidade são faces da mesma moeda. A desigualdade, então, não será um fantasma do passado, mas um desafio superado por instituições que souberam transformar ventos, sol e criatividade em prosperidade compartilhada. O tempo é de ousadia, a próxima década pode consagrar a região não como periferia, mas como epicentro de um comércio internacional mais justo, inventivo e totalmente surpreendente.
Por fim, não se deve deixar e salientar que a região já dispõe de polos de conhecimento relevantes, nas áreas da nova indústria e dos novos serviços, que podem ser fortalecidos e articulados. Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Bahia, por exemplo, tem polos na área de informática que podem ter grande penetração mundial, que, se bem associados trazem diferencial em áreas de grande valor agregado.
A consolidação institucional, tendo por base uma estratégia competitiva mais agressiva, pode ser caminho para um forte avanço na região. É no que acreditamos.
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