O Brasil no período entre as duas guerras mundiais

A Primeira Guerra Mundial interrompeu um processo de desenvolvimento industrial do País, embora modesto, e sustentado pelo setor agrícola, a monocultura cafeeira. A guerra desarticulou o comércio internacional, ameaçado pelos bloqueios e pela destrutiva a

Durante e depois da guerra, o comércio internacional reduziu-se consideravelmente, coarctando praticamente nossa importação de bens de capital e até os de reposição. No exterior, o intercâmbio alemão, para exemplificar, reduziu-se a um quarto em relação ao período anterior à guerra; em relação à Inglaterra, o declínio foi aproximadamente da metade. Numerosas razões modificaram inveterados processos de distribuição mercantil; conexões entre países desarticularam-se; esforços intensos foram desencadeados para obter autosuficiência em bens indispensáveis para o abastecimento militar e civil, ponderando-se os aspectos estratégicos envolvidos. Somente os Estados Unidos, que ingressou tardiamente no conflito ,em 1917, obteve proveitos comerciais e financeiros decorrentes dos empréstimos aos beligerantes e abastecimento de bens e material militar aos aliados. O intercâmbio entre empresas norte-americanas e países centrais europeus, liderados pela Alemanha, não cessaram, inclusive o abastecimento de petróleo, o que ocorreu também na Segunda Guerra. Após a guerra, o protecionismo, principalmente norte americano, e a necessidade europeia de exportar para obter divisas a fim de satisfazer os empréstimos obtidos nos Estados Unidos impediram fluísse o comércio, além de empobrecer ainda mais as combalidas economias europeias. As poucas reservas em ouro, destinadas a pagar os empréstimos, foram direcionadas para a América.


 


 


Werner Baer, no livro A Economia Brasileira, Nobel Ed., expõe os aspectos mais sintomáticos da queda da produção de alguns produtos peculiares às atividades industriais, no exterior e no Brasil. Concomitantemente refuta a tese de que o conflito consistiu em catalisador do crescimento industrial brasileiro. Ao referir-se a alguns indicadores da produção nacional , no período entre guerras, indica a queda no consumo aparente de cimento, de mais de 465 mil toneladas em 1913, para somente 51 700 toneladas em 1918; o consumo aparente de aço decresce de 589 mil toneladas para 50 mil toneladas no mesmo período, e o índice de importação de bens de capital sofreu uma redução de 205,3 em 1912 para 32,0 em 1917. Acrescenta Baer que durante a guerra, de 1914-1918, ocorreu uma queda ainda maior na importação de bens de capital ,em proporção a outros produtos.


 



A indústria brasileira de bens leves, por outro ângulo, a exemplo dos têxteis, aproveita-se da queda nas importações para empregar, de forma intensiva, o seu aparelho produtivo já instalado.


 



Se a Primeira Guerra não nos favoreceu, e no mundo todo acresceu os problemas dela emergentes, precipitando um descenso na atividade econômica de diversos países, embora de forma desigual ( os Estados Unidos foram uma exceção em certos aspectos). O descenso geral, após breve suspiro nos anos 20, não se recuperou, pelo contrário, nos anos 30 o comércio internacional declinou em termos reais. O desemprego estrutural permanente foi o fenômeno peculiar e traumático da época, pois se revelou uma faceta explosiva do capitalismo. O desemprego exponencial atingiu , na década de 30, índices de 20 a 30 por cento.. Esta taxa, sempre mencionada pelos economistas, é a manifestação definitiva de que a economia estava em crise ou recessão.Exprime, de maneira contundente ,a queda em todas as demandas: na taxa de lucro, no consumo e na produção. As análises dos economistas burgueses assinalam o desemprego, mas não o vinculam ao desencadeamento do ponto crítico onde outras rupturas se aglutinam.


 


 


Não deixemos que essa digressão nos remeta para a questão das crises, examinadas no campo marxista pelas competentes colunas de Sérgio Barroso. Fiquemos no panorama histórico do que se passou na economia brasileira do pós-guerra de 1914. Devemos, porém, nos reportar a momento de enorme repercussão na economia brasileira dessas décadas. Refiro-me ao denominado Convênio de Taubaté, concluído em fevereiro de 1906. O Convênio foi a demonstração inequívoca da enorme predominância do setor cafeeiro na atividade produtiva nacional na época. Celso Furtado, no livro Formação Econômica do Brasil, define o que foi a denominada política de valorização do café. Diz ele em essência, que essa política consistia no seguinte:


 


 


a) A fim de restabelecer o equilíbrio entre a oferta e a procura do café, o governo interviria no mercado para comprar os excedentes;


b) o financiamento dessas compras se faria com empréstimos estrangeiros;


c) o serviço desses empréstimos será coberto com um novo imposto cobrado
em ouro sobre cada saca de café exportada;


d) A fim de solucionar o problema a mais longo prazo, os governos dos
estados produtores deveriam desencorajar a expansão das plantações.


 


 


Outra medida protecionista incluía o estabelecimento de um fundo para a estabilização do câmbio, a fim de impedir que a revalorização do produto aumentasse o preço, desistimulando a exportação do café Acirrada polêmica ocorreu na época, pois os cafeicultores foram, aparentemente, os únicos beneficiários desses empréstimos, a despeito de inegável endividamento do tesouro. Ocorreu o que se nomeou de “socialização dos prejuízos”, pois a todos os contribuintes, independente da atividade exercida, cumpriria fornecer os fundos de “valorização” do café, ameaçado pela queda na demanda internacional e no aumento dos custos da produção. À primeira vista notável quebra dos princípios fundamentais da teoria clássica da economia, soberana na época, a intervenção do estado é reconhecida como decisiva para evitar a derrocada da economia brasileira, ferida no sustentáculo da sua sobrevivência.


 


 


A disputa revelava aspecto que Celso Furtava assinala, ou seja, o princípio Federativo, inaugurado pela Constituição de 1891, alicerçara o poder dos Estados, consequentemente, a hegemonia dos produtores de café, pois a Federação exprimia, na época, o poder dessa classe dominante.


 



Lograram os “ruralistas” de então impedir enveredasse a lei pelo terreno de suas conquistas, dentre elas uma eventual legislação que buscasse aliviar as condições precárias dos escravos libertos( uma fração de classe ainda sem história). Legislação dessa natureza acabaria ingressando nas relações de trabalho, o que se evitou por algumas décadas, até o Código Civil. Este, por sua vez, normatizou, timidamente, a mera prestação de serviços ( prestação de serviços sem vínculos remunerativos). Continuaram libertos e trabalhadores comuns desamparados de leis que lhes assegurassem um mínimo de proteção. As leis trabalhistas esperaram outras décadas e algumas revoluções para serem promulgadas.


 


 


Voltemos ao assunto. Os governos estaduais e a burguesia cafeicultura de São Paulo detinham o poder constitucional exclusivo de criar impostos às exportações. Era o imposto de maior expressão econômica e política, dominando o café a nossa pauta. Enorme, dessa maneira, a pressão sobre o governo federal ,que foi obrigado a ceder, assumindo o encargo de salvar a grande monocultura cafeeira.


 


 


Teria sido um desastre completo para as relações sociais, para a saúde da economia brasileira, esse exemplo da força de uma classe social hegemônica nos anos 30 de nosso País? Bem, o tema é fascinante e as questões suscitadas não são corriqueiras, como parecem ser. Na próxima coluna ingressaremos nessas questões.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor