Pax amazônica 350 anos

“Neste dia [27 de agosto de 1659] se acabou de conquistar o Estado do Maranhão, porque com os nheengaibas por inimigos seria o Pará de qualquer nação estrangeira que se confederasse com elles; e com os nheengaibas por vassallos e por amigos, fica o Pará seguro, e impenetravel a todo o poder estranho.” (Antônio Vieira / Carta, de 11/2/1660, à regente dona Luísa de Gusmão, viúva do rei João IV de Portugal).

Os “nheengaíbas” eram povos nuaruaques do arquipélago do Marajó, falavam diversas línguas de tronco Aruak (a “língua ruim”, por oposição ao nheengatu). Não se trata aqui de festejar um evento acadêmico, mas empreender um bosquejo a procura do elo perdido entre o índio e o caboco marajoara. Este último, finalmente, reconhecido em seus direitos de cidadão brasileiro, explicitamente, no parágrafo 2º, VI, art. 13, da Constituição do Estado do Pará (1989), que diz: “O arquipélago do Marajó é considerado área de proteção ambiental do Pará, devendo o Estado levar em consideração a vocação econômica da região, ao tomar decisões com vista ao seu desenvolvimento e melhoria das condições de vida da gente marajoara”.

A APA Marajó foi uma pajelança de constituinte de 1989. Ela encalhou antes de entrar no estaleiro, há vinte anos, nos baixios da política regional do Desenvolvimento insustentável e definhou pelas beiras da tecnoburocracia. Mas, meia dúzia de quixotes afilhados de pajés sacacas viram logo por ali que havia azo de fustigar os donos das ilhas da Barataria. Em 2003, na histórica cidade de Muaná, onde a 28 de Maio de 1823 o povo paraense proclamou sua adesão à independência do Brasil, por ocasião da primeira Conferência Nacional de Meio Ambiente; esta gente aumentou a zoada pedindo além da área de proteção ambiental entregue às calendas gregas, também que Marajó fosse declarado reserva da Biosfera.

No ano de 2007, o recém eleito governo do Estado do Pará assumiu compromisso de participar ativamente do Plano Marajó pedido pelo povo. Logo tirou da reserva morta a APA marajoara trazendo a reboque candidatura da segunda reserva da biosfera da Amazônia brasileira, a ser um dia a rb Marajó / Amazônia atlântica. A “criaturada grande de Dalcídio” animou-se ao ver o desencalhe da APA Marajó como objetivo estratégico de elaborar e executar o zoneamento ecológico-econômico da região de integração Marajó, visando a conservar a biodiversidade e desenvolver a melhoria da qualidade de vida da população marajoara. Quem não quer? A turma que vive às turras com o Ministério Público e com o ministro de Meio Ambiente.

Mas, a restabelecida APA e futura reserva da biosfera Marajó, além de pretender preservar espécies ameaçadas de extinção e amostras representativas dos respectivos ecossistemas do bioma delta-estuarino implementando projetos de pesquisa científica, educação ambiental e ecoturismo; poderá apontar rumos práticos ao Plano Amazônia Sustentável (PAS). Ou seja, a letra morta do parágrafo 2º, VI, art. 13 da carta magna paraense, entrou em campo revitalizado pelo ZEE e vitaminado pela perspectiva do renconhecimento internacional, nos termos do SNUC. Por que razão tão alta decisão de estado ainda não foi propalada por rádio e televisão é um mistério. Mas, vale o que está escrito.

A longa espera da gente marajoara está prestes a terminar, como quem em noite escura vê uma luz no fim do estirão; com a decisão de governo em situar o supracitado dispositivo constitucional no programa de zoneamento ecológico das 12 regiões estaduais de integração do “Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável”. Ao mesmo tempo que o Governo Federal lançou o “Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó” e, logo em seguida, o “Programa Territórios da Cidadania – Marajó; inovador conjunto de iniciativas federativas em parceria com a sociedade civil. É claro que os cabocos ficaram pávulos, embora meio desconfiados, pois nunca viram nada parecido ao longo de tantas décadas.

Tudo isto na feliz coincidência dos 20 anos da Constituição estadual e 70 de elaboração dos emblemáticos romances “Chove nos campos de Cachoeira” e “Marajó”, que, em 1939, o escritor Dalcídio Jurandir (Ponta de Pedras 1909 – Rio de Janeiro 1979), em retiro na vila de Salvaterra após cumprir prisão politica em Belém, escreveu como o grito da “criaturada grande” das Ilhas e Baixo Amazonas. Começou assim o ciclo literário Extremo Norte premiado pela ABL, com o “Machado de Assis” de 1972. Mais interessante ainda, nos 350 anos da pax dos Nheengaíbas (27 de Agosto), ano do Centenário de nascimento do “índio sutil”, carinhoso título com que Jorge Amado saudou a seu camarada e confrade da ilha do Marajó.

Símbolos fortes para ser empoderados pelos remanescentes dos Nheegaíbas. Nesta auspiciosa conjuntura, o “Projeto Nossa Várzea” de regularização fundiária, coordenado pela Secretaria nacional do Patrimônio da União (SPU), é concretude do movimento oriundo do chão de Dalcídio, sonho de muitas gerações para recuperar a terra expropriada aos antepassados indígenas para dar sesmarias por conta e obra dos sempre ausentes barões de Joanes (1665-1757).

Para entender a grandeza do que está em curso no Marajó, carece ter em conta o vasto espaço do Plano de Desenvolvimento Territorial em seus 104 mil km², população de 420 mil habitantes. Superfície equivalente a um país como o vizinho Suriname, por exemplo. Com importante detalhe do Marajó, apesar de província estadual, de fato mas não de direito; estar ao centro do delta-estuário da maior bacia fluvial do planeta. Por onde escoa, continuamente, algo como 20% da água doce superficial da Terra e lugar de encontro da corrente equatorial marítima com o gigante Amazonas para formarem a piscosa Corrente das Guianas, responsável pela existência e sobrevivência das populações tradicionais das regiões estuarinas e costeiras, desde a mais remota antiguidade desta gente.

Qual o problema? O problema é que se índio e preto não eram gente durante a invenção da Amazônia (conforme polêmica entre o jurisconsulto Sepúlveda e o dominicano Las Casas, no século XVI), como fica hoje o descendente indígena, “caboclo” por decreto e “cidadão” na letra da Constituição? Se ele não sabe ler nem escrever, se não houver informação social; ainda que se transformasse a velha ilha dos Aruãs em Cingapura amazônica (a malaia tem apenas 710 km² (Salvaterra, o menor município do Marajó tem 1.044 km² de superfície) e mais de 4,8 milhões de habitantes, IDH 0,918 e PIB de 238 bilhões de dólares). O caboco estaria condenado a curtir folk-lore de branco e a coisa ficaria preta (com perdão da palavra, que os irmãos negros não gostam, com razão) para ele e descendência.

Não acreditamos que, realmente, Belém e Macapá tenham consciência do problema marajoara, lá ao longe com suas 2.500 ilhas, as mais próximas destas capitais a dez minutos de avião… Nem as sedes municipais estão 100% a par do que se passa no interior. São mais de 500 comunidades locais dispersas e isoladas sobre vasto arquipelago de 2.500 ilhas e ilhotas separadas por “furos” (meandros), igarapés, igapós e lagos na Ilha de Marajó (50 mil km², a maior ilha marítimo-fluivial do mundo), fartamente irrigada e coberta de campos naturais, florestas de várzea e na terra-firme, além de extensos mangues e praias desertas.

Confins onde, por incrível que pareça, estão chegando bravos servidores públicos do Projeto Nossa Várzea de regularização fundiária. Brasileiros que estão mudando a centenária da servidão da gleba. Se aqui perto não se sabe desta incrível façanha, há de se saber em Brasília, Rio e São Paulo? É claro que não. Mas, aqui também é Brasil. O que acontece agora é semelhante outrora à remota subordinação do Pará a Lisboa, no século XVII. Quem, iria acreditar naquela carta do Padre Vieira célebre, sobretudo, pela lábia? Ora, onde a historiografia claudica a geografia dos lugares, muitas vezes, ampara a verdade tanto tempo ocultada.

Carecia o governo da República chegar junto aos cabocos, lá onde Judas perdeu as botas. Recantos remotos do mapa onde jesuítas temerários e índios guerrilheiros outrora concordaram em desfazer a fronteira de Tordesilhas para abrir as porteiras do Amazonas aos portugueses e seus “índios cristãos”. Hoje a ver de perto e contar de certo, onde canta a saracura e a cobra fuma crak e baseado em quantidade. Este labirinto insular que estava em abandono há séculos é patrimônio da União, jurisdição do Estado do Pará e autonomia de 16 municípios brasileiros no estirão das ilhas grandes, médias e pequenas com invejável potencial ecológico e econômico, em contraste ao ínfimo IDH da população.

Por levar presença do estado-nação às últimas raias de antigas aldeias da missão dos Jesuítas e do Diretório dos Índios, o Projeto Nossa Várzea de regularização fundiária, da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), recebeu prêmio de inovação em políticas públicas dado pela Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). A força-tarefa da SPU no Pará revela uma Amazônia ribeirinha que o Brasil não conhece já que, por motivos óbvios, está ficado sobre a devastação da grande Floresta tropical. Mas, aqui também região-piloto do Plano Amazônia Sustentável (PAS) há diversas devastações, inclusive do meio ambiente. Há, sobretudo, o genocídio do índio marajoara.

Falar bem do Nossa Várzea nesta data histórica do povo marajoara, em lugar de produzir louvores acadêmicos a heróis do passado colonial, é uma forma de incentivar as mais de 40 mil famílias (ou, pelo menos, 150 mil ribeirinhos) atendidos pela regularização da posse da terra a descobrir as causas remotas que transformaram orgulhosos guerreiros em párias desmemoriados. E mais que os motivos históricos da ruína espelhada no IDH de fome desta gente, uma razão vital para restaurar o espaço perdido antigamente.

Na verdade, trata-se de trabalho duro e complexo de realizar, sobretudo, patriótico e humanitário. Desde o primeiro dia de colocar em prática o projeto houve preocupação em estudar o terreno com conhecimento da cultura marajoara e da sociologia das populações tradicionais. Saber da história local com verdadeiro interesse de cidadão e não apenas de técnico tarefeiro. Com certeza, o Projeto Nossa Várzea faz escola de serviço público para além da tarefa institucional. Não é todo dia que a Administração Pública federativa dá a cara nos meandros do extremo-norte brasileiro. Verdadeiro “campi” avançado como foram no passado as demarcações de fronteiras da Amazônia, as equipes de regularização fundiária deveriam contar com apoio e interesse de pesquisadores para também ir estudar “in loco” a emergente etnia “destribalizada”, que é o caboco marajoara remanescente do velho índio nheengaíba marginalizado.

Oxalá, a cabo do processo o caboco não mais se envergonhe de ser índio como foram seus antepassados. E com uso certificado da terra ancestral, a palhoça que o “patrão” não deixava passar de jirau seja logo sítio da futura aldeia onde cultura, ciência e natureza farão boa convivência. A sociedade e o governo ainda não se deram conta do complexo trabalho das equipes de identificação, reconhecimento, cadastramento e concessão de autorização de uso às comunidades ribeirinhas que o Projeto Nossa Várzea realiza em conjunto como os mais profissionais do Plano Marajó e programa território da Cidadania, notadamente nas ações de saneamento e saúde pública nas localidades mais extremas, atacadas pela malária e a desnutrição.

O que nos leva a fazer um paralelo com aquela corajosa missão comandada pelo padre Antônio Vieira em 16 de agosto de 1659. Saindo de Cametá, sem alarde, como mínima tropa e remos tupinambás de costume rumo à desconhecida aldeia dos famigerados Nheegaíbas (hoje reserva extrativista de Mapuá). Com a cara e a coragem para encerra a guerra que já durava 44 anos, impossível de vencer pela força. No entanto, até hoje discípulos de de Varnhagen, o visconde de Porto Seguro; e eternos admiradores do Marquês de Pombal; não tem interesse para espanar a poeira e tirar as traças desta inacreditável história que procurar a conexão oculta entre escravidão dos índios e servidão da gleba ao longo de quase quatro séculos.

Nomes de ilhas e lugares de atuação das equipes do Plano Marajó nos avivam a memória da antiga geografia dos “nheengaíbas”, menos para dissertação e mais para o sentimento do território diverso e disparatado da democracia brasileira que se estende até aos últimos rincões a ser um resgatados. Ilhas como palavras de um idioma morto e ressuscitado do mapa-geral da infinidade de regiões amazônicas.

Aqui vai amostra toponímica para ilustrar o tamanho do desafio do território da Cidadania no Plano Marajó em andamento: Gurupá velho de guerra (onde, em 1623, começou a virada luso-tupinambá para conquista do “rio das amazonas”), resex Gurupá-Melgaço às ilhargas da flona Caxiuanã reunindo Melgaço (aldeia Aricará, primeira missão jesuítica com índios marajoaras, consequência direta da paz de Mapuá) e Portel (aldeia Arucaru, idem); Ilha Grande de Gurupá (primeira rds das Ilhas, em Itatupã-Baquiá por onde o moço Dalcídio Jurandir foi ensinar filhos do dono do seringal), Urutaí, Caldeirão, ilha Rasa, Cajari, Caju, Pracuúba, Porquinhos, Teles, ilha do Pará; Comandaí; Mapuá (o lugar histórico das pazes ou trégua dos Nheengaíbas), Aramá, Mututi, Aranaí, Mutunquara, Carão, Limão, Maritapina; Furos de Breves, Tajapuru. Costa norte no município de Afuá; Arquipélago do Jurupari (nome do espírito tutelar dos caraíbas, diabolizado pelos cristãos), Pacas, Cará, Serraria, Panema, ilha dos Porcos, Maracujá, Parauara, Baturité, Anajás (nome da segunda etnia mais aguerrida da Ilha), Charapucu. Na contracosta, Chaves (aldeia Aruãs, a mais valente de todas nações indígenas do Pará) com jurisdição sobre as “ilhas de fora” (marítimas) Bragança, Janaucu, Viçosa, Jurupari de Chaves, Caviana (ilha da pororoca), Mexiana, Ganhoão e Machadinho. Soure tem a sua ilha Camaleão.

A União além de extensas terras de marinha, tem unidades de conservação com a flona Caxiuanã (Melgaço e Portel), resex Gurupá-Melgaço, rds Itatupã-Baquiá (ilha grande de Gurupá), reserva extrativista de Mapuá (Breves), resex Pracuúba (Curralinho, São Sebastião da Boa Vista e Muaná) e resex marinha de Soure. O Pará é responsavel pela emblemática APA Marajó de candidatura para reserva da biosfera na lista da Unesco. A integração federativa entre ministérios, secretarias estaduais, prefeituras e organizações da sociedade civil é uma novidade extraordinária nestas paragens. Claro que o processo é complexo, contraditório e potencialmente gerador de conflitos. O que deve ser considerado como da maior importância para o futuro da Amazônia brasileira.

Ao contrário do que a historiografia informa para idolatrar capitães de guerra ou incensar a obra dos missionários; a releitura da formação territorial da Amazônia brasileira explica a razão da demanda popular para Adesão do Pará à independência do Brasil (Muaná, 28 de Maio de 1823) e à República (16 de Novembro de 1889) e justifica o motivo pelo qual o povo foi se queixar aos bispos do Marajó (1999 e 2006) até o Presidente Lula atender e a Governadora Ana Júlia aderir ao “Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó”.

Vale lembrar, portanto, que atrás desta demanda histórica do povo marajoara estão – entre chuvas e esquecimento – as incríveis tratativas de paz de Mapuá, quando, pela primeira vez, o colonizador viu-se obrigado a pensar duas vezes antes de atacar de novo as ilhas de passagem do Pará ao Amazonas e precisou confiar aos odiados jesuítas a pacificação das belicosas gentes insulanas sob promessas de paz e liberdade.

Não foi sem contradição e incoerência, porém, que o notável padre Antônio Vieira escreveu seu nome a respeito da liberdade dos índios e a escravidão dos negros. Ele recomendava resignação aos escravos e piedade aos senhores, de acordo com Aristóteles (“tu te tornas responsável por aquele que cativas”) e as palavras de Jesus em oferecer a outra face. Na verdade, Vieira foi precursor dos direitos humanos e da teologia da libertação. Mesmo assim, com o cru realismo da época, ele não via índio nem negro selvagens senão como escravos da natureza… A “liberdade” que defendia para o bárbaro era o “descimento” (abandono voluntáro ou compulsório da vida na selva para o protetorado da aldeia da missão), “brando” jugo da salvação catequética ao abrigo da antropofagia dos inimigos tribais e da razzia das “tropas de resgate” (compradores de escravos). Nem o grande Marechal Rondon escapa de críticas sob o olhar da etnologia contemporânea.

Claro está que os índios, entre a cruz e a caldeirinha, preferiam o mal menor da assimilação cultural na “redução” da Missão à pura escravidão em mãos dos colonos. O diabo que aí perderam a identidade e aprenderam a dissimulação dos brancos até a perfeição do cinismo no Diretório dos Índios (1757-1823). Fingiram tão bem os índios fadados à extinção, que até hoje sob pele de cabocos, passam como gente boa. Isto é, modernos civilizados.

O distraído turista da ilha do Marajó que vê caboco montado em búfalo e considera o animal como símbolo máximo da ilha, não adivinha que há 350 anos o índio era senhor de tudo aquilo. Pelo menos, durante os últimos mil anos. Portanto, terá que ir ao exterior ou aos melhores museus do País para achar coleções do tesouro mais raro e insubstituível da identidade marajoara expatriada sem lenço nem documento.

Não verá mais a imensa biodiversidade lesada, sem direito e compensação de coisa nenhuma. Então, há de concordar que só resta a esta gente esperar de Brasília a nacionalização e de museus estrangeiros detentores de cerâmica marajoara pré-colombiana, cooperação internacional a fim de ajudar o sui generis Museu do Marajó: último bastião da resistência marajoara renascida de “cacos de índio”.
Na história democrática do novo Marajó esta gente pode lavar a guerra suja em Água Boa, utopia de campus para futuras gerações no chão donde Alfredo, alterego de Dalcídio, partiu à conquista do mundo para reerguer a “criaturada grande” das ilhas e Baixo Amazonas. Investir na refazenda do Paraíso do bom selvagem. Fazer indústria de lendas do lago Guajará, reconstruir a casa de Dalcídio Jurandir, em Cachoeira do Arari, cidade-museu da capitania dos barões de Joanes, reizado dos Contemplados do Marquês de Pombal, república popular-universal do Glorioso São Sebastião. Onde o sol ata rede para dormir no Araquiçaua com o segredo do mito da Terra sem Mal acamaradado ao rei Dom Sebastião. Sonhar e cantar é só começar:

Saga dos Tupinambás

Saga dos Tupinambás (14 mil Guerreiros)

Além de todas as coisas
Vai descansar
Onde não há mais temores
Vai descansar

Ata tua rede e dorme
Tem um velho sonho, Tupinambá
Pra Terra sem Mal, caminhas
Leva teus irmãos, junto a sonhar

E me conta, quando fores caminhar no litoral
São quatorze-mil guerreiros, caminhante ancestral

Por rios de sonhos,
Braços cansados,
Confederados corações,
Abrem os caminhos dos Sertões

E a correnteza, traz a sina
Que nos guia.

Navegar em águas
De ondas rasteiras
Todo seu singrar
Na sina das corredeiras
Repousar pela nascente
Num ávido querer
Na sina da vida
De um natante ser
Cantoria de peixe eu canto
Pra velar na liberdade perdida de cada recriar
Seu moço deixe o peixe liberto na maré de seus sonhos
Num instante deixe vagar ao pôr-do-sol
No Araquisawa poder descansar.

(Moacir José)

www.palcomp3.com.br/manumoa

Vieira, sebastianista atilado que não viu o que o “índio cristão” enxergava no horizonte dentro do rio, afiançou: “Na grande boca do rio das Almazonas está atravessada uma ilha de maior comprimento e largueza que todo o reino de Portugal, e habitada de muitas nações de indios, que por serem de linguas diferentes, e difficultosas, são chamados geralmente nheengaibas”. As ditas nações teriam recebido pacificamente os portugueses. Mas, “depois que a larga experiencia lhes foi mostrando que o nome de falsa paz com que entravam, se convertia em declarado captiveiro, tomaram as armas em defensa da liberdade, e começaram a fazer guerra aos portuguezes em toda a parte”. Não se preveniu dali que o mal colonial se acelerasse e, portanto; se confederassem os violentados índios das duas margens do Pará, outrora inimigos manipulados pelos colonizadores. Com eles também os negros, cafusos, curibocas, brancaranas desenganados de tesouros; e dois séculos depois da revolta do tupinambá Cabelo de Velha, também num dia 7 de Janeiro produzissem a maior insurreição popular que já houve na América do Sul, em 1835.

Não importa, afinal, se o cacique Piié de Mapuá disse ou não disse aquilo que o padre grande botou em sua boca e reportou à regente de Portugal vencendo agora a censura e a infâmia do silêncio. Nem interessa, de fato, se houve o encontro do rio Mapuá. Agora vale o que está no discurso concreto da Cabanagem pela simples, porém genial, arquitetura de Oscar Niemeyer no memorial do Entroncamento do passado e futuro desta brava gente do Grão Pará. Vale o canto aceso do carimbó e a dança da “criaturada grande de Dalcídio” sobre a merencória opereta da belle époque. Tal é a marcha inexorável da História.

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