Pobre gosta é de coisa boa
Muitos amigos que são articuladores estão perguntando se o discurso do Rap já está se esgotando. Estamos num tempo em que temos que agüentar a velha guarda tropicalista ou da MPB ficar cantando e louvando uma era que não existe mais. O rap parece estar pa
Publicado 25/08/2006 12:17
Eu pessoalmente não agüento mais estas fórmulas: filmes que tratam da ditadura militar, eu não agüento mais estas novelas que mostram negros pregados nos troncos, filmes de Hollyoowd que mostram o Holocausto judeu, etc. São coisas que não devem ser esquecidas. Mas por favor, temos também outras coisas para se falar e mostrar também.
A mesmice está invadindo nosso mundo. Sempre as mesmas noticias: carro-bomba no Iraque, exército de Israel mata não sei quantos, corrupção envolve políticos em escândalos, enchentes e furação lá num sei onde. As notícias são sempre as mesmas, mas o que muda são os personagens.
De tão banal que se tornaram estes fatos, hoje quando se fala no noticiário: morreram tantos em tal acidente, morreram tantos em tal conflito, ninguém parece mais se espantar, o número de mortos, realmente virou um ''número'', ninguém mais parece se sensibilizar com nada.
Esses dias um mano meu arrumou um trampo da hora, outra amiga passou na faculdade, disto ninguém fala, isto num sai na imprensa, mas se um deles tivesse metido o cano em alguém, estaria ali, bem na capa do jornal.
A apatia e o descrédito estão no olho das pessoas, todas parecem felizes, mas você olha ali, na bolinhas dos olhos e vê um vazio tremendo.
A desmoralização das instituições é constante: Estado, Igreja, Forças Armadas, Mídia, a toda hora vem uma denuncia: congressistas mensaleiros, evangélicos e católicos carismáticos na máfia dos sanguessugas; suspeita das Forças Armadas fazer pacto com o crime pra recuperar suas armas; juízes que vendem sentenças; desembargadores de justiça evolvidos em fraudes; policiais corruptos, sistema carcerário falido; a mídia fica abanando crises políticas e de segurança pública para vender jornais ou ganhar audiência no Ibope. O povo, os profissionais dedicados, honestos e de bem são esquecidos, alguém, instituição, ou entidade, só vira celebridade na mídia se está cometendo coisa errada.
Para ajudar, A MTV, que é um canal importante para juventude, ao invés de tenta fazer uma limpa no congresso, estimulando o voto consciente, explora a frustração do povo, incitando ao voto nulo e atitudes violentas como jogar ovos e tomates em pessoas que certo ou errado, tem o direito constitucional, conquistado com muita luta e sangue pelo povo brasileiro de votar e ser votado.
O mundo ta loko nego
No mundo do rap, estes dias parei pra ouvir rádio. Nossa, fiquei desanimado, grupos atrás de grupo cantando a mesma coisa. Quase todos com o mesmo discurso. E aquelas bases horríveis feitas em teclados, com aquela fórmula que já cansou; letra rimada cantando alguma desgraça em jeito de histórinha e no meio da música um backing vocal feminino meio desafinado.
Estava com o Afro X e o Happin Hood, ele colocou um CD do 50 Cent e falou uma coisa que eu achei interessante: ''Olha aí Afro, olha aí Shetara, o homi é afinadinho, ele canta o refrão das músicas dele, ele faz o backing-vocal, olha que firmeza''. Um detalhe que faz muita diferença.
Ouvindo a mesma rádio notei os manos cantando a mesma coisa de sempre: Os playboys são isso, a policia é aquilo, eu sô favela… etc. Eu mesmo disse e cantei estas coisas um dia, mas foi a 12 anos atrás.
Mas mano, você amadurece você cresce mentalmente. Como já dizia Raul Seixas: '' prefiro ser esta metaformose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo.''
Muitos dos caras que tentaram atrasar meu lado na minha vida eram pobres e negros como eu. Playboy nenhum pega seu carro e vai até o Capão Redondo dar tiro em pobre, geralmente que mata um pobre é outro.
Policia, hum… Já tive muito ódio, como todos nós. Mas se alguém invadir a sua casa, sua família vai ligar pra quem?
''Eu sô favela'', nossa, a gente bate no peito, diz que isto aumenta a auto estima, etc. Como disse Ice T, ''ninguém mora no gueto por que quer!'' isso não é motivo de orgulho, temos que acabar com a favela, ninguém mora em barraco por que quer, qualquer um, quando pode, reboca sua casa. Temos é que urbanizar a favela, lutar por asfalto, luz, quadra de esporte, por trampo pra dar um trato no “barraco”, lutar por escola e transformar a ''favela'' num bairro e se der, num condomínio de luxo. Ou vamos querer sempre que os boys morem bem?
Claro que talvez os discursos possam ser os mesmos do que de outros tempos, pois a realidade pouco mudou, pois entra e sai governo, nossa favela, nossa violência, continua, mas, acho que, além disto, tem outras coisas para se escrever em sua letras.
Ferréz na revista Carta Capital deste mês há uma matéria sobre o documentário 100% favela onde Mano Brown fala: ''Humildade é sabedoria. Arrogância é burrice, muitas vezes eu fui burro. A burrice vem da neurose, vem do ódio, da revolta. Você passa em frente a uma favela, dá ódio, da raiva até da favela, por que eles aceitam isso aí?'' Não Brown, tem mano que não tá aceitando, tá tendo orgulho.
Parece que umas cisões de concepções vão começar a aparecer nos medalhões do hip-hop nacional, os rappers paulistas vão ser a bola da vez. Mas outro sintoma que se percebe é que algumas lideranças do hip-hop estão preocupadas com o discursos violentos de algumas letras de rap, inclusive alguns deles, numa demonstração de maturidade fazem auto-crítica até de trabalhos antigos. Esta semana estava com o Douglas do Realidade Cruel, e perguntei para ele por que os shows de rap não estavam lotando tanto como antigamente, ele deu várias dicas:
''Pode ser por falta de profissionalismo, de estrutura, tá faltando segurança, tá ligado? Tá muito pobre de recursos, as pessoas de bem quando vão a um show, querem segurança, o cara quando sai com a mina dele quer um local bonito, som bom, banheiro limpo, ta faltando estrutura Shetara. Mas é o seguinte, eu gosto de coisa boa, eu quando posso, levo minha mina no shopping, dou um role com ela, lá tem segurança, comida boa, etc, mas nossos próprios irmãos às vezes tem preconceito com aquilo que é bom'', Pra continuar sua demonstração de maturidade ele aproveitou e falou do novo CD que está sendo preparado: ''tá vindo mais maduro nas composições e nas letras, vai ter mais sentimento, uma mensagem mais positiva, pra molecada entender mais fácil!.''
Quase toda a geração de rappers do anos 90, posou com uma arma, ou simulou tal situação alguma vez. Hoje, para estes manos que amadureceram, esta associação foi desfeita. Com até alguns deles fazendo campanha contra o desarmamento no plebiscito de 2005.
A mentalidade, o discurso parece estar mudando, pois penso que temos que gostar de pobre, mas não da pobreza e como já disse o presidente Lula uma vez:
''Quem gosta de pobreza é intelectual, pobre gosta é de coisa boa!''.