O Senado hoje, um novo Clube da Lanterna?

Em resumo, podemos falar de dois Getúlios. O da Revolução de 30, candidato derrotado a Presidência da República, atraído pelo “laço” dos revolucionários civis e dos “tenentes”. Desentranhado dos escombros da cessante República Velha, a quem serviu como Mi

Fora lançado candidato contra o fechado sistema oligárquico, ao qual pertencia, por capricho e manobra do matreiro político mineiro (redundância?) Antonio Carlos, destacado líder da mesma oligarquia. Caudilho de origem, Getúlio foi ungido em nome da Democracia e, dispondo da força das armas, atropelou o candidato eleito, Júlio Prestes. Assumiu o poder portando o mesmo ranço dos antigos dirigentes: nomeou para os governos estaduais os representantes das velhas oligarquias ou as mãos-de-ferro das vitoriosas lideranças tenentistas.


 


É o mesmo Getúlio que, em 1934, promulgou uma nova constituição de caráter fascista, a famosa “polaca”, que lhe permitiu o golpe de estado de 1937 e lhe daria mais oito anos de poder discricionário. A prisão, a tortura, o exílio para opositores era a regra. É o mesmo Getúlio que namorava Hitler, Mussolini e Hiroyto e que somente declarou guerra a esse “eixo” nazi-fascista mediante pressão das massas nas ruas e grandes gestões políticas e diplomáticas dos “aliados” e esforço pessoal do Presidente Roosevelt.


 


Terminada a guerra, os fortes ventos da democracia, embalados pela vitória contra o obscurantismo na Europa, sopraram muito forte sobre o Palácio do Catete, apeando o velho caudilho do poder e rolando-o para as longínquas coxilhas das terras guaranis onde nascera.


 


Estes quinze anos de poder foram caracterizados por uma diretiva nacional-populista e discricionária. Surpreendentes avanços, entretanto, caracterizaram o governo Vargas: a criação de infra-estrutura para desenvolvimento do parque industrial brasileiro e uma política trabalhista com significativo favorecimento dos trabalhadores. Entre os anos de 1938 e 1945 criou, sucessivamente, o IBGE, a Justiça do Trabalho, o salário-mínimo, a CLT, a Carteira do Trabalho, o regime semanal de 48 horas, as férias remuneradas, a Companhia Siderúrgica Nacional, a Vale do Rio Doce e a Companhia Hidrelétrica do São Francisco.


 


Cinco longos anos de recolhimento em sua terra-natal, São Borja, constituíram o casulo mágico que permitiu a maturação de um novo Getúlio Vargas. Curtido, maduro, sensível (“paz e amor”?). Agora, não mais um nacional-populista, tampouco discricionário. Um verdadeiro estadista: independente, no terreno das relações internacionais; democrata, frente ao grande caldo-de-cultura da política interna, procurando estimular a plena manifestação do mosaico político brasileiro, fruto do diversificado leque que constituía o pensamento ideológico mundial do pós-guerra; nacionalista, no campo da macroeconomia. Nesse campo, sua marca mais emblemática foi a criação dos pilares de sustentação do monopólio do petróleo, a base da Petrobrás, reação positiva à avassaladora manifestação da sociedade brasileira em memorável campanha nacional cujo lema “o petróleo é nosso” retumbava pelos quatro cantos do Brasil.


 


Getúlio sepultou de vez o mito do populismo implementando políticas públicas que socorriam o multissecular sentimento de injustiça da elite brasileira com as classes menos favorecidas: implementou ações re-distributivas de renda, características de autêntico governo popular e democrático, sem, no entanto, descuidar-se da criação e fortalecimento dos fundamentos de sustentabilidade da macroeconomia brasileira.


 


A quem interessava aquela política? Não era, certamente, à nova ordem mundial ocidental que restou estabelecida após a divisão do mundo em dois mundos distintos. Não era, seguramente, à ordem capitalista pós-guerra que investia pesado nos países subdesenvolvidos, como o nosso, pilhando suas economias e remetendo vultosos lucros ao exterior para ampliar suas poderosas máquinas de dominação e de fazer cada vez mais dinheiro. Também não era aos representantes e testas-de-ferro brasileiros da então vigente filosofia de mercado; aos banqueiros e barões da indústria; aos grandes latifundiários; enfim, à velha e pétrea oligarquia brasileira – sempre vigorosa como ainda em nossos dias – e cuja expressão mais visível era a sua legítima representação no Congresso Nacional, especialmente no Senado da República, e sua influente caixa de ressonância, a grande imprensa brasileira.


 


Movimentos de muita coloração ideológica, apolíticos, alguns, em suas aparências, em meio a outros movimentos abertamente antidemocráticos, o Partido Comunista mantido na ilegalidade, foi a conjuntura que propiciou, em agosto de 1953, a fundação do Clube da Lanterna, cuja primeira reunião oficial se deu na Associação Brasileira de Imprensa. A ABI era dominada pelos proprietários dos grandes jornais, sob a liderança da Tribuna da Imprensa, de propriedade do jornalista e deputado udenista Carlos Lacerda –  O Corvo, como era conhecido no auge de sua longa militância política. Fundado por Lacerda, o Clube da Lanterna, cujo objetivo era o de dar combate ferrenho ao governo Vargas, congregava numerosos parlamentares, principalmente da UDN, e oficiais da Aeronáutica ligados ao projeto político udenista capitaneado pelo Brigadeiro Eduardo Gomes.


 


O golpismo era a agenda permanente do Clube da Lanterna, fruto da característica militante do seu fundador, a maior expressão no espectro político da direita reacionária, ligada à moda privatista que, aqui, fora plantada pelo capital internacional e cultivada pela elite econômica nacional. Todos contrariados pela política independente e nacionalista de Vargas. Intransigente em defesa do monopólio estatal do petróleo, mesmo diante de ferrenhas investidas capitalistas, principalmente estadunidenses, por intermédio de seus representantes brasileiros, Lacerda à frente. Queriam a abertura ao capital externo para exploração do petróleo e da siderurgia nacional. Essas e outras pressões, econômicas e políticas, forjaram a arma que deu um tiro no coração de Vargas e da Democracia brasileira.


 


A candidatura de Juscelino foi, em certo sentido, a candidatura à reeleição de Getúlio, pela sua composição política e, principalmente, em face da candidatura do seu ex-Ministro do Trabalho, e afilhado político, João Goulart, à vice-presidência. Sobre a candidatura Juscelino-Jango, o Clube da Lanterna sentenciou: “não pode prosperar; se prosperar, não se elegerá; se eleita, não governará”. Prosperou, foi eleita, e governou. O governo foi exercido, até o fim, entretanto, sob fogo perene de muitas ameaças e tentativas de golpe. O golpe definitivo, porém, somente vingou dez anos mais tarde.


 


Hoje, no Senado Federal, se fala em bater, até fisicamente, no presidente Lula. E da vetusta tribuna, conhecido senador golpista baiano, o poderoso líder oposicionista Antonio Carlos Magalhães, implora a ação de generais para derrubar o governo democrático da mais ampla votação de toda a história republicana do Brasil. Fala-se, em cada momento, em impeachment e, sucessivamente, recorre-se a instrumentos de ação ou de obstrução parlamentar, conspira-se, diuturnamente, para impedir a governabilidade. Não conseguindo campo propício ao impeachment, que evitaria a candidatura, cuida-se das etapas seguintes, conforme antigas premissas: não se reelegerá e, se reeleito for, não governará. Não parece um “dejà vu”, um filme antigo?


 


Será o Senado de hoje um novo Clube da Lanterna? Quer ser e esforça-se muito. Falta-lhe, entretanto, densidade intelectual e política. A mediocridade negando ao conjunto dessa maioria oposicionista a significância moral que antigamente lhe conferia um Afonso Arinos de Melo Franco, um Milton de Campos, um Otávio Mangabeira.

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