Os comunistas brasileiros contra a guerra

Em março de 1947 o presidente estadunidense Henry Truman foi ao congresso solicitar créditos para ajudar a monarquia corrupta e fascista da Grécia, ameaçada pelos guerrilheiros comunistas. Naquele dia denunciou as “sementes do totalitarismo” plantadas

Como resultado desta política conservadora, os comunistas foram afastados dos governos de União Nacional formados na França e na Itália. Neste mesmo período o Partido Comunista do Brasil foi colocado na ilegalidade e seus parlamentares cassados. Os comunistas no poder responderam à provocação afastando os partidos pró-capitalistas dos governos do Leste Europeu.


 


 


Alguns meses depois do discurso de Truman, em setembro de 1947, realizou-se a Conferência dos Nove Partidos Comunistas que criou o Comitê de Informação (Cominfor). Ele era, exclusivamente, formado por partidos comunistas europeus – da França, Itália, Iugoslávia, Tchecoslováquia, Polônia, Hungria, Romênia, Bulgária e URSS. Ali se estabeleceu a doutrina dos dois campos.


 


 


 


A situação se tornou explosiva em 1948. Berlim ficava no lado oriental da Alemanha, dominada pelo Exército Soviético, mas a cidade era divida e parte dela dominada pelas potências capitalistas. Berlim ocidental era, portanto, um enclave inimigo no seio do bloco socialista em formação. Diante da ameaça que isso representava, Stalin ordenou o seu bloqueio por terra e por mar.


 


 


Tropas norte-americanas e inglesas foram mobilizadas e chegou-se a aventar a utilização de armas atômicas contra a URSS. De fato, a guerra fria estava ameaçando se transformar numa guerra quente. O próximo passo do imperialismo foi a constituição da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), ocorrida em abril de 1949. Um pacto militar das principais potências imperialistas contra a URSS e as jovens democracias populares.
O mote dos militaristas estadunidense era a ameaça soviética sobre a Europa Ocidental. Décadas mais tarde um dos formuladores da Doutrina Truman confessaria: “Ao criar a Otan se havia traçado um linha imaginária através da Europa contra um ataque que ninguém estava planejando”. Hoje toda historiografia – inclusive pró-imperialista – reconhece que Stalin jamais cogitou ocupar o território europeu para além de sua “zona de influência”, estabelecida nos acordos internacionais.



 


Como resposta à ameaça bélica do ocidente capitalista, URSS teve que reverter a política de desmilitarização que vinha desenvolvendo desde 1945. Stalin havia reduzido seus efetivos militares de 11,5 milhões para apenas três milhões, sinalizando os objetivos pacíficos daquele país socialista. Iniciou-se então uma nova e mais mortífera corrida armamentista.



 


Outro aspecto negativo desta situação foi o recrudescimento da repressão aos chamados inimigos internos no interior da URSS e nas democracias populares. Tivemos a volta dos famigerados “processos” – a exemplo dos processos de Moscou ocorridos na segunda metade da década de 1930. Sem querer justificar os crimes cometidos contra a legalidade socialista, podemos dizer que o imperialismo teve grande responsabilidade pelo déficit democrático do socialismo soviético. Em dezembro de 1949 a vitória da revolução chinesa colocou mais lenha no conflito entre EUA e URSS.


 


 


A luta pela paz no Brasil


 


 


Em 1948, em meio à crise de Berlim, iniciou-se uma grande campanha internacional em defesa da paz. No mês de agosto realizou-se na Polônia o congresso Mundial de Intelectuais pela Paz. No ano seguinte, em abril, reuniu-se em Paris e Praga, o I Congresso Mundial dos Partidários da Paz com a participação de representantes de 72 países. O encontro teve que ser realizado em dois locais diferentes porque as autoridades francesas não permitiram a entrada das delegações vindas da URSS e dos países socialistas.


 


 


 
Em entrevista publicada na revista Problemas, Prestes alertou sobre o perigo iminente de uma nova guerra mundial e anunciou a tática comunista para debelá-lo. “Nessa luta contra a guerra, disse ele, devemos unir todos, independente de diferenças políticas, religiosas ou filosóficas. A luta pela paz é superior a quaisquer diferenças e pode unir a todos os patriotas que não estejam dispostos a aceitar de braços cruzados a infâmia e a desgraça de uma nova hecatombe”.


 


 



Uma nova Conferência de Informações dos Partidos Comunistas, ocorrida em 1949, reafirmou que a luta pela paz e contra os preparativos guerreiros dos imperialismo norte-americano contra a URSS eram as tarefas centrais do movimento comunista internacional. No seu informe Suslov, representante soviético, afirmou: “Agora que a ameaça de uma nova guerra se agrava os PCs e operários tem uma grande responsabilidade perante a história (…) devem utilizar todos os meios de luta para garantir a paz sólida e duradoura, subordinando toda a sua atividade a esta tarefa central do momento”. Continuou Suslov: “Este movimento pode e deve englobar todos os que, independente de suas convicções políticas, de crenças religiosas e de sua filiação partidária, queiram a paz, a honra, a liberdade nacional e a soberania de seu país.” Logo após, sob inspiração do PCB, foi constituído no país o Movimento Nacional pela Proibição das Armas Atômicas.


 


 



Quando eclodiu a guerra na Coréia, em 1950, o mundo se viu novamente diante de uma ameaça de guerra iminente. No transcurso do conflito, os generais norte-americanos ameaçaram lançar bombas atômicas contra a China que apoiava a Coréia do Norte. A intervenção chinesa se justificava, pois a ocupação do território coreano por tropas imperialistas colocava em risco a sua segurança. Em novembro se reuniu o II Congresso Mundial dos Partidários da Paz em Varsóvia, no qual se aprovou a palavra de ordem “A paz não se espera, conquista-se!”.


 


 



A campanha da paz, dirigida pelos comunistas, foi duramente reprimida pelo governo brasileiro. No início de 1949, tentou-se realizar um Congresso Brasileiro dos Partidários da Paz na sede da UNE. O governo Dutra mandou dissolvê-lo. Houve agressões e até tiros. Ficaram gravemente feridos o deputado Paulo Cavalcanti, Luíza Ramos, filha de Graciliano Ramos, e João Saldanha. Este chegou a ser baleado. Por sua vez, o chefe da polícia de São Paulo proibiu “quaisquer atividades rotuladas de Congresso da Paz, Conferência sobre a Paz e a Cultura ou semelhantes, mesmo que programadas em recintos fechados e orientadas por elementos que ostensivamente não militam em atividades comunistas”.


 


 
Em março de 1950 o comitê permanente do Congresso Mundial dos Partidários da Paz, reunido em Estocolmo, lançou uma campanha mundial de coleta de assinaturas pela paz e a proibição das armas atômicas. Este documento ficou conhecido como “Apelo de Estocolmo”.


 



Os comunistas brasileiros se destacaram nesta campanha. O objetivo proposto era coletar quatro milhões de assinaturas. Em agosto de 1950 eles anunciaram que já tinham conseguido dois milhões de adesões. Segundo o líder comunista Diógenes Arruda a campanha em defesa do Apelo de Estocolmo conseguiu, no total, mais de 4,2 milhões de assinaturas e se encerrou, com um ato público em janeiro de 1951.


 



Quando teve início a guerra da Coréia, a própria ONU solicitou o envio de tropas brasileiras para combater as forças comunistas. Iniciou-se então a luta contra a participação do Brasil no conflito asiático sob o slogan “nenhum soldado para a Coréia”. Organizaram-se passeatas relâmpagos em diversas cidades brasileiras.


 



As manifestações em defesa da paz mundial continuavam sendo reprimidas cada vez mais violentamente pelo governo Dutra. No primeiro de maio de 1950, na cidade de Rio Grande (RS), a policia atirou contra uma manifestação e matou quatro operários: Angelina Gonçalves, tecelã; Euclides Pinto, pedreiro; Honório Porto, portuário; Osvaldino Correia, ferroviário e ferindo gravemente o líder portuário e vereador comunista Antônio Rechia que acabou ficando paralítico. Em 1950 a polícia de Pernambuco prendeu membros do movimento de partidários da paz que pacificamente coletavam assinaturas para o apelo de Estocolmo. As mulheres presas, entre elas a comunista Maria José, tiveram seus cabelos tosquiados a faca pelos policiais.


 



Em agosto de 1950 a policia invadiu a o local onde se realizava a Conferência do Movimento Nacional Pela Proibição de Armas Atômicas e espancou os 40 delegados presentes, um deles, o operário Luiz Alba Sanches, sofreu fratura na espinha dorsal e ficou paraplégico. No mês seguinte a polícia gaúcha assassinou nas ruas de livramento quatro militantes do Partido Comunista do Brasil: Abdias Rocha, líder camponês; Rosales, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Carnes; Aristides Ferrão Correa, operário, e Ary Kuhlman, comerciário. Vários outros foram gravemente feridos. O massacre ficou conhecido como “chacina dos 4 A”.


 



Ainda em setembro, em São Paulo, a valente militante comunista Elisa Branco desfraldou, em meio a um desfile oficial da independência, uma faixa com a frase: “soldados, nossos filhos não irão para a Coréia”. Este ato ousado lhe custou três anos de prisão. Ela virou um dos símbolos da luta pela paz em nosso país.


 



O dirigente comunista Maurício Grabóis, em editorial da revista Problemas, escreveu: “A campanha de assinatura para o Apelo de Estocolmo constitui a tarefa principal do momento para todo o nosso povo. Não há tempo a perder na luta pela proibição da bomba atômica (…) um novo conflito mundial pode ser deflagrado a qualquer momento pelos imperialistas norte-americanos (…) Nesse sentido, as centenas de milhões de assinaturas que o Apelo de Estocolmo receber serão uma das maiores contribuições para deter e derrotar a ação criminosa dos provocadores de guerras”.


 


 


A paz e a luta revolucionária


 


 


A campanha dos comunistas brasileiros se diferenciou da campanha travada em outros países. Prestes, já no início de 1949, procurava vincular a campanha pela paz com a luta armada pela derrubada do governo Dutra, “que, a serviço do imperialismo Ianque, tratava de amarrar nosso povo às aventuras dos trustes e monopólio e do governo de Washington”.


 


 
Afirmou Grabóis: “Esta luta não pode, pois, se resumir unicamente à atividade de coleta de assinatura para o Apelo de Estocolmo (…) A luta pela paz deve ser ampliada através de ações concretas cada vez mais elevadas e enérgicas (…) A maior contribuição que o nosso povo dará à grande causa da paz será derrotar internamente os fautores da guerra, libertando o país da dominação imperialista norte-americana, passando o Brasil do campo imperialista e anti-democrático para o campo das forças da paz e da democracia. Isto, no entanto, só será possível (…) com a derrubada do poder dos latifundiários e da grande burguesia, com a conquista enfim da democracia popular.” No mesmo rumo foi o artigo Diógenes Arruda publicado no início de 1951: “não temos sabido na campanha dos 4 milhões de assinaturas utilizar cada fato concreto para educar revolucionariamente as massas e ganhá-las para o programa da FDLN, convencendo-as da necessidade de passar às ações concretas pela paz, lutando ao mesmo tempo pela libertação nacional e a democracia popular.”  Um detalhe: já estávamos no início do segundo governo Vargas.


 



Um Congresso do Movimento Brasileiro dos Partidários da Paz foi realizado em julho de 1951. Novamente os comunistas afirmaram a necessidade de articular a luta pela paz com a luta revolucionária pela libertação nacional. Afirmou João Amazonas: “A luta pela paz, para nós, comunistas, é (…) inseparável da luta pela libertação nacional. Intensificando a luta pela libertação nacional, nosso povo dará melhor contribuição à causa da paz, como já fazem o heróico povo coreano e os países do sudeste de Ásia.” Em maio de 1951, visando divulgar o movimento, havia sido criada a revista Partidários da Paz.



Em São Paulo a polícia dissolveu violentamente o comício marcado no Largo do Belém e diversos militantes foram presos, entre ele Inácio Tavares e Laércio Melo – candidatos a vereador na capital. Em Niterói uma passeata foi reprimida e em Aracajú 15 pessoas foram presas durante os protestos contra a guerra. Portanto, a repressão ao movimento pela paz continuou bastante ativa durante o governo Vargas, embora com menos truculência do que ocorreu no governo Dutra.


 



Em agosto de 1952 correu o boato de que marinheiros brasileiros já estavam sendo enviados à Coréia. Os comunistas se mobilizaram e realizaram uma jornada de luta, exigindo o regresso dos marinheiros. Em novembro o PC do Brasil iniciou uma campanha contra o Acordo Militar Brasil-Estados Unidos. Os comunistas recolheram 90 mil assinaturas. Mas, apesar disso, o acordo foi assinado por Vargas em fevereiro de 1953. Isso levou ao afastamento do general nacionalista Estilac Leal do Ministério da Guerra.


 



Em março de 1952 os comunistas tentaram organizar no país a Conferência Continental Americana Pela Paz, mas ela também foi proibida. O próprio Vargas assumiu a luta contra os “partidários da Paz” no país. Na mensagem lida durante a abertura da sessão legislativa do Congresso Nacional em 1952 afirmou: “Na mesma linha de ação subversiva vale destacar as iniciativas e os movimentos conhecidos como ‘ação pró-paz’, que constituem o mais recente disfarce da atividade comunista. Os movimentos ‘pró-paz’, apresentando-se como honesta e humanitária reivindicação pela paz, conseguem, de um lado, submeter à influência do comunismo setores da população que repudiariam sua ação ostensiva. Por outro lado, esses movimentos dificultam a repressão das autoridades, porque visam, nominalmente, propósitos perfeitamente legais. Não obstante, esses movimentos têm sido cuidadosamente fiscalizados pelas autoridades e, ainda recentemente, o Ministério da Justiça decidiu proibir a realização do I Congresso Continental da Paz”. Essas medidas autoritárias (e pró-americanas) explicam, embora não justifiquem, a posição oposicionista dos comunistas em relação ao governo de Vargas.


 



Á partir de 1952 o movimento mundial pela paz, dirigido pelos comunistas, começou a sofrer uma inflexão. Na tentativa de corrigir possíveis desvios esquerdistas, Stálin afirmou: “O atual movimento pela paz tem por objetivo levantar as massas populares para a luta pela manutenção da paz, para conjurar uma nova guerra mundial. Por conseguinte, esse movimento não tem o objetivo de derrocar o capitalismo e estabelecer o socialismo, e se limita aos fins democráticos da luta pela manutenção da paz. Nesse sentido (…) se distingue do movimento desenvolvido no período da primeira guerra mundial pela transformação da guerra imperialista em guerra civil, pois este movimento ia mais longe e perseguia fins socialistas”.  Este novo posicionamento soviético levou a uma mudança de rumo na campanha em defesa da paz no Brasil. Ela foi definitivamente separada da luta revolucionária pela instauração de um governo democrático e popular.


 


 
No informe ao Pleno do Comitê Nacional de abril de 1953 Prestes, seguindo as indicações de Stalin, afirmou a necessidade de combater os desvios de alguns militantes que pretendiam “levantar de maneira estreita e sectária, a questão da independência nacional dentro do movimento dos partidários da paz”. Esses comunistas “pretendiam desviar o movimento da paz de seu amplo objetivo de manter a paz e impedir uma nova guerra mundial para um objetivo mais avançado, a destruição do sistema imperialista”. Lembramos apenas que a confusão – se existiu – não foi apenas de alguns militantes e sim dos principais dirigentes do Partido Comunista. O desanuviamento das tensões internacionais, ocasionado pelo fim da guerra da Coréia em julho de 1953, levou que a luta pela paz mundial entrasse numa nova fase.

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