“O Que Os Homens Falam” Trocando em miúdos
As fragilidades e impasses do homem e a argúcia e artimanhas femininas se intercambiam nesta comédia do cineasta espanhol Cesc Gay
Publicado 06/06/2014 09:22
Ao contrário do que dizem os títulos nacional, “O Que Os Homens Falam”, e o original, “Uma Pistola em Cada Mão”, desta comédia do cineasta espanhol Cesc Gay, os homens se retraem e nenhum deles porta qualquer arma, mesmo em duplo sentido. Quem fala e dá as cartas são as mulheres que, na meia idade, são engenhosas o bastante para destravar a potência de seus parceiros ou substituí-los por outros bem mais novos. É, portanto uma inversão do clichê: “trocou a de quarenta por duas de vinte”.
Isto porque, neste filme de seis curtas histórias/esquetes, e um pós-entrecho, Cesc Gay troça dos homens pelas vias diretas. Eles apanham sem chiar, pois muitas vezes não podem revelar suas quedas de potência na meia idade. E só se salvam pela argúcia de suas companheiras quarentonas. Este é o tema da quinta e sexta história, sendo o que mais justifica esta comédia, que foge aos monólogos woodyalleanos e os escrachos almodovarianos. E nada têm de comédia de costumes.
Na quinta história, a bela morena (Leonor Watling) dá carona ao amigo dela (Alberto San Juan) e de confidências em confidências, ela desfia sua engenhosidade para redespertar o desejo de seu companheiro. Ela é tanta que ele, ao invés de desconfiar, acha-a engraçada. Ela se vale de um livro de autoajuda, cheio de receitas absurdas para reativar a potência masculina. E, além de ironizar este tipo de obra, ela demonstra sua criatividade e a crise do “macho” e do casamento.
Orgulho masculino sai arranhado
Não menos hilariante é a sexta história. Cesc Gay a intercala com a quinta, de forma que elas se completam. Sem receio, a loira fashion (Cayetana Guillien Cuervo) desanda numa falação sobre seus esforços para fazer o companheiro funcionar. É cheia de nuances e criatividade, usando ciência e psicologia feminina. Às vezes funciona, outras não, ela diz. Quem sai arranhado é o homem, com sua incapacidade de entender as imposições do tempo, as mutações do desejo e a necessidade de estimulantes.
Se as citadas histórias são de intimidade conjugal, a quarta é reveladora das relações mulher/homem no trabalho. Cesc Gay foge ao espectro dos quarentões para tratar das relações entre jovens colegas de trabalho. E põe a repórter (Candela Peña) diante de seu colega (Eduardo Noriega). Eles irão se tatear, ela fugindo, ele atacando, ela armando, ele entrando no jogo dela. Até ele cair numa armadilha cruel: a de achar que ela se submeteria ao assédio sexual, pelo charme dele.
Esta história rende humor pelo constrangimento dele, ao ser ridicularizado por ela e suas amigas. Numa variação deste tema, Cesc Gay mostra a dificuldade de o homem aceitar o divórcio. O quarentão (Javier Câmara, de “Fale com Ela”, 2002) assedia a ex (Clara Segura), ao vê-la ainda sexy. Há desejo e orgulho ferido, e, depois, a descoberta de que ela o substituiu, definitivamente, por outro mais jovem.
Abuso do machão perdeu o sentido
Cesc Gay expõe, assim, o cotidiano do homem moderno, e não só o quarentão, e o leva a pensar. As antigas investidas e abusos dos machões (“Como Conquistar as Mulheres”, 1966”) perderam o sentido. Ele está frágil e inseguro, como se vê na segunda história. Enquanto espreita a companheira deixar o condomínio, onde está há tempo, o cinquentão (Ricardo Darín) maquina a decisão a tomar. Sua maneira de reagir à perda é, ao invés de ódio, indagar o porquê daquilo acontecer.
Não é mais o rompante do macho ferido, cheio de ameaças e jurando vingança. Houve razão para ela preferir outro. É inventiva a maneira como Cesc Gay estrutura esta história. Ela vai se movendo, circularmente, em diálogos despretensiosos, até o espectador entrar numa vereda em que o caçador e o algoz (Luís Tosar) dialogam, sem esbravejar um com o outro. Ele, por amá-la, acha que tudo vai bem, ela, porém, enfastiou-se; o amor se esfumou.
Entretanto, Cesc Gay não se interessa apenas pelos impasses sexuais da meia idade. Ele mostra outras vertentes, como a dos amigos que se reencontram. O jornalista desempregado (Eduard Fernández) e o cartunista (Leonardo Sbaraglia) se rodeiam em rememorações de entes queridos perdidos, filhos e trabalho sem tocar no que realmente os incomoda. Estão presos ao passado e acham o presente insatisfatório. Percebe-se isto pela maneira como se separam, demonstrando cansaço.
O que se apreende desta comédia é a maneira positivas como as mulheres tratam seus relacionamentos conjugais, o modo se referem aos seus companheiros. Inexiste apego ao tabu sexual, às questões proibidas, elas se dispõem a ajudá-los no limite, inclusive buscam alternativas. Eles, certamente, ainda não entenderam as mudanças e a urgência de aceitar as mutações do tempo e suas fragilidades. Mal algum há em desnudá-las para elas, que por si mesmas, como mulheres, percebem e entendem, enquanto eles tentam camuflar. Nada mais falacioso, a relação conjugal não é apenas desejo e potência, existem outras complexidades.
“O Que Os Homens Falam”. (“Uma Pistola Em Cada Mano”). Comédia. Espanha. 2o12. 95 minutos. Montagem: Frank Gutiérrez. Fotografia: Andreu Rebés. Roteiro: Cesc Gay/Tomás Aragay. Direção: Cesc Gay. Elenco: Javier Câmara, Jordi Molla, Alberto San Juan, Leonardo Sbaraglia, Luís Tosar, Caetana Guillein Cuervo, Candela Peña, Clara Segura, Leonor Watling.