Outra democracia é necessária
“Democracia não pode ser apenas um mecanismo formal de eleições, nem somente garantia de direitos tomados isoladamente; é um processo contínuo que educa e transforma os cidadãos envolvidos”
Publicado 21/02/2025 11:50 | Editado 21/02/2025 09:11

A democracia, amplamente aceita como um sistema político onde o poder é exercido pelo povo, seja de forma direta ou indireta, por meio de seus representantes eleitos, é um conceito fundamental. Este modelo pressupõe alguns princípios essenciais, como a soberania popular, na qual a vontade do povo, expressa por meio de eleições, é soberana; a separação dos poderes executivo, legislativo e judiciário, funcionando sob um sistema de freios e contrapesos para evitar abusos de poder; e a garantia de direitos, sendo este um objetivo intrínseco da democracia, bem como a realização de eleições livres e justas.
A questão central reside em compreender o tipo de democracia que prevalece em nossa sociedade: a democracia liberal. Este modelo frequentemente considera que a mera existência de processos eleitorais é suficiente para garantir a democracia.
Entretanto, é fundamental reconhecer que, além de processos e direitos, a cultura democrática desempenha um papel crucial. No processo de tomada de decisão, o cidadão desenvolve uma identidade cultural e um vínculo com o sistema democrático, que garantem resultados efetivos. Em outras palavras, democracia não pode ser apenas um mecanismo formal de eleições, nem somente a garantia de direitos tomados isoladamente; é um processo contínuo que educa e transforma os cidadãos envolvidos.
Atualmente, a fragilidade da democracia é evidente na falta de vínculo entre o povo e o sistema democrático. Muitos cidadãos não se veem como participantes ativos na construção deste processo, o que resulta em desvalorização da democracia. A rotina exaustiva e a luta pela sobrevivência levam muitos a questionar a relevância do sistema democrático, especialmente quando enfrentam dificuldades em aspectos básicos como alimentação, educação e saúde.
A democracia torna-se, portanto, uma discussão acadêmica ou limitada às esferas do poder. Para que a democracia seja significativa na vida das pessoas, é necessário que os cidadãos sintam que suas participações e decisões têm impacto real. A inclusão em debates e a compreensão da soberania individual são fundamentais para o fortalecimento do sistema democrático.
A análise de eventos recentes revela que, até mesmo do ponto de vista formal, a democracia liberal não entrega o que o que promete. A democracia liberal, satisfeita com a mera existência de processos eleitorais, precisa ser repensada. Devemos promover uma discussão abrangente e estabelecer um novo paradigma do que vem a ser a democracia para a esquerda. A democracia liberal não basta.
A esquerda, desorientada e sem um projeto político claro, acomodou-se ao paradigma da democracia liberal. Para reencontrar seu rumo, é necessário formular uma concepção própria de democracia, mais avançada e inclusiva. Este novo modelo pode revitalizar o debate político e apresentar alternativas viáveis ao sistema existente.
Atualmente, a internet possibilita novas formas de participação popular, tanto individuais quanto coletivas. É crucial construir mecanismos que permitam a participação ativa dos cidadãos em debates e decisões políticas, criando uma cultura democrática sólida e constante.
A democracia liberal, consolidada pela Constituição de 1988, não trouxe mudanças significativas para a população brasileira, pois a maioria do povo ainda lida com a miséria, fome e serviços públicos precários. A crítica a este modelo é indispensável para a promoção de um discurso forte e a legitimação da participação cidadã nos desígnios da sociedade.
Uma das provas de que a democracia liberal se esgotou é o exemplo das últimas eleições para Presidente da República. O então candidato Lula tina como proposta central de sua campanha eleitoral incluir os excluídos no orçamento, com políticas públicas de inclusão social e distribuição de renda. No entanto, após a vitória nas eleições, a reação imediata do mercado e da classe dominante foi exigir ajustes fiscais, austeridade e a redução dos gastos do Estado, impossibilitando a efetivação das propostas que ganharam as eleições, desconsiderando a soberania popular.
Precisamos debater de forma clara e explicar à população que o sistema defendido pelas elites não respeita a vontade popular, não deixando que as políticas de inclusão fossem cumpridas, mostrando seu desapreço pelos princípios que eles mesmos defendem. Lula venceu as eleições com a proposta de inclusão, mas a resistência das elites econômicas impediu a realização das mudanças prometidas, evidenciando o esgotamento da democracia liberal. Este cenário evidencia a necessidade de construção de um modelo de democracia efetiva.
Não podemos nos acomodar com o discurso de correlação de forças. Devemos mobilizar e conquistar corações e mentes, demonstrando que somos portadores de um projeto político e social emancipador.
Precisamos de um novo tipo de democracia, participativa e efetiva, que garanta resultados concretos para o povo. A democracia liberal, que se contenta com a mera existência de eleições, não é suficiente. É imperativo criar espaços de participação coletiva e individual, aproveitando as tecnologias modernas para facilitar essa participação.
A retirada da questão econômica da esfera política é outro problema crítico. As elites conseguiram retirar o debate econômico da política e transferi-lo para outros espaços, onde apenas “especialistas”, agentes financeiros e a mídia podem opinar. Isso resulta em uma democracia capturada, pois é negado ao povo debater e deliberar sobre temas relevantes para a sociedade, ficando claro que a democracia liberal não atende mais às necessidades da sociedade e do povo brasileiro.
A esquerda deve se reencontrar e construir um projeto baseado em uma democracia forte e inclusiva, promovendo espaços de participação política concreta. Este processo político deve educar e valorizar a participação cidadã, reconstruindo o elo entre o sistema político e o povo.
Outro ponto importante é que a luta pela democracia é essencial para aglutinar setores democráticos e isolar a extrema-direita. Assim, a construção de um novo paradigma de democracia cumpre um duplo papel: um tático, ajudando na luta política imediata e na ampliação política da esquerda para as próximas eleições; e outro estratégico, apresentando um projeto político de longo prazo, capaz de dar sentido à luta política e construir um imaginário popular de transformação social.
Outra democracia é necessária!
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