O mundo ferve – e o marxismo com isso?

O relatório sobre aquecimento global divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU) esquentou o debate sobre o que fazer para evitar uma catástrofe previsível. Mas a discussão fica manca se não se buscam responsáveis para além de uma “atividade hum

Ao fundamentarem o materialismo histórico e dialético, Karl Marx e Friedrich Engels demonstraram que não existe, a não ser na cabeça de ideólogos idealistas, o homem abstrato, destituído de história e de existência concreta na sociedade e na natureza. O relatório da ONU indica que a devastação da natureza em dimensão que coloca em risco a vida humana no planeta ocorreu a partir da revolução industrial. Revolução que resultou no domínio de alcance planetário da classe burguesa e das relações capitalistas de produção. E Marx foi o mais arguto analista da formação do capitalismo, indicando o que trouxe de benefícios e que mazelas impôs à sociedade.


 


Mas os pensadores alemães não centraram suas análises nas questões ecológicas e, vivendo no século XIX, não testemunharam a escalada de destruição do meio ambiente realizado pari passu com o desenvolvimento da indústria e a expansão da exploração rural.


 


Engels se referiu ao homem como “a natureza quando toma consciência de si mesma” (Anti-Dhüring). Marx, nos Manuscritos de 1844, considerou que a natureza “é o corpo não-orgânico do homem”. Os dois destacam que a atividade humana leva ao domínio das leis da natureza, para melhor atuar e colocá-la ao serviço da humanidade.


 


Engels foi virulento em suas críticas ao capitalismo ao analisar as condições sub-humanas nos bairros proletários de Londres na primeira metade dos anos 1800 – não responsabiliza “os homens”, mas a burguesia pela degradação do ar e dos rios. Num de seus últimos escritos, “O papel do trabalho da transformação do macaco em homem”, sentencia: “Os fatos nos lembram a todo instante que nós não reinamos sobre a natureza do mesmo modo que um colonizador reina sobre um povo estrangeiro, como alguém que está fora da natureza, mas que nós lhe pertencemos com nossa carne, nosso sangue, nosso cérebro, que nós estamos em seu seio e que toda a nossa dominação sobre ela reside na vantagem que levamos sobre o conjunto das outras criaturas por conhecer suas leis e por podermos nos servir dela judiciosamente”. É o uso judicioso que o capitalismo impede, com sua busca incessante da maior taxa de lucro possível, custe o que custar, devaste o que devastar. E, como anota nesse mesmo texto, para cada vitória humana sobre a natureza, “a natureza se vinga de nós.”


 


Nos “Grundisse”, Marx registra que a produção fundada sobre o capital cria “um sistema de exploração geral das propriedades da natureza e do homem”, começando a “apropriação universal da natureza”. Em O Capital, o autor constata que “a indústria e o comércio proporcionam à agricultura os meios para o esgotamento da terra”. Diz que o desenvolvimento capitalista perturba “o metabolismo entre homem e terra”, considera “cada progresso da agricultura” um “progresso da arte de saquear o solo” e acusa o capitalismo de “minar simultaneamente as fontes de toda a riqueza: a terra e o trabalhador”. Ainda nO Capital, Marx escreve que “o desenvolvimento da civilização e da indústria em geral (…) se mostra sempre tão ativo na devastação das florestas que tudo aquilo que pôde ser empreendido para a conservação e produção é comparativamente completamente insignificante”.


 



Mais de 100 anos após a publicação dessa obra, não é apenas a natureza que vem sendo inescrupulosamente degradada, mas, ao mesmo tempo, o número de miseráveis está aumentando: Aproximadamente a metade da população do mundo vive baixo da linha da pobreza, segundo um informe da Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgado em 2003. Quase 3 bilhões de pessoas vivem com menos de US$ 2 por dia. Dos 3 bilhões, cerca de 1 bilhão – o equivalente a um quarto da população dos países em desenvolvimento – vive com menos de um dólar diário. A OIT também informou que o desemprego oficial está em um dos níveis mais altos da história, com 180 milhões de desempregados, enquanto mais de 1 bilhão de pessoas estão subempregadas ou parcialmente empregadas.


 


Mas os fundadores do socialismo científico não ficavam somente lamentando a destruição da natureza. Convicto de que não basta interpretar o mundo, é preciso transformá-lo, Marx aponta o comunismo como a solução para “o antagonismo entre o homem e a natureza”. Com a abolição da propriedade privada, será possível “a realização da unidade essencial do homem com a natureza, a verdadeira ressurreição da natureza, o naturalismo completo do homem e o humanismo completo da natureza”. No volume III dO Capital, menciona a necessidade de “tratamento conscientemente racional da terra como eterna propriedade comunitária, e como condição inalienável de existência e de reprodução da cadeia das gerações humanas sucessivas”. Considera as sociedades tomadas em conjunto “apenas ocupantes, usufrutuárias,” da terra, que devem, “como bons paters famílias, deixá-la em melhor estado para as futuras gerações”. Em outro trecho aponta que “a única liberdade possível é a regulação racional, pelo ser humano socializado, pelos produtores associados, de seu metabolismo com a natureza, que eles controlam juntos ao invés de serem dominados por ele como por uma potência cega”.


 


O ser humano  sobreviveu e assegurou seu desenvolvimento colocando a natureza a seu serviço. No século XIX não era possível avaliar plenamente as conseqüências da devastação da natureza mas vale, no caso a observação feita por Engels, em 1892, em relação ao seu livro sobre a classe trabalhadora inglesa, publicado em 1834: “O admirável não é que muitas destas profecias tenham falhado, mas que tantas tenham se mostrado corretas”…

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