Os grandes dilemas do terceiro governo Lula

São vários os obstáculos para o país retomar um ciclo virtuoso na economia. Um dos mais graves é a atual política de independência do Banco Central e as elevadas taxas de juros que inviabilizam as possibilidades de crescimento econômico do país.

Foto: Ricardo Stuckert

Ganhou o status de mantra da política a frase “é a economia, estúpido”, de James Carville, estrategista da campanha de Bill Clinton, então candidato à Presidência dos EUA. Para ele, a situação econômica do país foi o fator determinante do resultado das eleições de 1992.

Claro que outros condicionantes interferem no humor popular e impactam a avaliação do nível de aceitação do governo no transcurso do mandato ou nos períodos eleitorais. Mas a situação concreta de vida do povo, que tem na economia fator essencial, é um elemento chave.

A introdução acima vem a propósito de uma correta formulação da direção do PCdoB segundo a qual um dos grandes desafios para o governo Lula obter êxito é conseguir um crescimento econômico sustentado e duradouro, com impactos sociais positivos para a população.

O governo Lula herdou um país estagnado economicamente e com o tecido social esgarçado. PIB baixo, desindustrialização, quebradeira de empresas, desemprego, miséria e o retorno do país ao mapa da fome foram o saldo do desastrado governo Bolsonaro.

A situação estava tão precária que Lula teve que negociar com o Congresso, antes da posse, a aprovação da chamada PEC da transição. Essa PEC permitiu ao governo, entre outros pontos, retirar do Teto de Gastos o pagamento do Bolsa Família e o aumento real do salário mínimo.

Mas são vários os obstáculos para o país retomar um ciclo virtuoso na economia. Um dos mais graves é a atual política de independência do Banco Central e as elevadas taxas de juros que inviabilizam as possibilidades de crescimento econômico do país.

Por isso, ganha centralidade na luta política atual a campanha pela drástica redução na taxa de juros, que já obteve uma vitória parcial. Depois de um ano, a última reunião do Copom reduziu de 13,75% para 13,25% a taxa Selic, sinalizando novas baixas para o futuro.

Além dos juros abusivos, o governo Lula precisou substituir o Teto de Gastos por uma nova proposta de regime fiscal (Arcabouço Fiscal), um mecanismo de controle do endividamento que apresenta metas anuais para o resultado primário (arrecadação menos despesas).

Muitos analistas consideram o novo regime fiscal positivo, mas insuficiente. O ritmo das mudanças, no entanto, é ditado por uma correlação de forças complexa no Congresso Nacional, geralmente refratário a mudanças mais estruturantes na política macroeconômica.

Outro tema em discussão no parlamento brasileiro refere-se à reforma tributária. A proposta em debate não cria um regime progressivo e taxação maior dos ganhos financeiros. A principal mudança é a unificação de cinco tributos (PIS, Cofins , IPI, ICMS e ISS) .

Esses cinco impostos serão substituídos por dois tributos sobre consumo – Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e por um  Imposto Seletivo (IS) para produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, como cigarros e agrotóxicos.

Para ativar a economia, Lula lançou o Novo PAC com investimentos de R$ 1,7 trilhão nas áreas de transporte, infraestrutura social, saneamento básico, inclusão digital, transição energética, inovação para a indústria de defesa, educação, ciência e tecnologia e saúde. 

Por tudo isso, o balanço geral dos seis primeiros meses do governo é positivo. O principal dado desse balanço é o resgate da democracia e a derrota do negacionismo extremista. A extrema-direita, a começar pelo seu líder, está sendo duramente atingida.

Com a economia, mesmo com limitações, já se vê sinais de crescimento. O desemprego diminui, a inflação sinaliza trajetória declinante e novos investimentos podem abrir perspectivas positivas para o país.

Avanços importantes foram a concessão de aumento real ao salário mínimo depois de seis anos, ação que beneficia cerca de 60 milhões de pessoas, a igualdade salarial entre homens e mulheres e a isenção do imposto de renda para quem recebe até dois salários mínimos.

No front sindical, está em curso o Grupo de Trabalho que prepara medidas para valorizar as negociações e fortalecer os sindicatos, regulamentar as relações trabalhistas dos trabalhadores em aplicativos e consolidar a política de valorização permanente do salário mínimo..

Além disso, em abril o governo reajustou o salário dos servidores públicos federais, congelados desde 2016, em 9%. O reajuste beneficiou 520 mil servidores ativos, 13,6 mil empregados públicos, 450 mil aposentados e 167 mil pensionistas, com custo de cerca de R$ 9,83 bilhões.

 Na área social, o Bolsa Família tem repasses de R$ 15 bilhões, foram retomados e melhorados os programas Minha Casa, Minha Vida, Mais Médicos, Farmácia Popular e Brasil Sorridente, entre outras iniciativas.

Na área de segurança alimentar, destaque para o novo Programa de Aquisição de Alimentos, novo Plano Safra da Agricultura Familiar (R$ 71,6 bilhões de crédito rural) e reajuste nos repasses de alimentação escolar.

Na área de ciência, tecnologia e inovação está assegurado o repasse de R$ 2,44 bilhões para as universidades e pesquisas. Isso permitiu reajustes de 20% a 25% para bolsas de mestrado, doutorado, pós-doutorado e iniciação científica.

Todos esses dados positivos, todavia, precisam ser vistos pelas lentes daquela música do Milton Nascimento, que nos ensina que “falo assim por saber / se muito vale o já feito /mais vale o que será”.

Nessa linha, além das articulações necessárias para conquistar uma maioria estável no Congresso, o que exige incorporar ao governo forças fora do espectro político que o elegeu, Lula precisa conquistar aquilo que é o maior ativo do governante, o apoio social.

A experiência ensina que o requisito essencial para assegurar a governabilidade e as mudanças progressistas é o apoio consciente e organizado da maioria da sociedade. A mobilização social em defesa do programa de reconstrução e união nacional é o principal desafio.

Ao fim e ao cabo, serão os trabalhadores e às trabalhadoras, as amplas massas populares, as forças da produção, da ciência, da cultura e todos aqueles comprometidos com a democracia, o desenvolvimento e o progresso social que garantirão o êxito do governo Lula III.

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