Notícias do Planalto, fatos e intrigas

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O site Observatório da Imprensa repostou uma série de artigos publicados há 10 anos, quando do lançamento do livro Notícias do Planalto – A Imprensa e Fernando Collor (Cia. das Letras), de Mario Sergio Conti. Dentre os artigos, este, de minha autoria, originariamente publicado no jornal A Classe Operária, em 20 de janeiro de 2000. Nestes dias em que ativistas da democratização dos meios de comunicação acusam de Partido da Imprensa Golpista – PIG – vários dos órgãos de mídia referidos por Conti em seu livro, vale reproduzir o artigo “Fatos e instrigas”.

Foi lançado no final do ano passado (1999) o livro Notícias do Planalto – A Imprensa e Fernando Collor (Cia. das Letras), de Mario Sergio Conti. O autor foi diretor do semanário Veja durante o governo de Fernando Collor de Mello. A Editora Abril, que publica Veja, lhe deu licença remunerada desde o final de 1997 para escrever o livro. Talvez por isso, foi acusado de estar a serviço de uma guerra entre grupos profissionais rivais. Em 1992 Conti foi o primeiro brasileiro a receber da World Press Review, dos Estados Unidos, o título de Editor do Ano.

Jornalistas que critica, criticaram o livro. Jornalistas que elogia, consideraram a obra um divisor de águas na avaliação da imprensa brasileira. Os empresários do setor evitaram avaliar o livro, optando por referir-se aos “avanços” que detectam nos meios de comunicação brasileiros. A exceção foi a Gazeta Mercantil, que publicou editorial na primeira página do jornal para rebater acusações de suborno contra um de seus diretores.

Conti, por seu lado, evitou atritos com os empresários. Chegou mesmo a isentá-los de responsabilidade no apoio rasgado ao adversário de Lula nas eleições de 89. Para ele, como disse em entrevista, “Collor se fez em função de jornalistas, não de patrões”. Seu livro, contudo, relata inúmeros casos no mínimo comprometedores das relações entre os políticos da elite dominante e os empresários dos meios de comunicação. Mesmo assim, o autor confessa: “Espero não ter fechado nenhuma porta, porque ainda sou jornalista e quero continuar sendo”.

Notícias do Planalto apresenta as relações dos grandes meios de comunicação com o governo Collor; conta episódios da história de veículos tradicionais, como O Globo, Jornal do Brasil, Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo e as redes de televisão; apresenta pequenas biografias de empresários e profissionais de comunicação e tem por pano de fundo o enfrentamento entre os setores populares e as elites governantes à época da formação da Frente Brasil Popular. Os partidos políticos, contudo, são secundários na abordagem dada pelo livro aos fatos que levaram à eleição e depois à queda de Fernando Collor. Mario Sergio Conti entrevistou 141 pessoas, realizou pesquisas e apresenta 1.200 personagens nas 719 páginas de Notícias do Planalto.

Observa, por exemplo: “No jornalismo brasileiro há famílias e filiações. Nas empresas, as famílias são estabelecidas com solidez e, se há mais de um herdeiro, podem entrar em crise na passagem do mando de uma geração para outra. Nas redações, as famílias e filiações estão sempre mudando. Os laços se criam e se dissolvem ao sabor das coberturas, que fazem deslanchar e brecam carreiras, firmando linhagens ao longo do tempo”.

Esse mesmo aspecto foi abordado com mais contundência por Samuel Wainer, no seu livro Minha razão de viver, quando escreveu que O Estado de S.Paulo, “por exemplo, reflete os humores, idiossincrasias, valores e preconceitos dos Mesquita. A Folha de S.Paulo é a família Frias, O Globo é Roberto Marinho, o Jornal do Brasil é a família Nascimento Brito. (…) Trata-se, por sinal, de uma distorção que ocorre com mais freqüência e nitidez nos países sem tradição de partidos fortes. (…) Por trás da aparente independência que ostentam, já que não são ligados a partidos, os jornais são o que seus donos desejam que sejam”.

Interessante também o tratamento de Conti à presença da televisão nas buscas pelo voto, remetendo ao primeiro debate entre John Kennedy e Richard Nixon, em 26 de setembro de 1960, quando disputavam a presidência dos Estados Unidos: “De 1960 em diante, os candidatos presidenciais americanos se esforçaram em ser telegêncios: políticos com uma boa performance televisiva. Aparência, idade, apresentação, articulação verbal, roupas, gestos, rapidez de raciocínio, postura, beleza e desenvoltura ante as câmeras ganharam relevância nas campanhas eleitorais”. Conti lembra que, em 1989, “O Estado de S.Paulo, O Globo, Folha de S.Paulo e Jornal do Brasil tinham uma tiragem somada de menos de 1 milhão de exemplares diários – pouco mais de 1% dos brasileiros em condições de votar. Já a televisão chegava a praticamente todos os 82 milhões de eleitores”…

Conselhos úteis

Sabendo disso, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, então o principal dirigente da Rede Globo de Televisão, sugeriu a Collor que, para enfrentar Lula no último encontro televisivo, “desse uma volta pelo estúdio antes de começar o debate, para aquecer, soltar o corpo e ficar um pouco suado. Para parecer que estivera envolvido em alguma atividade, e não descansando. Tinha de controlar sua loquacidade, esforçando-se para falar devagar. Precisava enfatizar os pontos principais de sua fala, com expressões faciais e gestos com a mão. (…) Boni aconselhou o candidato a levar várias pastas ao último debate, o que não havia feito no primeiro. Com as pastas, daria a entender não só que dominava vários assuntos, mas que numa delas poderia haver novas denúncias contra Lula. Dessa maneira, atemorizaria o adversário. Por fim, o vice-presidente da Globo recomendou que Collor não proferisse o nome de Lula. Que usasse uma expressão neutra: ‘o outro candidato’”.

O livro revela algo, também, da disputa entre os meios de comunicação – um visando derrubar, destruir o outro, apesar da fraseologia sobre “ética” sempre usada nos editoriais. Assim, ficamos sabendo que anunciantes contaram ao dono do Jornal do Brasil que o jornal O Globo “concedia descontos formidáveis, desde que não colocassem propaganda no JB“. Ou então, que os donos de bancas de revistas eram ameaçados pela Editora Abril: “se vendessem as revistas da (Editora) Três, não receberiam as da Abril”. A informação privilegiada é outra fonte de bons negócios para os empresários das comunicações: “Quando Delfim Netto era ministro da Agricultura, no governo Figueiredo, Ruy Mesquita (dono do Estado de S. Paulo) o encontrou numa festa de casamento. Delfim disse ao jornalista que se ele estivesse no lugar de Mário Henrique Simonsen, o ministro da Fazenda, promoveria uma maxidesvalorização da moeda nacional em relação ao dólar. Quando Delfim assumiu a Fazenda, o Grupo Estado investiu no dólar e veio a maxidesvalorização. Com a venda das ações e a máxi, a empresa pôde saldar sua dívida com o Banco de Boston”.

A leitura de Notícias do Planalto evidencia a relação incestuosa entre os grandes meios de comunicação, as grandes empresas e as elites governantes. O livro mostra um flagrante do Estado como um gestor dos interesses da grande burguesia, em detrimento da nação. Essa relação era anterior à ascensão de Collor e manteve-se após a sua derrubada.

Não é por acaso que o governo de Fernando Henrique Cardoso goza do apoio unânime dos grandes meios de comunicação.

Publicação original em A Classe Operária (20/1/00)

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