O problema é o Parlamento

O Parlamento que temos é esse. Como conviver com ele é o problema. Será preciso muita habilidade política.

Leio com atenção. Um artigo sobre arrecadação tributária. Confesso que me é difícil. Um emaranhado de legislações e regulamentações. No entanto, importante, vou até o final.

Felipe Salto é o autor. Um professor e consultor econômico. Já exerceu as funções de Secretário da Fazenda e Planejamento do estado de São Paulo e foi diretor do Instituto Fiscal Independente, órgão vinculado ao Senado Federal. Atualmente economista chefe de uma consultoria econômica respeitada na dita Faria Lima.

Deixa claro que é um falso discurso dizer que, atualmente, só há uma preocupação arrecadatória, deixando os gastos públicos se expandirem. O próprio arcabouço fiscal aprovado impõe limites rígidos para as despesas.

Mais importante, demonstra que a economia brasileira está no caminho certo. As medidas aprovadas em 2023 e propostas para 2024 começam a dar resultados. Janeiro e fevereiro, deste ano, apresentaram um aumento de arrecadação, comparado a igual período do ano passado, de mais de 22%. E há uma tendência a esse movimento se manter.

Além disso, se o movimento se mantiver, com uma arrecadação próxima de 0,2% do PIB, o esperado com as novas medidas em implantação, o que, considerando a folga de 0,25% da faixa admissível, nos colocaria na condição de atingir o desejado déficit 0. Independente dos números e cálculos feitos pelo consultor, importante notar que pela primeira vez vejo o mercado admitindo ser plausível atingir a meta. Diz o autor:

“A meu ver, cumprindo o mandato legal da Lei Complementar 200/2023 (Novo Arcabouço Fiscal), que determina o corte máximo possível (25% da despesa discricionária autorizada) chegaríamos a 0,2% do PIB de déficit primário.”

Se a economia está na direção correta, se os resultados estão surgindo, se os agentes econômicos, inclusive os ligados ao grande capital, assim o reconhecem, por que se nota desanimo tão grande?

O próprio texto em análise dá a dica: “é preciso sempre lembrar que os sinos dobram lá no Plenário Ulysses Guimarães.”

Essa parece ser a real dificuldade. A sanha pelo dinheiro público dos senhores parlamentares é infindável. Emendas de todo o tipo para evitar um plano de desenvolvimento. Interesses individuais e corporativos, preocupações que não se atrelam a uma estratégia consistente de mais largo prazo.

Ainda, ano eleitoral, em que há uma corrida para resolver tudo no primeiro semestre, inclusive a alocação de recursos, é perturbadora. A pressão aumenta e dificulta processos mais sólidos de negociação.

Mais ainda, criar dificuldades como estratégia para as eleições, um Parlamento conservador que vem dando recados que muito preocupam. Do lado econômico há uma pauta relevante que precisa ser apreciada, do lado social, uma pauta conservadora prospera nas Câmaras Altas. Vejam o que ocorreu nas Comissões da dos Deputados.

A Comissão de Constituição e Justiça foi entregue a uma Deputada extremamente conservadora e disposta a criar dificuldades e problemas.

 Primeiro projeto que analisa foi o de porte de drogas. Por mais que Ministros do Supremo alertassem que ninguém é a favor das drogas, mas não se pode ignorar que é um problema social sério o aprisionamento de jovens usuários como hoje é feito. Uma sociedade em que os que não trabalham nem estudam é grande e onde poucas alternativas de inserção lhes são dadas. Por incrível que pareça, passa-se um projeto que iguala traficantes a usuários, sem distinção e quer penalizar esses milhares de excluídos que a própria sociedade criou.

Li, recentemente, que mais de 60% das pessoas em nossas cadeias tem como motivo alguma ligação com as drogas. Em geral, jovens pretos e pobres que, muitas vezes ficam mais de ano sem julgamento. Caminho natural para a associação com a delinqüência, para tornarem-se párias irreversivelmente. 30 gramas de maconha é muito pior que orgias com litros e litros de “scotch”, tão usuais em nossas metrópoles???

 Fica claro que a pauta a nortear a Comissão será a de costumes e de tudo que puder trazer qualquer benefício a grupos políticos conservadores que se empoderaram em nossa sociedade, o embate político de outubro é seu norte. O resto é apenas o resto, mesmo que seja prioritário para sustentar nosso desenvolvimento.

Todos reconhecem que Educação é palavra chave para as mudanças desejadas para o Brasil. Pois bem, é entregue a presidência da Comissão a outro radical, midiático, que já foi condenado em segunda instância por crime na área de gênero.

Problemas sérios estão em tramitação como o novo ensino médio, a perfil da centena de cursos técnicos que implantaremos ou mesmo o perfil da nossa pós-graduação. Não parece ser o interesse do tribuno. Mas, ele sabe bem como fazer alvoroço, como desviar o debate para a pirotecnia e o show nas mídias.

Um ano difícil, em que tínhamos tudo para dar avanços significativos e, infelizmente, surgem cenários desanimadores. O Parlamento que temos é esse. Como conviver com ele é o problema. Será preciso muita habilidade política.

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