Poesia em torno de Glauber

A homenagem de Paula Gaitán a seu marido em “Diário de Sintra”, as chagas da Guerra Civil Espanhola em “Longa noite” e o cinema de François Ozon em “À beira da piscina”

Filme "Diário de Sintra" I Foto: Divulgação

Pela segunda vez, vi o filme de Paula Gaitán “Diário de Sintra” e continuo considerando-o uma boa obra artística. Na verdade, o que Paula quis e buscou foi criar um poema visual para homenagear seu marido Glauber.

Em primeiro lugar, o filme não tem presença visual. A imagem que sempre aparece é em transição, isto é, não temos a imagem de Glauber, mas somente a presença sonora. E o filme foi feito dessa forma. A paisagem de Sintra sendo vista como uma qualquer paisagem que se vê de quem está dentro de um trem ou de um outro veículo em movimento. Praticamente, o tempo todo do filme. Então é através da voz de Glauber que o vemos e sem dúvida em bons momentos, principalmente quando ele se dirige aos filhos e enquanto fala em português. Em outros momentos, fala numa verdadeira algaravia de francês, espanhol, italiano, inglês e português. Mas Paula Gaitán consegue aproveitar essas vozes e atingir o que ela quis mesmo, que era criar simplesmente um poema visual em homenagem ao grande artista Glauber Rocha.

Para a estruturação do poema visual, foi fundamental o lado musical, criado por Edson Secco. A música é mais bossa nova do que tropicália. Entretanto, não é só a música que tem essa dimensão em que a cena principal é a correta. É o filme em seu todo. Claro que se o homenageado tivesse dado um simples palpite ,“Diário de Sintra” apresentaria uma total outra dimensão.

É engraçado que falam nas informações acerca do filme em documentário, últimos dias em Sintra, elenco e outras questões. Mas o filme mesmo não é um documento e sim um poema em homenagem. Assim gostemos ou não.

Olinda, 30. 12. 21

Longa noite na Galícia

Filme “Longa noite” I Foto: Divulgação/Mubi

O Mubi tem exibido muitos filmes de Almodóvar, e dessa forma tem conseguido divertir o público que gosta do cinema espanhol. Mas agora trouxe um filme que não tem nada para divertir, que na realidade pode fazer chorar. O filme se chama “Longa noite”, é falado em galego e filmado todo na Galícia. E tem uma tonalidade escura realmente o tempo todo. A ação está sempre na noite. E assim vivemos um clima que mostra um país difícil de conviver. Mas eu pessoalmente considero que se trata de um excelente filme. Que fala sobre a vida real com uma estranha profundidade.

É a estória de um jovem, vivido pelo ator Misha Bies Golas, que foi preso quando os franquistas venceram a Guerra Civil da Espanha, e viveu muitos anos de detenção. Saiu quando ainda Franco estava no poder e resolve voltar à sua província. Desse modo, o diretor Eloy Enciso Cachafeiro faz o seu caminho para a Galícia, que é a sua terra. E traz uma visão profunda do país,  onde encontra uma população temente ao Poder e assim não querendo saber de qualquer luta política. Um filme que não utiliza a música para se tornar mais agradável. Que praticamente usa só as imagens pessoais. As reações pessoais. Um cinema que quer dizer como é o povo espanhol, ou mais particularmente o povo galego.

O que me entusiasma realmente nessa forma de exibição, que cada vez mais está se impondo através da internet, é justamente essa possibilidade de ter todos os filmes. E o espectador tem então a livre escolha. Quem quer conhecer o mundo social em profundidade, pode  ver “Longa noite” e outros filmes assim. Ou quem quer se divertir, vai rever Pedro Almodóvar.

Olinda, 28. 10. 21

Um filme à beira da piscina

Filme “À beira da piscina” I Foto: Divulgação/Mubi

Esse filme de François Ozon se chama “À beira da piscina” mas eu penso que todo o cinema desse cineasta francês poderia ser considerado ‘à beira da piscina’, isto é, um cinema superficial e que se pode dizer feito para agradar não todo público, mas a um público que se diverte e brinca com o cinema, de forma sofisticada. O francês brasileiro Jean-Claude Bernardet, que já foi durante muito tempo talvez o principal crítico de cinema brasileiro, nem assistiria, pois detestava essa forma de fazer cinema.

“Swimming pool” realizado no ano de 2003 tem a sofisticação de uma extrema novela policial, mas para quem gosta de cinema e é inteligente, o filme principalmente não conta uma estória policialesca, mas mostra uma disputa amigável entre duas atrizes, uma de mais ou menos 55 anos de idade, Charlotte Rampling, e a outra, também mais ou menos nos seus 25 anos de idade, Ludivine Sagnier. A estória naturalmente está narrada dentro dos padrões de cinema sofisticado comercial e aponta para todas as questões que esse tipo de filme considera comuns, inclusive quedas, amores e mortes.

Você assiste ao filme com interesse, sem se entediar, pois Charlotte Rampling é uma grande atriz muito bem aproveitada em várias ocasiões do cinema hollywoodiano, e a atriz Ludivine Sagnier é uma jovem bem talentosa. As duas se enfrentam num pequeno drama, mas onde François Ozon joga inclusive com detalhes, como por exemplo o idioma, em que o filme é dialogo em francês pouco e em inglês quase o tempo todo. Há uma exploração sofisticada também do erotismo das duas presenças, mas é claro que principalmente com a jovem Ludivine.

Enfim, o cinema é uma grande indústria mundial, não só de diversão. E a crítica tem certa importância nesse ambiente. Por isso não se pode desprezar a visão de obras pelo fato de serem diretamente feitas para o cinema diversão.

Olinda, 17. 12. 21

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor