“O Pequeno Nicolau”: Descobertas infantis

Universo infantil e relações da classe média com a burguesia são o centro deste filme do francês Laurent Tirard.

             Comédia aparentemente despretensiosa sobre a infância e as relações entre a classe média e a burguesia, “O Pequeno Nicolau”, do francês Laurent Tirard, diverte ao lembrar os temores do garoto Nicolau (Máxime Godart) de vir a ter um irmão e a luta de seu pai (Kad Merad) para agradar o patrão. Nada no filme é forçado, construído para dar a impressão de que o diretor conduz a ação para este ou aquele caminho. Os personagens interagem em seus espaços, sem que o espectador tenha que ligar um fato ao outro. Eles, como nas melhores comédias, encerram-se na sequência, que não precisa ser completada pela que vem a seguir.

             Tirard e seu co-roteirista Grégoire Vigneron, a partir do livro de René Goscinny (autor de “Asterix”) e Jean-Jacques Sempé, estruturam núcleos de ação e deles retiram humor e drama. O filme gira em torno do grupo de garotos que, entre a escola e a família, tem que se acomodar às descobertas de sua idade e às brincadeiras não tão infantis assim. Em casa Nicolau começa a se interessar pelas conversas entre o pai e a mãe (Valérie Lemercier), atentando para nuances que antes lhe escapavam. E percebe que existe algo mais nas doces palavras que o pai dirige à mãe.

                  Neste compasso, ele e seus amigos vão descortinando a vida como ela transcorre e vendo as diferenças entre eles. Cada um deles ajuda Nicolau a apreender a realidade até sua mudança de percepção. Em suas estripulias, nos anos 50, Nicolau e seu grupo mostram discernimento (a procura do bandido Frank Leborgre para uma tarefa); compartilham suas descobertas e mudam seus pontos de vista a partir de suas experiências. Nenhuma novidade, então.

                Faz diferença o modo como Tirard retira do comportamento deles o timing, o equilíbrio, exato para gerar o riso e dispô-los no ambiente correto para ridicularizar a suposta seriedade das autoridades (professores, disciplinadores, ministro). Como o ministro da Educação francês que numa visita à escola descobre que as crianças sabem mais do que ele pensa.

              Ocorre quando uma pergunta crucial é feita ao desligado Clotaire (Victor Carles). Colegas, professora (Sandrine Kiberlain), espectador temem pela pergunta do ministro, pois sabem do alheamento dele. De Clotaire se espera esquecimento, do ministro que não faça pergunta difícil. Mas todos são surpreendidos, inclusive o próprio Clotaire.

 

                 Sonhos burgueses

                   Importante, além disso, é que as crianças têm comportamento de crianças. Nada de tiradas adultas ou engraçadinhas. Às vezes são ingênuas como Nicolau na visita à casa do patrão de seu pai, noutras vezes trapaceiam no jogo de azar que o grupo oferece à pobre velhota. Ou brincando com a vida, numa das melhores sequências do filme, quando Tirard volta às comédias pastelão na corrida de automóvel pelas ruas de Paris. Entre descobertas e trapalhadas sobra o riso ou o arrepio. A própria escola, longe de ser espaço para aprendizado, pode se transformar em verdadeiro horror para o garoto Clotaire, que ao menor sinal da mestra sente-se culpado e se dirige ao local do castigo, tal um cão enxotado para fora de casa.

                 A escola, por outro lado, é o espaço das crianças – o dos adultos se dá principalmente na casa de Nicolau. Seu pai, quarentão, ressente-se com o mau tratamento que lhe dedica o patrão e descarrega na mulher. Esta, por sua vez, “tenta” ajudar o marido, achando um jeito de também entrar para o mundo burguês. O jantar oferecido ao patrão e à mulher deste termina numa daquelas confusões, trapalhadas e desencontros em que o riso corre solto. A anfitriã enrola-se nas palavras para espanto do casal convidado e seu marido nada pode fazer, senão observá-la embasbacado. A bajulação para ele ganhar a atenção do patrão, no entanto, não se encerra nesta sequência; ele tem sua chance de bajulador e as coisas mudam.

                  O pai, então, é um personagem adequado para o pequeno Nicolau. Simpático, ele procura divertir o filho, amuado com a possibilidade da chegada de um irmão e, a um só tempo, não consegue aplacar a subreptícia ambição da mulher em ter uma vida melhor. São as desventuras da classe média, que sem poder, de fato, contenta-se com as sobras da riqueza ou, em termos de hoje, o consumismo desenfreado. Para Nicolau é um mundo ainda incompreensível. Até que sua visão muda e ele, influenciado por Joaquim, aceita o que lhe é apresentado. E tem uma surpresa. Nada mais dialético do que a vida.

                   Com situações iguais a estas, Tirard atrai o espectador para seu filme. As armações longe de serem esdrúxulas, do riso pelo riso, tornam-se plausíveis e tornam leves os entrechos. Sob o olhar de Nicolau, que dita o ritmo das sequências, tudo parece absurdo; às vezes é, noutras ele se deslumbra com sua própria capacidade de achar engraçado o comportamento dos pais: eles até que não são maus! E a escola? Terrível. Fica melhor na hora do recreio. Coisa de criança. Por isto é divertido!

O Pequeno Nicolau”.( “Le Petit Nicolas”). Comédia Infantil. França/Bélgica. 2009. 91 minutos. Roteiro: Laurent Tirard/Grégoire Vigneron, baseado no livro de René Goscinny e Jean-Jacques Sempé. Diretor: Laurent Tirard. Elenco: Valérie Lemercier, Kad Merad, Maxine Godart, Victor Carles.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor