Parêntesis

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Fim do dia. Faltam apenas duas horas para escurecer e o metro carrega duas dúzias de pessoas. Na Liberdade, entra uma japonesa idosa, feliz em levar um maço intrigantemente verde de cebolinhas frescas e eretas. Senti o sabor do missoshiro que ela fará daqui a pouco, o caldinho que leva cebolinhas picadas, coisa de orientais.

Senta-se no banco azul, destinado a ela, e indignada pede ao moleque para tirar os pés do assento. Essa nova mania da molecada rende bancos sujos e descascados, assim como repreensões do condutor do trem que pelo alto falante insiste em propagandear civilidade nos intervalos entre uma e outra estação.

O moleque desata a rir quando o homem que o acompanha balbucia qualquer palavra vã. E deliberadamente recoloca os pés, que antes havia tirado num susto, provocando a ira da senhora. Ela pede mais energicamente e decidida, por favor, tire os pés do banco! O moleque os tira, novamente, rindo em desrespeito acintoso enquanto o homem deixa bem claro, a senhora é mal resolvida.

"Qual o que, o senhor deve ser muito bem resolvido, a despeito de sua aparência e desacato! O senhor é um Rei muito bem resolvido…" e mais outras destempéries que não consigo ouvir entre os trancos dos trilhos febris. Um desatino.

Trégua.

Ela desce cinco minutos depois, na Conceição, com seu maço de cebolinhas prestes a murchar de tanta má educação e atrevimento. Enquanto o moleque, rindo feito iena – que me perdoe a iena deve ter razões naturais – e solene sobre seus míseros 15 anos, sob um boné, volta deliberadamente a colocar os pés no banco como se a senhora fosse de outro mundo. Decerto que sim!

Fico eu, acrescentando a minha indignação à dela. Foi um parêntesis – mais um – nesta grande saga que é viver em Sampa.

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