Os avanços e os limites do PAC
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), anunciado nesta semana pelo presidente Lula numa concorrida solenidade, está dando o que falar. Setores da oposição de direita, temerosos com o sucesso do plano, criticam a ausência de cortes dos gastos públi
Publicado 27/01/2007 12:47
“Terceiro mandato de Lula”
Como não rasga dinheiro, a nata de empresariado, com exceção do agronegócios, aplaudiu o plano por ele representar mais investimentos públicos, mais crescimento e, logicamente, mais lucros. Mas não deixou de criticar o que considera as principais lacunas do PAC, repetindo a ladainha neoliberal: a falta de cortes “mais rigorosos” dos gastos correntes com serviços e servidores públicos e a ausência das chamadas “reformas estruturais”, com destaque para a trabalhista, a tributária e a previdenciária. Na prática, a elite burguesa gostaria que Lula aplicasse a plataforma do seu candidato derrotado à sucessão presidencial.
Já uma parte da mídia, servil aos interesses empresariais e palanque da oposição de direita, bombardeou o programa. Um dia após seu anúncio, a Folha de S.Paulo nem nuançou os elogios ao PAC e estampou na manchete: “Plano de Lula é criticado por empresários e governadores”. Seu encarte especial destilou puro veneno e seu editorial vaticinou: “O governo perdeu uma rara oportunidade de acenar com medidas mais firmes na área fiscal, que objetivassem a queda das chamadas despesas correntes do Estado”. O Estado de S.Paulo repetiu o bordão. Após elogiar a manutenção do rigor fiscal e das metas de inflação, ele fustigou “a paquidérmica ineficiência da máquina estatal” e cobrou a “indispensável reforma da Previdência”.
Postura ainda mais esquizofrênica foi adotada por alguns expoentes da oposição liberal-conservadora, que acusaram o programa de “estatizante, na linha do populismo radical que contamina a América Latina”. O sociólogo Leôncio Martins Rodrigues, um dos ideólogos do tucanato, sugeriu que o PAC pode servir para “pavimentar o terceiro mandato de Lula”. O deputado José Aníbal, batizado entre seus pares do PSDB de “José Canibal”, aderiu à tese conspirativa. “A tentação é real. O Fernando Henrique concorda comigo”. Outro que comprou a idéia foi o deputado Raul Jungmann, deputado do PPS que gosta de posar de vestal da ética e que agora é acusado de desvio de dinheiro do Incra durante a sua gestão no governo FHC. “O programa não tem compromisso com o corte de gastos e sim com o aumento das despesas”.
“A mão visível do Estado”
Entre os economistas contrários ao neoliberalismo, o PAC foi bem recebido, como registrou o artigo de Gilberto Maringoni na Agência Carta Maior. “A divulgação do Programa de Aceleração do Crescimento representa uma mudança significativa no ambiente econômico brasileiro, avaliam os economistas Ricardo Carneiro, da Unicamp, e João Sicsú, da UFRJ. A alteração poderia ser sintetizada pela idéia de que sai de cena a era da ‘mão invisível do mercado’, para usar a conhecida imagem de Adam Smith (1723-1790). Em seu lugar, entra a mão visível do Estado”. Os dois intelectuais concordam que o papel do Estado passa a ser central no novo programa econômico do governo Lula, embora não tenha um viés estatizante.
“A retomada do papel do Estado se dá no planejamento, na definição de prioridades e na articulação entre os setores público e privado”, explica Ricardo Carneiro, para quem o PAC possui três pilares: o Projeto Piloto de Investimentos (PPI), a desoneração tributária e a ampliação do financiamento para os setores público e privado. No mesmo rumo, João Sicsú afirma que o plano opera contra a lógica neoliberal. “Ele tem outra matriz. É a idéia de que o setor público atrai investimentos privados, ao contrário de inibi-los”. Ao definir que o Estado investirá R$ 287 bilhões nos próximos quatro anos, o governo espera que este montante estimule a iniciativa privada a bancas outros R$ 216 bilhões no desenvolvimento econômico.
Na opinião de João Sicsú, o pacote busca ainda reorientar a política fiscal, que na chamada “era Palocci” tinha como único intento reduzir a relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB). O PAC visaria agora também o crescimento econômico. “O plano inverte a linha, adotada até agora, de realizar o ajuste através do corte de gastos correntes, preservando as despesas financeiras, o que não traz benefícios reais à economia”, comemora o economista carioca. “Quando se cortam os gastos financeiros do Estado em favor dos investimentos, aumenta a quantidade de dinheiro circulando na economia real”, completa.
Num outro artigo, o economista Paulo Nogueira Batista Jr., ácido crítico do neoliberalismo, corrobora a avaliação positiva. “No primeiro mandato de Lula, prevaleceu a concepção liberal-conservadora de um Estado basicamente passivo, cuja função seria ajustar as contas públicas, combater a inflação e realizar as reformas microeconômicas… O PAC reflete uma nova concepção em que o Estado volta a ter papel mais ativo na promoção do desenvolvimento, como investidor em áreas estratégicas e indutor de investimentos privados. A mudança pode ser excessivamente cautelosa ou lenta, mas ela é significativa. O governo Lula está migrando aos poucos para o desenvolvimentismo, talvez um desenvolvimentismo light”.
Banco Central sabota o PAC
Estes e outros economistas progressistas, entretanto, não vacilam em criticar as limitações endógenas do Programa de Aceleração do Crescimento, que inclusive podem anular seus efeitos positivos. A principal falha é que o governo manteve intocado o tripé macroeconômico de viés neoliberal – a política monetária de juros estratosféricos, a política fiscal de superávit contracionista e a política de libertinagem cambial – para não afetar os interesses da ditadura do capital financeiro. Quatro dias após o anúncio espetaculoso do PAC, o Banco Central confirmou esta grave limitação ao reduzir os juros em apenas 0,25 pontos, pondo o pé no breque da “aceleração do crescimento” e irritando o próprio presidente Lula.
Paulo Nogueira já havia alertado para este risco iminente, decorrente do que ele chamou dos “redutos da linha FMI-Malan-Palocci”. “A combinação juros-câmbio continua hostil à aceleração do crescimento. O PAC não toca nessas questões monetárias nem nos altíssimos spreads bancários”. Sicsú também criticou a especulação financeira que suga os recursos da economia. “O empresário só vai realizar investimento produtivo se este for mais atraente que o mercado financeiro. A redução dos juros diminui as despesas financeiras do Estado, possibilita o direcionamento dos investimentos para a produção e melhora as expectativas econômicas”. E Ricardo Carneiro deixou sua esperança em aberto: “O Banco Central vai atuar contra ou a favor do PAC? Se não houver uma convergência do BC, o plano pode se inviabilizar”.
Reação do sindicalismo
Entre os movimentos sociais, a reação mais rápida partiu do sindicalismo. A CUT realizou seminário para discutir os efeitos do PAC, mas, de cara, criticou a ausência de metas concretas de geração de emprego e condenou, com firmeza, a proposta embutida no plano que fixa o reajuste dos servidores em apenas 1,5%, além da inflação, até 2016. “As medidas apresentadas vão impulsionar o crescimento, embora ainda seja difícil prever em que medida. Porém, não há nenhuma garantia, sem a adoção de metas de emprego, de que serão criados postos de trabalho decentes”, criticou Artur Henrique, presidente da central.
Quanto ao reajuste dos servidores públicos, a resposta foi dura. “Esse tema jamais deveria ter sido objeto de um pacote governamental. Existe uma mesa de negociação permanente, construída com muito esforço, que deveria ter sido consultada”, reagiu Artur Henrique. A CUT decidiu mobilizar o funcionalismo para alterar esse dispositivo no Congresso Nacional. Por último, a central elogiou o fato, inédito em décadas, do PAC não incluir nenhuma proposta de precarização do trabalho. “Não há reforma trabalhista em pauta, nem algo parecido, o que é algo muito positivo”, festejou Quintino Severo, secretário-geral da CUT.
Outro item que deverá causar controvérsias é o que define o uso do FGTS em projetos de infra-estrutura. A Força Sindical e a Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) já decidiram entrar com uma ação de inconstitucionalidade contra esta medida. Já a CUT anunciou que apóia a proposta, mas com ressalvas. A principal delas é a inclusão no plano de uma remuneração mínima dos recursos do FGTS investidos para que não haja risco para quem tem conta no fundo. O tema é polêmico, explosivo. Como o PAC não dá qualquer garantia de rentabilidade para o FGTS, o trabalhador realmente pode perder os seus recursos.