Pecusburgo depois da Copa

A Seleção de Futebol, nossa glória máxima, vingadora de todas as nossas frustrações, mais uma vez, perdeu. A nação vestia a camisa e calçava as chuteiras à falta de coisa mais nobre. Todos sabiam, embora teimassem em ignorar, que do forno autoritário e do consórcio CBF/FIFA não poderia sair parto melhor. Elegeram o Dunga para Judas e a malhação, mas sabem que não agiu sozinho. Apenas repetiu a ética corrente no mundo dos cartolas, com técnicos, árbitros e atletas, espera aí, atletas não, jogadores, vizinhos à contravenção e ao crime. Jogadores pipocando nas horas de decisão e equipes amarelando. O povo daqui entregou-se ao consumo. Rebaixaram os estoques de cervejas, carnes de churrasco e bandeiras. Gritaram, tocaram vuvuzelas despertadas no pós-aparteide. Se a moda pega, em dois mil e quatorze, estarão calados os pagodes, rodas de samba, batucadas e os coros de torcedores. Manadas de elefantes invisíveis cobrirão as arquibancadas arrasando tímpanos no epílogo de uma sinfonia de loucos. Alguém já adota providências para produzir globalmente o instrumento e espalhar pelos camelódromos do mundo. Deus se apiade de nossos ouvidos e de nossas almas venais. Outra notícia também não é inaugural. Coisas de nossa política e das excentricidades do grande pai dos ricos e padrasto dos pobres. Para aqueles se abrem as burras do erário, o monte de dinheiro que sai do lombo de quem trabalha. Para estes, o consolo comiserado do pão sem futuro e do circo cotidiano. Na sua ânsia de continuar no poder, encarnado em sua única criação, já que nenhum dos marotos criados para o mister sobreviveu, o nosso heresiarca maior quer invocar, entre todos os poderes que tem, mais o da ubiqüidade. Quer ser presidente durante o dia e cabo eleitoral de sua invenção sucessória à noite. Explicando: depois de ser multado pela justiça eleitoral seis vezes por desrespeitar a lei, adota agora estratégia de seres imaginários. Quer ser lobisomem ou Dr. Jeckil. Governar Pecusburgo com uma metade e com outra servir aos interesses dos candidatos de sua sigla, aos marqueteiros e aos financiadores das campanhas. Será presidente, governante durante o dia, nos horários comerciais. Nas demais horas e feriados estará nos palanques, pedindo votos e exigindo retribuição aos dez anos de prosperidade que deu Pecusburgo, principalmente nas áreas da educação, da saúde, da segurança, da moralidade pública e da inovadora diplomacia terceiro-mundista. Quer o reconhecimento da ignara gente para eleger sua Venus siliconada. O difícil será separar em si mesmo o homem e o lobo, o presidente e o cabo eleitoral. A função de governante em nossa república imperial parece-me indivisível. Só mesmo um milagre, ou uma nova forma de mutação poderá cindir as siamesas funções. Ocorre-me, caro amigo, ver o Papa, após o do expediente, fazer serão em algum subúrbio como porteiro de boate. Ainda que seja para freqüência dos baladeiros celestiais. Vade retro! Pecusburgo, inverno de 2010.

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