Os insatisfeitos de sempre

No último dia 22, a presidente Dilma Rousseff discursou na ONU, diante de mais de 100 chefes de Estado, na cerimônia de assinatura do acordo global sobre o clima.

A expectativa era de que aproveitasse a ocasião para denunciar o golpe de que estava sendo vítima – não só ela, mas, sobretudo, a democracia – no Brasil.

No entanto, ao cabo de um discurso de exatos nove minutos e 47 segundos, a presidente disse apenas que seu país estava enfrentando um momento de dificuldade, agradeceu a solidariedade que vinha recebendo de chefes e ex-chefes de Estado e manifestou sua convicção de que o povo brasileiro evitará qualquer retrocesso.

Dois dias depois, da seção “Confidencial” do Domingão do Faustão, o ator José de Abreu, convidado, explicou o episódio, ocorrido dias antes num restaurante de São Paulo, em que foi asperamente xingado – e sua mulher e sala mãe também – por um casal de coxinhas que ocupava uma mesa próxima. O ator reagiu, travou-se fulminante troca de acusações e, por fim, diante dos xingamentos, o ator cuspiu na cara de cada um dos dois comensais exaltados.

No programa dominical, José de Abreu não fez só isso. Aproveitou para denunciar com veemência o golpe em curso, defender a presidente Dilma, deplorar a intolerância a que o país está sendo levado e atacar Michel Temer e Eduardo Cunha.

O que há de comum entre os dois acontecimentos?

O modo como foram interpretados por alguns insatisfeitos, bem intencionados, diga-se, mas aprisionados pelo subjetivismo e pelos reptos da vontade e do desejo. Decepcionaram-se com a presidente, que pretendiam mais incisiva em seu pronunciamento na ONU, e da entrevista de José de Abreu perceberam quase só a trama da Globo para excluir-se da acusação de golpismo que lhe pesa.

Com relação ao pronunciamento presidencial, o que há para dizer? A presidente não poderia se comportar senão como a chefe de Estado de um país da importância do Brasil. Não poderia – ao custo de sério prejuízo à sua reputação política – transformar a tribuna da ONU num palanque para discutir questões internas do Brasil. Além disso, todos os presentes conheciam a situação brasileira, pois a mídia internacional, não partidarizada como a nacional, já lhes informara adequadamente sobre o golpe. Bastava, então, à Dilma, dizer o que disse.

Nove horas depois, ainda em Nova York, a presidente conversou com a imprensa internacional e, em seguida, com os correspondentes da mídia brasileira. Daí falou grosso, denunciou o golpe e deu nome aos bois. Ou seja, mostrou que há um discurso para cada circunstância.

Quanto ao que José de Abreu declarou em sua entrevista, não se ouviu crítica, só elogios. “O discurso de José de Abreu no programa de Fausto Silva foi contundente e tirou um travo da garganta de muita gente”, escreveu um destacado blogueiro.

Mas houve, como sempre, os insatisfeitos (ainda que bem intencionados, repito), os que perceberam a entrevista, sobretudo, como um ardil da Globo para livrar-se da forte acusação que lhe pesa de parcialidade golpista, apresentando-se como democrática e defensora do contraditório.

“A Globo e seu principal apresentador podem agora posar de isentos e democráticos”, afirmou outro blogueiro.

Sim, inegável que a Globo visou obter dividendos políticos com uma entrevista desse tipo, permitindo que seu funcionário José Abreu falasse o que bem entendesse. Tentará, obviamente, escudar-se nesse episódio contra as fortes acusações que lhe pesam de parcialidade golpista. Mas jamais se livrará dessa pecha que, aliás, não vem de hoje, já é histórica. A entrevista será tão somente a exceção a confirmar a regra do visceral reacionarismo da emissora.

A verdade é que os insatisfeitos – de boa fé, mas subjetivistas por excelência – perderam o foco ao não levar na devida conta o aspecto mais importante do que ocorreu no Domingão do último dia 24. Num programa assistido por milhões de brasileiros, um festejado ator de novelas (e, portanto, excelente formador de opinião) fala o que falou, levando ao público algo que provavelmente ele pouco ou nunca ouviu falar (pois massacrado pelo que verte, todos os dias, a grande mídia privada): a defesa da democracia, do mandato da presidente e a denúncia incisiva ao golpe que está em curso. Este é o centro da questão.

Depreende-se de tudo isso, portanto, que o subjetivismo é equívoco profundamente danoso, sobretudo na política, quando a vontade e o desejo se postam acima da realidade objetiva. “Análise concreta da situação concreta”, já recomendava o grande Lênin.

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