O Império contra Jango

Maria Thereza Fontella Goulart, João Vicente Fontella Goulart e Denise Fontella Goulart, parentes de João Goulart, o Jango, ajuizaram uma ação de danos materiais e morais, de imagem e de existência, contra os Estados Unidos da América.

Como fundamento do pedido sutentam que na qualidade, respectivamente, de viúva e filhos do ex-presidente João Goulart, sofreram prejuízos pessoais e financeiros em razão da deposição do ex-presidente pelo golpe que resultou na implantação da ditadura militar em 1964.


 


 


Os fatos que provaram a interferência foram amplamente corroborados pelo ex-embaixador norte-americano no Brasil Lincoln Gordon em livro onde confessa a participação do seu país na deposição de Jango, corroborado por telegrama do Departamento de Estado Americano à sua embaixada no Brasil, datado de 30 de março de 1964. Aduzem os familiares de Jango que os Estados Unidos enviaram ao Brasil uma belonave para as águas territoriais brasileiras. Essas atitudes, combinadas com o apoio logístico da CIA, ensejou a perseguição dos autores pelo militares brasileiros e ”sofrimentos de constantes ameaças de morte, de bomba, de seqüestro e completa ruína financeira”.


 


 


 


O juiz da 10ª Vara  da Seção Judiciária do Rio de Janeiro extinguiu o processo sem julgamento do mérito, ou seja, por motivos processuais, sob o fundamento da impossibilidade jurídica do pedido, pois se tratava de ato de império praticado pelo governo estadunidense.


 


 


 


A família de Jango recorreu da decisão ao Superior Tribunal de Justiça, competente para julgar “as causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismos internacionais”, artigo 105, letra “c” da Constituição Federal do Brasil.


 


 


Travou-se, como era de se esperar, um interessante debate sobre “atos de império” e atos de gestão”. Os primeiros seriam  imunes à jurisdição nacional e os segundos, como ações trabalhistas, responsabilidade civil e outras não seriam imunes à jurisdição brasileira.


 


 


A Ministra Nancy Andrighi, relatora no Tribunal, após detido exame dos volumosos autos, sustentou que a imunidade dos Estados não é hoje um conceito absoluto, mas relativo. E arrola substancial jurisprudência do STJ. Dentre esta, selecionamos um voto do Ministro relator Garcia Vieira, proferido no RO (recurso ordinário nº 6/RJ), peça que merece ser conhecida pela sua consonância com os fatos sociais, históricos e jurídicos contemporâneos: ” No caso sub judice, o agente diplomático agiu como órgão e representante do Estado Estrangeiro, a responsabilidade é do Estado e não do diplomata. A imunidade de jurisdição a ser examinada não é a diplomática e sim a do Estado Estrangeiro. Essa já foi absoluta, mas hoje é relativa. A imunidade absoluta de jurisdição do Estado Estrangeiro só foi admitida até o século passado. Ela só ficaria bem para o feudalismo, para o tempo das Cruzadas, da guerra de Cem Anos, quando o comércio era local e as sociedade era isolada, fechada e praticamente não existia comércio exterior. Acontece que nos últimos cem anos o mundo sofreu transformações profundas. Mudaram-se os fatos, modificaram-se as idéias. A teoria clássica da imunidade absoluta do Estado Estrangeiro foi ultrapassada pelo tempo e já não passa de peça de museu.”


 


 


A Ministra Nancy conclui o seu voto acolhendo o recurso e, dando prosseguimento ao processo, determinou a citação dos Estados Unidos da América do Norte na pessoa do seu Chefe da Missão Diplomática no Brasil. Para ela ocorreu um ato de gestão do governo americano, pois a ação se refere a interesses particulares dos autores, todos da família de Jango.


 


 


A decisão final, acolhendo os votos da maioria, apenas determinou a citação dos Estados Unidos para que possa escolher entre manifestar a sua imunidade ou responder como parte no processo instaurado. Veremos a continuidade que pode se estender por muito tempo.

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