O tabuleiro de xadrez persa

“Uma mentira disseminada na internet tem o potencial de se replicar N vezes antes que você seja capaz de articular uma resposta.”

A frase acima foi extraída da excelente coluna intitulada “Obama mostrou como reagir à difamação na Internet”, escrita por Luiz Carlos Azenha¹, postada em seu blog e reproduzida no Vermelho logo após a eleição. Por incrível que pareça, apesar da obviedade desta afirmativa, poucas vezes nos damos conta de seu verdadeiro significado.

Ao começar a ler o texto me veio logo à cabeça o antigo conto do Tabuleiro de Xadrez Persa, narrado magistralmente por Carl Sagan² para expressar a força da progressão geométrica e o seu processo de aumento exponencial.

O grão-vizir, principal conselheiro do rei, tinha inventado um novo jogo. Era jogado com peças móveis sobre um tabuleiro quadrado que consistia em 64 quadrados vermelhos e pretos. O objetivo era capturar o rei inimigo, e por isso o jogo era chamado, em persa, shahmat – shah para rei, mat para morto. Morte ao rei. O jogo, claro, é o xadrez. Mas reza a história que o rei ficou tão encantado com a invenção que mandou o grão-vizir determinar sua própria recompensa. O grão-vizir já tinha a resposta na língua: era um homem modesto, disse ao xá. Desejava apenas uma recompensa simples. Apontando as oito colunas e as oito filas de quadrados no tabuleiro que tinha inventado, pediu que lhe fosse dado um único grão de trigo no primeiro quadrado, o dobro dessa quantia no segundo, o dobro dessa quantia no terceiro e assim por diante, até que cada quadrado tivesse o seu complemento de trigo. Não protestou o rei, era uma recompensa demasiada modesta para uma invenção tão importante.

No entanto, quando o mestre do Celeiro Real começou a contar os grãos, o rei se viu diante de uma surpresa desagradável. O número de grãos começa bem pequeno: 1, 2, 4, 8, 16, 32, 64, 128, 256, 512, 1024… mas quando se chega ao 64° quadrado, o número se torna colossal, esmagador. O número final chega a quase 18,5 quintilhões (se cada grão tivesse o tamanho de um milímetro, todos os grãos juntos pesariam cerca de 75 bilhões de toneladas!).

Esse é um bom exemplo para percebermos a voracidade da internet. Um e-mail recebido pode ser enviado para outras cem pessoas, que irão reenviar quase que simultaneamente para milhares de outros indivíduos que, quase automaticamente, podem também reenviar para milhões de outras mais. Ou seja, muito mais veloz que a progressão geométrica com seu crescimento exponencial citado na parábola.

Dilma foi vítima da “progressão cibernética”. Quase três milhões de pessoas acessaram vídeo no youtube em que a questão do aborto foi tratada de forma sorrateira pela oposição para tirar votos da candidata, sobretudo, entre o eleitorado religioso. Mensagens e correntes foram disseminados em escala superior à exponencial para difamar, caluniar e enganar os mais inocentes. Mesmo os que não dispõem de internet, são influenciados por aqueles que a acessam. E que bom que seja assim mesmo.

O desafio é vencer os boatos, mentiras e difamações. Restabelecer a verdade dos fatos. E a campanha de Obama é um ótimo referencial. Poucos foram tão difamados como ele (muçulmano, terrorista, apoiador do casamento gay e do aborto, etc.) e mesmo assim conseguiu superar a boataria, como nos lembra Azenha, “montando um site na internet exclusivamente dedicado a combater os boatos e estabelecendo uma força-tarefa de militantes virtuais e advogados exclusivamente dedicada a combater os boatos, tentar identificar a origem deles e ingressar na Justiça com as medidas cabíveis”.

A luta de idéias terá peso decisivo neste segundo turno e encontrará palco privilegiado na internet. Cada mensagem na rede pode ter a mesma força para a campanha Dilma que cada quadrado no tabuleiro de xadrez persa teve para o sábio grão-vizir.

¹ Luiz Carlos Azenha. Obama mostrou como reagir à difamação na Internet. In: http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=138635&id_secao=6.

² Carl Sagan. Bilhões e bilhões: Reflexões sobre vida e morte. Ed. Companhia das Letras. 1998.

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