O valor do erro na aprendizagem
Em um mundo em constante transformação, explorar o erro como uma oportunidade de aprendizado é essencial para o desenvolvimento do pensamento crítico e da autonomia na educação.
Publicado 14/06/2023 10:20 | Editado 14/06/2023 09:47
Em nossa sociedade, de cultura judaico-cristã, o erro é frequentemente sinônimo de “pecado”. E o taylorismo-fordismo da sociedade industrial vê nos erros da linha de montagem um óbice à eficácia da produção. Já a frase “errare humanum est” é atribuída a Sêneca (posteriormente complementada por Santo Agostinho, ao dizer que “errar é humano, mas persistir no erro é diabólico”).
Mas nossa abordagem aqui é sobre o valor do erro nos processos de aprendizagem.
Com o advento da informática, a estocagem de informações em memórias quase infinitas, o processamento de dados em frações de minuto e a impossibilidade, no decurso de uma vida, de acesso à cultura universal são reveladores da impropriedade dos métodos escolares vigentes. O papel dos educadores deve ser repensado e novas estratégias na formação dos aprendentes devem ser previstas, criando ambientes para a formação de sujeitos críticos, dotados de autonomia de aprendizagem.
Num mundo onde a informação e o conhecimento são, cada vez mais, a principal fonte de transformações da sociedade, torna-se obrigatório usar as novas tecnologias também na educação. Não basta, como no modelo vigente até hoje na educação, que os alunos simplesmente se lembrem das informações: eles precisam ter a habilidade e o desejo de utilizá-las, precisam saber relacioná-las, sintetizá-las, analisá-las e avaliá-las. Juntos, estes elementos constituem o que se pode chamar de pensamento crítico. Este aparece em cada sala de aula quando os alunos se esforçam para ir além de respostas simples, quando desafiam ideias e conclusões, quando procuram unir eventos não relacionados dentro de um entendimento coerente do mundo. Mas sua aplicação mais importante está fora da sala de aula – e é para lá que a escola deve voltar seu esforço. A habilidade de pensar criticamente pouco valor tem se não for exercitada no dia-a-dia das situações da vida real. É aí que trabalhar de formas inovadoras o “erro” tem seu papel, fornecendo o cenário para interessantes aventuras cognitivas do intelecto.
Vejamos, a simples e quase caricata questão de “quanto é dois mais dois?” implica em uma única resposta: 4. No entanto, embora implausíveis neste simples exemplo, as respostas erradas poderiam ser quase infinitas: 3, 22, não sei, 3427… Dependendo do tipo de resposta errada que um aluno dê, o professor precisa tentar entender seus mecanismos de raciocínio, suas fontes de referência, levar o aluno a verbalizar sobre seus processos cognitivos.
Mas subamos uns degraus argumentativos neste exemplo da simplória pergunta “quem descobriu o Brasil?”. Se um aluno responder Cabral ganhará um “certo” do professor, e toda a infinitude de outras respostas possíveis será considerada errada. E se o aluno disser Colombo? Não mereceria um “meio-certo”? Afinal, Cristóvão era um europeu, barbudo, a bordo de caravela, financiado por reis europeus, navegando para os lados de cá. Não seria uma implausibilidade histórica se algum historiador viesse a mostrar que ele teria passado por aqui antes do lusitano Pedro Álvares. E se o aluno responder Friedrich Engels? Parece um absurdo completo, porém o fato de um aluno mencionar o parceiro político e filosófico de Marx, até pronunciando corretamente seu nome alemão, merece uma atenção especial do professor. Já se a resposta do aluno for “foi minha tia”, ou ele está num estado alucinatório ou estará a tirar uma com sua cara!
Esse é o papel de um professor, perceber o que se passa no cérebro de seus alunos, ensiná-los a refletir sobre seus erros, sem descartar hipóteses analíticas.
O errar criativo, ao contrário do erro pecaminoso ou improdutivo, pode ser expressado em uma frase como “O poeta errava pelos campos, procurando em cada flor o perfume da mulher amada”. Este errar do poeta, um pesquisador olfativo e existencial engajado na cognição amorosa, é uma busca, é uma construção de conhecimento e de saberes.
Nos empreendimentos profissionais, assim como na atividade política, erra-se muito também, seja em projetos e negócios, seja em atuação eleitoral, partidária, sindical, em movimentos associativos. Em geral, as pessoas procuram varrer logo que possível para baixo do tapete os erros, centrando-se nos acertos. Isso faz sentido, obviamente, porém é fundamental extrair-se o máximo possível dos erros cometidos, usando método científico na análise dos dados concretos e na elaboração de hipóteses.
Como canta aquela música do Toquinho: “A vida irá, você vai ver / Aos poucos te ensinando / Que o certo você vai saber / Errando, errando, errando”!