Os gatos, na visão medieval de Padre Marcelo

Nunca fiz pesquisa mais aprofundada sobre os motivos da associação demônio/gato/bruxas durante a idade média. Triste resquício, até hoje gatos pretos são associados ao azar. Alguns chegam a ser imolados em cerimônias que nada tem a ver com as religiões afro-brasileiras.

Lembro que li, certa vez, enquanto pesquisava sobre bruxas, um texto do infeliz tratado Malleus Maleficarum, manual de tortura e perseguição notadamente femininas um trecho que fala na transformação de demônios em gatos:

"Há uma cidade na diocese de Strasburg, cujo nome é caridade e honrosa para suspender, em que um operário foi um dia cortar alguma lenha para queimar em sua casa. Um grande gato apareceu de repente e começou a atacá-lo, e quando ele estava dirigindo-o, outro ainda maior veio e atacou-o com o primeiro mais ferozmente. E quando ele tentou mais uma vez afastá-los, eis que os três juntos o atacou, pulando em sua face, e mordendo e arranhando suas pernas…”

Mais adiante, o texto explicita que os gatos em questão eram na verdade demônios a perseguir o católico lenhador.

A associação de gatos com demônios teve, portanto, sua base nos textos e bulas papais medievais. Em várias outras culturas os gatos variavam de seres divinos à aliados importantes no combate à pragas de todos os tipos.

Certamente, não por acaso, a peste negra coincidiu com o extermínio dos principais predadores dos ratos, numa já açoitada sociedade amedrontada pelas perseguições, fogueiras e atrocidades praticadas pela igreja católica.

Desde quando os gatos selvagens foram domesticados é uma informação que perdeu-se no tempo. O certo é que, aos poucos, tal qual aconteceu com canários belgas e cães, gatos passaram a depender de homens para sobreviver. Mesmo que ainda consigam, de certa forma, “virar-se” fora do ambiente doméstico, é cada vez mais rara a presença de gatos pelas ruas das cidades. E consequentemente, maior a proliferação de ratos, pardais (pássaro exótico, trazido de Portugal que ocupou o lugar das espécies nativas similares.

A mesma igreja, porém, teve em um de seus fiéis um santo que prezava animais, pobres e a natureza.

Isto foi pelos anos de 1200 D.C. quando o filho de um rico mercador italiano e uma francesa renunciou a seus bens e passou a dedicar-se integralmente à vida religiosa. Rezam as lendas criadas depois de sua morte e santificação, que ele falava com os pássaros e outros animais, e via na natureza o reflexo de Deus. Mais tarde, Francisco de Assis, nome que ele adotou, foi transformado em patrono e protetor dos animais e da natureza. A data que celebra o santo é ligada ao meio ambiente e à proteção de animais. E as dioceses entenderam esticar a data do santo para uma semana, onde discute maio ambiente e proteção aos animais.

Mas nem tudo, neste outubro, foi celebração.

Em pleno século XXI um padre-cantor católico, ao rezar sua missa (01/10) na semana dedicada ao santo em questão declarou sua ojeriza pelos animais em geral, ao pedir que os fiéis de sua igreja não levassem animais à igreja onde estava. Que, ao invés disso, os fiéis trouxessem os animais para perto do rádio que transmitia a missa, “menos os traiçoeiros gatos”.

Esta atitude revoltou católicos, ateus e praticantes de outras religiões. Ao excluir os gatos de sua suposta benção, padre Marcelo não só demonstrou total falta de sensibilidade, mas também um gritante preconceito supersticioso, bem ao estilo medieval, quiçá buscado em alguma bula papal.

Talvez o padre em questão tenha sido atacado por algum gigantesco gato ao tentar

maltratá-lo. Talvez tenha pesadelos com gatos-demônios a lhe perseguir. Talvez sofra de algum transtorno obsessivo-compulsivo, o que justificaria sua aversão aos bichanos.

Ou talvez seja apenas um arremedo de religioso, com tiques e manias tão cruéis que justifiquem sua perseguição a inocentes animais.

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