O Equador Tenta Renascer

“Todos esses homens que não servem ao interesse público, e mais alguns, como os tesoureiros que administram e recebem muito dinheiro e outros semelhantes, obtêm um percentual muito grande de ganhos e lucros por ocasião das alterações das moedas, enriquece

Segundo as projeções, o Presidente do Equador Rafael Corrêa alcançou vitória expressiva nas eleições para a Assembléia Constituinte e deverá conseguir maioria absoluta das 130 cadeiras disputadas. O êxito dará legitimidade às mudanças prometidas quando assumiu o cargo em janeiro. Corrêa segue os passos de outros países latino-americanos que tentam mudar seu futuro através do sufrágio universal. A Assembléia Nacional Constituinte deverá “revertir las barbaridades que existen en la economía”, disse o Presidente. Para o governo, isto significa desmontar o neoliberalismo e reconstruir o Estado nacional equatoriano.


 



 Entre os pontos que deverão ser colocados em debate está a dolarização. O Equador não tem mais uma moeda própria desde janeiro de 2000, quando adotou oficialmente o dólar norte-americano como moeda. Corrêa afirmou que a saída da dolarização é urgente.


 


 
O mesmo caminho que arrastou o Equador a tragédia da dolarização é muito semelhante ao que levou às crises financeiras no México em dezembro de 1994, no Brasil em janeiro 1999 e na Argentina em dezembro de 2001. É possível situar seu início em 1992 quando, no governo Sixto Durán Ballén, o Equador adotou um plano de combate à inflação que utilizava a taxa de câmbio como âncora nominal. No geral, o esquema seguiu os mesmos mecanismos que outras economias latino-americanas: altas taxas de juros com câmbio valorizado. Soma-se a isso, um programa de reforma do Estado harmonizado com todas as recomendações do FMI do Banco Mundial.
Como se sabe, o câmbio valorizado provoca a queda das exportações, o aumento das importações e, conseqüentemente, déficits permanentes na conta de transações correntes do balanço de pagamentos.  Esses déficits são financiados substancialmente por entrada de investimento externo direto e capital especulativo (1). Enquanto há financiamento externo, as autoridades econômicas tendem a dar pouca importância a essa situação que, na realidade, não pode ser suportada indefinidamente. O problema é que, com ou sem razão, em algum momento os investidores acreditam que o país não poderá mais cumprir seus compromissos financeiros.


 



Em 1998, o déficit em transações correntes como porcentagem do PIB alcançou a extraordinária marca de 9%, segundo dados da Comissão Econômica para América Latina (Cepal).  A especulação contra o sucre, a então moeda equatoriana, se transformou em uma crise financeira. Com isso, no início de 1999, o Equador foi obrigado a mudar seu regime cambial para livre flutuação e, em agosto, o governo declarou moratória da dívida externa com o apoio do FMI e do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos. Assim, à custa da pior recessão da sua história, que fez com que as importações registrassem uma queda de 68%, o Equador conseguiu reverter o forte desequilíbrio nas suas contas externas. Durante o ano o sucre se desvalorizou em quase 200%.


 


 


Dolarização


 


Em 9 de janeiro de 2000, ao abandonar uma instituição fundamental como a moeda, o Equador talvez tenha cometido a pior loucura da sua história. Exatamente nessa data o então presidente Jamil Mahuad Witt, um democrata cristão com relações carnais com o sistema financeiro equatoriano, anunciou que eliminaria o sucre transformando o dólar dos Estados Unidos na moeda de curso legal completo (2). No dia seguinte o Banco Central do Equador fixou a taxa de conversão em 25.000 sucres por dólar e, antes do fim do ano, retirou de circulação os sucres, empregando as suas reservas de dólares como substituto. Para justificar a medida, em abril de 2000, o Banco Central iniciou uma intensa campanha de informação através de material didático (inclusive uma versão para crianças!), conferências, vídeos, etc.


 



Provavelmente não foi tarefa fácil explicar. Antes do Equador, somente o Panamá, pouco tempo após a sua separação da Colômbia em 1903 por  pressão dos Estados Unidos, havia adotado o dólar como moeda de curso legal. Não obstante, a dolarização foi  muito festejada pela elite branca equatoriana que já carregava em suas carteiras grande quantidade de dólares: em 1999, 53,7% dos depósitos no sistema bancário equatoriano estava denominado em moeda estrangeira.


 



A utilização de uma moeda estrangeira como elemento fundamental de  um plano de estabilização não é algo incomum na história. Porém, planos desse tipo somente são utilizados em situações extraordinárias de profunda desordem monetária, como nos processos de hiperinflação. Isso evidentemente não torna a dolarização inevitável, mas o que faz do Equador um caso mais impressionante é que a sua economia não vivia um processo desse tipo que pudesse trazer alguma legitimidade a uma medida tão extrema.


 



O descontentamento do povo equatoriano tornou-se insuportável: após significativas manifestações populares que ameaçavam sair do controle, o presidente  Mahuad, em janeiro de 2001, foi obrigado a sair pela porta dos fundos do Palácio Presidencial e fugir. O vice-presidente Gustavo Noboa assumiu e ratificou a dolarização.
A medida foi realizada às pressas, sob a pressão dos acontecimentos politicos que dias depois apeou um presidente do poder; um “salto no vazio” como confessou Mahuad.


 


 


Uma situação difícil de reverter


 


No fundo a dolarização significou afirmar uma submissão absoluta e humilhante em razão da incapacidade do governo equatoriano em resolver seus próprios problemas. Significou renunciar sua soberania monetária e entregar todas as funções do Banco Central do Equador a administração do Fed, Banco Central dos Estados Unidos. Não apenas às decisões do Fed que existe para defender os interesses da economia norte-americana, obviamente, mas também aos sabores da oscilação dos mercados financeiros. Portanto, significou abdicar de características essenciais da política econômica de todas as nações civilizadas.


 



Além disso, a dolarização cria hábitos nos agentes econômicos que tendem a se perpetuar. Em outro momento, respondendo a oposição, Rafael Corrêa chegou a afirmar que manteria a dolarização, pois o contrário significava jogar o País numa guerra civil.  Mais fortalecido fez críticas contundentes a dolarização e afirmou que em algum momento o Equador terá novamente uma moeda nacional.


 



De fato, pelos meios convencionais é praticamente impossível reverter a dolarização. É isso que explica as declarações contraditórias do governo sobre o tema. Se fosse apenas uma questão de escolha, provavelmente o presidente Corrêa já teria se livrado deste fardo. A questão é que, definitivamente não se sai de uma armadilha pedindo licença. Talvez a saída seja a adoção conjunta de uma moeda regional a ser criada, como defendeu o Presidente Corrêa.


 



Todavia, vale a pena frisar que essas idéias bizarras de dolarizar a economia não se manifestam apenas em países menores como o Equador. A Argentina adotou algo muito parecido durante dez longos anos, e mesmo no Brasil, entre a equipe que ajudou formular o Plano Real em 1994 havia um quinta-coluna que defendia a dolarização nos termos do Plano de Conversibilidade argentino.


 


Notas


 


(1) Nos anos 1990 grande parte do investimento externo direto destinava-se ao processo de privatizações.


 


 


(2) A tragédia desse ato é bastante simbólica, uma vez que o sucre era uma homenagem ao herói venezuelano, Marechal Antonio José de Sucre (1795-1830), comandante da batalha de Pichincha de 24 de maio de 1822 com a qual se consolidou a Independência do País contra o império Espanhol. Cf. ACOSTA, Alberto (200) Breve história econômica do Equador.  Coleção América do Sul, Fundação Alberto Gusmão.


 


 


(3) Banco Central do Equador (1999). Memorias del Banco Central del Ecuador. www.bce.fin.ec/docs.php?path=./documentos/PublicacionesNotas/Catalogo/Memoria/1999/indice99.htm



 

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