O espectro da reforma da previdência

Com a proximidade da sucessão presidencial, a ardilosa elite dominante volta a fazer o seu jogo sujo de pressão. Qualquer que seja o eleito, ela pretende impor a sua agenda regressiva. Seu alvo novamente é a previdência social.

Nos últimos dias, a mídia burguesa não parou de especular sobre a pretensa urgência de uma nova reforma do setor. O jornal Folha de S.Paulo, o mesmo que cedeu suas peruas para enviar presos à tortura durante a ditadura militar, é o mais inescrupuloso de todos nesta nefasta campanha. Na semana passada, estampou mais uma manchete venenosa: “PT e PSDB querem adiar aposentadorias”.

O objetivo evidente foi semear confusão. Quanto ao PSDB, o seu programa é abertamente favorável à terceira etapa desta reforma. O primeiro golpe, imposto por FHC em 1998, penalizou os trabalhadores do setor privado através da mudança no chamado fator previdenciário. Já o segundo golpe, desfechado no governo Lula em 2003, vitimou os trabalhadores do setor público, reduzindo as suas aposentadorias e incentivando os fundos privados de pensão – o que lhe rendeu enorme desgaste numa antiga base de sustentação. Agora, conforme a mídia hegemônica, haveria um conluio para emplacar a terceira fase.

Quanto ao PSDB, ele defende explicitamente este novo golpe. Um dos principais consultores de Geraldo Alckmin neste terreno, o advogado José Pastore, não vacila em defender a urgente ampliação da idade da aposentadoria. Em recente artigo, ele foi explícito: “No Brasil, além do fator previdenciário, há que se elevar a idade para aposentar… A fixação de um nível mais alto e progressivo para a aposentadoria é uma imposição da demografia moderna. As pessoas vivem mais e precisam trabalhar mais tempo… O Brasil terá de enfrentar, já no início do próximo governo, novas mudanças no sistema previdenciário”.

Jornalismo asqueroso

Se o texto da Folha de S.Paulo mencionasse apenas o PSDB não haveria problemas. Afinal, está no seu programa. Mas ele tenta também envolver o presidente Lula e seu partido, o PT, gerando desconfianças entre os trabalhadores. Segundo especula, sem apresentar provas, o atual governo já teria elaborado um projeto com medidas para ampliar a idade da aposentadoria. O texto insinua que por oportunismo o PT teria optado por manter o assunto sob completo sigilo. “A mudança na previdência social deve ficar de fora do debate eleitoral, por ser um assunto árido”, alfineta a jornalista Malu Delgado.

Segunda ela, a tendência é que esta reforma seja feita por legislação infraconstitucional. “Isso significa uma reforma que comece pelas beiradas, por etapas e sem grandes polêmicas, para que ao longo do percurso se chegue aos debates complexos sobre idade de aposentadoria e fontes de financiamento. Há pelo menos dois aspectos que seriam o eixo central das novas alterações: elevação do limite de idade de aposentadorias para pelo menos 65 anos – questão considerada inevitável por especialistas diante do aumento da expectativa de vida e da transformação demográfica no Brasil – e a fixação de regras que favoreçam a formalidade no mercado de trabalho e incrementem o combate à sonegação e as fraudes”.

A manchete foi imediatamente contestada pelo presidente do PT, Ricardo Berzoini, como “exemplo de mau jornalismo”. De forma taxativa, ele garantiu: “Para que fique claro: o PT não defende o aumento do limite de idade para o Regime Geral de Previdência Social por acreditar que o sistema pode e deve ser financiado, conforme prevê a Constituição, também pelo Cofins, CSLL e CPMF. O RGPS é um sistema previdenciário público, cuja gestão vem sendo aperfeiçoada no governo Lula, depois de anos de abandono. O crescimento do emprego formal e a gestão que priorize o combate às fraudes, à sonegação e à corrupção são as garantias de que ele possa manter a sustentabilidade de seu financiamento”.
 
Fumaça e fogo

Mas, apesar dos desmentidos, é bom ficar esperto! Como diz o ditado popular, onde há fumaça há fogo! São conhecidas as pressões do capital financeiro para destruir a previdência social no mundo inteiro. A proposta de uma nova reforma surge com destaque em todas as “recomendações” do Fundo Monetário Internacional. O motivo é simples: os banqueiros querem abocanhar as vultuosas somas destinadas às aposentadorias e às pensões. Além de desejarem administrar os fundos públicos, sob o argumento de que o estado é “incompetente”, os bancos sonham com o aumento da arrecadação dos fundos privados.

Para atingir esses objetivos, a oligarquia financeira utiliza sua mídia venal numa ostensiva campanha de manipulação da opinião pública. Entre outras mentiras, ela divulga a idéia de que a previdência social é deficitária e está falida. Dados da Super-Receita Federal, porém, desmentem essa versão falaciosa. Em 2005, a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) arrecadou R$ 89 bilhões; já a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) embolsou quase R$ 27 bilhões. Mesmo levando em conta o déficit na receita própria da previdência, estimado em R$ 38 bilhões em 2005, o superávit total do sistema de seguridade social seria de quase 78 bilhões de reais!

Estas cifras gigantescas é que estimulam o apetite do capital financeiro, desmascaram as manipulações da mídia e resultam em fortes pressões sobre os governantes – atuais e futuros. Apenas com a transição do atual sistema de repartição (em que o trabalhador em atividade paga a aposentadoria do inativo) para o regime de capitalização (em que cada assalariado paga por sua própria aposentadoria futura) – como desejam afoitamente os bancos –, o novo modelo movimentaria o equivalente a três PIBs: R$ 3 trilhões e 300 bilhões! Diante de tão volumosos recursos e do assustador poder da ditadura financeira, alguns analistas mais pessimistas já encaram a terceira fase da reforma como algo inevitável, uma fatalidade.
  

Segundo o especialista Jorge Serrão, “os bancos já deram a ordem. A ‘reforma’ da Previdência Social, misturando interesses dos fundos de pensão e do sistema financeiro, será implementada no próximo governo – ocupe quem ocupar a cadeira de titular do Palácio do Planalto: seja Lula da Silva, Geraldo Alckmin ou Odorico Paraguaçu”. Ácido crítico do governo Lula, ela lembra que Luis Gushiken, ex-homem forte da presidência, sempre defendeu as idéias privatistas e os interesses dos rentistas. Ainda no governo FHC, a sua empresa de consultoria, a Gushiken & Associados, preparou um projeto neste rumo. Depois, no governo Lula, a Global Previ, sua “ex-empresa”, prosseguiu na pressão pela reforma.

Diante destes riscos iminentes, o sindicalismo não pode repetir os graves erros do passado. A omissão, a passividade e a divisão cobrarão alto preço! De imediato, ele deve encarar com centralidade a batalha política em curso. O bloco liberal-conservador, encabeçado por Geraldo Alckmin, defende abertamente a terceira fase da reforma.
Nesse sentido, é um inimigo declarado que precisa ser derrotado. O primeiro objetivo é evitar a revanche neoliberal da direita. Ao mesmo tempo, é preciso interferir ativamente nos rumos da campanha e do provável segundo mandato do presidente Lula. Sem fatalismos esquerdistas, é possível agir com autonomia e inteligência política para derrotar as pressões do capital financeiro.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho