O funeral do bufão Ieltsin

Foi enterrado, dia 25 último, sob incensos e auréola de santo, Boris Ieltsin – que governou a Rússia de 1991 a 1999, período imediatamente após o fim da União Soviética. A grotesca figura, no entanto, nada tem de herói. Sua “canonização” vem dos relevante

No altar da catedral da Igreja Ortodoxa de Moscou revezaram-se para balançar o incensório figuras como George Bush (o pai), Bill Clinton, ex-presidentes dos Estados Unidos da América e John Major, ex-primeiro-ministro britânico.


 


O milagre atribuído a Ieltsin para justificar essa improvisada e grotesca canonização foi repetido mil vezes pela mídia: Ieltsin teria sido o “coveiro” da União Soviética e, segundo alguns, por extensão “o coveiro de uma idéia”. Teria ele sepultado o ideal do socialismo.


 


Esses derramados elogios ao “legado” de Ieltsin se contrastavam, todavia, segundo, relatos da agência France Presse, com opiniões colhidas de populares, na segunda-feira, dia 23. Um: “Morreu? Um traidor que liquidou a Rússia”. Outro: “Ele destruiu o país, pior só Gorbatchev”. Um outro: “Eu confiava nele, mas ele destruiu a Rússia”.


 


Louvaram-no os representantes das potências capitalistas por ter sido uma útil marionete para detonar o “tiro de misericórdia” na União Soviética e, obviamente, também homenagearam-no Wladimir Putin e os demais que dele receberam o poder. Por outro lado, as próprias agências de noticias tiveram de se curvar ao fato de não ter havido nas amplas camadas do povo russo nenhuma comoção à notícia da morte da figura. Para milhões de russos ele é sinônimo de vergonha e traição nacional, corrupção, fome e desemprego.


 


E, de fato, o é. O desmonte da economia estatal soviética além de errático foi um festival de roubo e favorecimentos. Tanto isso é verdade que uma das primeiras medidas de Putin, logo após ter sido entronado, foi resgatar uma dívida para com esse que o coroou: assinou uma anistia preventiva para poupá-lo de qualquer processo por corrupção. O desmantelamento da economia soviética provocou uma gigante onda de desemprego. As avenidas de Moscou foram invadidas por uma legião de mendigos e pedintes. Direitos sociais dos trabalhadores foram cortados, as pensões dos aposentados deixaram de ser pagas.


 


Com a popularidade em baixa, Ieltsin usou a velha receita do nacionalismo doentio e lançou, em 1994, uma guerra contra a Tchetchênia. Dezenas de milhares de mortos, massacres, violação dos direitos humanos.


 


Um dado talvez consiga simbolizar a tragédia que foi a chamada “era Ieltsin” para o povo russo: a população do país caiu em 2 milhões de pessoas devido ao colapso do sistema público de saúde.


 


Além disso, Ieltsin talvez tenha sido entre os grotescos chefes de Estado do século 20 o “mais-mais” – talvez seja apropriado conceder-lhe o título de “bufão-mor”. Um bêbado cambaleante em inúmeras solenidades públicas. É risível a benevolência da mídia para com seu palhaço. Tudo é resumido num gracejo: “Ieltsin era um bom de copo”. É compreensível, todavia, as honrarias e os incensos da parte de quem partiu, afinal os serviços prestados por ele às potências imperialistas foram relevantes.


 


É ridículo, entretanto, apresentar tal personagem bufo como uma espécie de superdotado. Muito ao contrário. O fato de um indivíduo tão reles ter sido o instrumento decisivo para o golpe fatal na União Soviética revela o quanto ela já estava corroída e debilitada. O quanto ela já se distanciara e deixara de ser a União Soviética que tanto legado deixara à humanidade e aos trabalhadores. E o fato de tão desqualificada personagem ter ocupado tão importantes cargos no Partido Comunista da União Soviética é uma prova do grau avançado de degeneração a que chegara esse outrora glorioso partido.


 


Falso e hilário é afirmar que esse bufão teria sido o coveiro da ideal socialismo. O fim da União Soviética foi resultado de um processo longo e complexo e provocou um paradoxo. Ao mesmo tempo em que fez emergir uma avalanche anticomunista, antidemocrática, e obscurantista, impôs ao movimento revolucionário uma tarefa histórica de reafirmar o socialismo em bases novas.


 


Para isso, as forças políticas avançadas do mundo examinaram criticamente essa pioneira experiência do socialismo. Tal trabalho foi empreendido em vários países. No Brasil, o Partido Comunista do Brasil, sob a liderança de João Amazonas, o realizou nos primórdios de 1992, no seu 8º Congresso. O legado da URSS à humanidade foi reafirmado, mas, sobretudo, foram apontados os erros e equívocos que levaram à sua derrocada. As lições foram sistematizadas e propiciaram o surgimento de um socialismo renovado, desvencilhado desses erros e enriquecido pelo crivo crítico da história.


 


O bufão Ieltsin já foi tarde. Sem choro, nem vela.  Os poderosos do imperialismo lhe tecem louvores. O povo russo reage, em sua maioria, com indiferença e desprezo. E a luta pelo socialismo adentra, no XXI, a uma nova etapa, rejuvenescida e renovada.

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