Pequena história da cor vermelha

Todas as cores têm uma história que está ligada ao processo evolutivo humano e mesclada intimamente com os aspectos culturais das sociedades. Michel Pastoreau, historiador e antropólogo francês – sobrinho do Claude Lévi-Strauss – vem dedicando sua vida ao estudo das cores, sendo hoje uma das maiores autoridades do mundo quando se trata do assunto.

Em seu livro “Le petit livre des couleurs” (“Pequeno livro das cores”), fruto de uma conversa com o jornalista Dominique Simmonet, Pastoreau conta a história das cores mais conhecidas por nós, entre elas o azul, o amarelo, o verde, o preto, o branco e o vermelho.

Neste artigo faço um resumo sobre o capítulo onde o autor francês fala sobre a história e as características simbólicas do Vermelho.

O Vermelho é “cor”, acima de tudo. Algumas palavras como “coloratus” em latim e “colorado” em espanhol significam tanto “vermelho” como “colorido”. E na língua russa, a palavra “krasnoï” quer dizer tanto “vermelho” como “belo”. Ou seja, a famosa Praça Vermelha de Moscou também pode ser entendida como Praça Bela.

Antigamente, o sistema cromático girava em torno da tríade Preto, Branco e Vermelho. O Branco representava o que não tinha cor, o Negro, aquilo que era sujo, e o Vermelho era considerado a única cor.

Um dos motivos do predomínio do Vermelho em nossa cultura desde a mais longínqua antiguidade, diz Pastoreau, deve-se ao fato de que muito cedo o homem começou a fabricar pigmentos vermelhos. Desde o período paleolítico, há 35 mil anos atrás, o ser humano já utilizava o Vermelho, obtido a partir de argilas e terras avermelhadas. Ou seja, a partir de fontes minerais. Mas no Neolítico surgiu a erva Garance, cujas raízes produzem uma cor avermelhada. Ao longo do tempo, começamos a usar pigmentos obtidos a partir de certos metais, como o ferro, o mercúrio, etc. Por causa da facilidade da produção desse pigmento, obtido de diversas fontes, essa cor obteve tanto sucesso desde o início dos tempos.

Desde a Antiguidade já era dado ao Vermelho atributos de poder, tanto na religião quanto na guerra. O deus Marte, os centuriões romanos e até mesmo certos sacerdotes se vestiam nesta cor. Obviamente desde cedo se relacionava o Vermelho com o Sangue e com o Fogo. Desde os princípios do cristianismo, o Fogo Vermelho era símbolo de Vida, e um dos exemplos mais conhecidos dessa simbologia são as línguas de fogo que descem sobre as cabeças do apóstolos no dia de Pentecostes. O sangue vermelho de Cristo é símbolo de salvação.

Mas o Vermelho também tem outro sentido simbólico: é também a Morte, o Inferno, as chamas de Satã, a carne impura, os crimes, o pecado e todas as impurezas. Mas também representa o Amor…

Na Roma antiga, também se produzia um tipo de vermelho a partir de uma concha encontrada no Mar Mediterrâneo, a “murex”. Como era uma concha rara, obviamente só eram tingidas com esse pigmento as roupas do imperador e dos chefes de guerra. Mas na Idade Média já não era mais possível encontrar essa concha e os tintureiros descobriram uma outra fonte para fabricar um belo pigmento vermelho: os ovos de um inseto conhecido como “cochonilha”, que é parasita de muitas árvores e do qual se extrai o “carmin”, uma variante do vermelho.

Mas era difícil a produção do carmin a partir dos ovos deste pequeno inseto. Por isso, o preço era alto e somente os senhores das altas classes poderiam usar vestimentas tingidas por esta cor. O Carmin era um vermelho brilhante, luminoso, intenso, observa Michel Pastoreau. Os camponeses só podiam usar roupas vermelhas a partir da Garance, que era mais barato, mas também menos luminosa. Então, a diferença entre as classes sociais já surgia nesse período: havia o Vermelho dos pobres e o Vermelho dos ricos. O Vermelho mais vivo era marca de poder, tanto entre a aristocracia quanto entre os padres da igreja. Por isso, a partir do século XIII e XIV, o papa começa a se vestir de vermelho. Assim como os cardeais…

Mas ao mesmo tempo também se pintava o diabo na cor vermelha! E tudo se acomodava.

Pastoreau lembra a fábula do “Chapeuzinho Vermelho”, que atravessa as noites do tempo sendo contada às crianças desde o ano 1.000! Existem várias interpretações para a cor do chapéu da menina, mas Pastoreau prefere aquela que se liga às três cores dominantes por longo período de tempo: uma menina de chapéu Vermelho, carrega um pote de manteiga Branco e o leva à sua avó que era vestida de Preto. Outras estórias infantis daqueles tempos tinham vários outros exemplos de uso das três cores do sistema antigo, o Branco, o Preto e o Vermelho.

No mundo dos tintureiros da Idade Média, as licenças para trabalhar com as cores eram divididas: havia aqueles que tinham licença para fabricar o Vermelho, assim como o Amarelo e o Branco; outros tinham licença para fabricar o Azul, assim como o Verde e o Preto. Em alguns lugares a especialização era tanta que em Veneza e Milão, por exemplo, os que fabricavam o Vermelho Garance não podiam fabricar o Vermelho Kermès (extraído dos ovos de cochonilha). Isso era controlado de uma maneira tal que se alguém desobedecia a essas regras sofria um processo. Tintureiros do Azul e do Vermelho viviam em ruas separadas e frequentemente entravam em violentos conflitos, se acusando reciprocamente de poluir os rios. Naquela época a indústria europeia se resumia à indústria têxtil.

Para a Reforma Protestante, o Vermelho era uma cor imoral, pois os protestantes baseavam-se num trecho do Apocalipse que falava de uma besta vinda do mar que era montada pela prostituta da grande Babilônia vestida de vermelho. Por isso, depois do século XVI, nos países protestantes os homens não se vestiam mais de vermelho, com exceção dos cardeais e de certas ordens de cavalaria. Nos meios católicos, as mulheres podiam se vestir de vermelho. As coisas se invertem: antes, o azul era a cor feminina (por causa da Virgem) e o vermelho, masculina, porque era signo de poder e de guerra. Após a Reforma, a cor masculina passa a ser Azul e o Vermelho, a cor das mulheres. Inclusive até o final do século XIX as noivas se vestiam de vermelho no dia do casamento, especialmente as mulheres do povo… O motivo disso é que no dia do casamento a pessoa deve vestir a sua mais bela roupa, e um vestido vermelho era sempre o mais belo.

Ao mesmo tempo, as prostitutas, durante um longo período de tempo, eram obrigadas a vestir uma peça de roupa vermelha para que fossem logo identificadas. Assim como deviam colocar nas portas de suas casas uma lanterna vermelha… daí a origem das nossas brasileiras “casas da luz vermelha”…

Mas também o Vermelho foi escolhido como a cor da bandeira do Partido Comunista. A origem disso vem da Revolução Francesa de 1789. Diz Michel Pastoreau que naquele ano a assembleia constituinte francesa havia decretado que uma bandeira vermelha seria colocada nos cruzamentos das ruas para mostrar que as manifestações públicas, desde então, estavam proibidas e que a polícia deveria intervir a qualquer momento. No processo revolucionário, a burguesia francesa foi pouco a pouco se apossando do movimento em seu proveito, excluindo as classes pobres dos poderes de decisão.

Foi então que no dia 17 de julho de 1791 milhares de parisienses se reuniram no Campo de Marte para exigir a destituição definitiva do rei Luís XVI. O prefeito de Paris, Bailly, mandou içar no alto uma grande bandeira vermelha, para que não restasse dúvida de que o povo devia se manter longe das ruas. Mas o povo tomou a praça e a polícia investiu contra os manifestantes, matando mais de 50 pessoas.

Por causa disso, numa “surpreendente inversão” simbológica, diz Pastoreau, a mesma bandeira vermelha que era usada para impedir que o povo francês se manifestasse, lavada desta forma pelo “sangue desses mártires”, passou, desde então, a ser o emblema do povo oprimido e da revolução em marcha. “A bandeira vermelha, diz um dos revolucionários franceses, além de ser um símbolo da miséria do povo também é um sinal de ruptura com o passado”. Desde então, os revolucionários de todo o mundo adotaram a cor vermelha para suas bandeiras. Foi assim na URSS, é assim na China comunista. E é a cor da bandeira do Partido Comunista do Brasil, que foi cantada lindamente por Jorge Mautner, em uma composição feita por ele em 1958 (ouça aqui).

Michel Pastoreau termina este capítulo sobre a história da cor vermelha dizendo que no domínio do simbólico, nenhum símbolo deixa verdadeiramente de existir ao longo do tempo. Os símbolos duram. Tanto o Vermelho como símbolo de poder no mundo ocidental, quanto o Amarelo dos asiáticos que significam a mesma coisa, atravessaram os séculos, da mesma forma que esta simbologia do vermelho como a cor dos proletários e dos revolucionários em todo o mundo. Era a cor da bandeira da URSS e é a cor da bandeira da China, sob o domínio do Partido Comunista. É a cor da bandeira do Partido Comunista do Brasil, obviamente.

Mas Vermelho também significa, no mundo ocidental, a festa, o natal, o luxo, o espetáculo: as salas de teatro são decorados com cortinas vermelhas. Quando queremos dizer que alguém está “vermelho de cólera”, resgatamos esses símbolos do passado. E também associamos essa cor ao erotismo e à paixão. Mas na vida cotidiana, usamos menos a cor vermelha, em nossos móveis, mobiliários, automóveis, etc. Mas usamos sempre em casos de advertimentos: sinais de trânsito, de proibição, a cruz vermelha ligada à saúde… “Tudo isto deriva da mesma história, a do fogo e do sangue”, diz Pastoreau.

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