Polêmicas de Belo Monte

A licença ambiental para a construção da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, Pará, pôs fogo em polêmicas em torno da usina e do modelo energético brasileiro. Com a iminência do início das obras, índios, ribeirinhos e habitantes de Altamira ficaram mais apreensivos, enquanto a cidade atrai milhares de novos moradores.

Semana passada, a Universidade de Brasília(UnB) realizou seminário intitulado “Belo Monte e a Questão Indígena”, com a participação de entidades indígenas, representantes do governo e do meio acadêmico. Foi um dia de reclamação e debate em torno dos impactos sócio-ambientais da usina.

O evento ocorreu 17 anos após o seminário internacional “A Questão Energética na Amazônia: avaliação e perspectivas sócio-ambientais”, que reuniu gente de todos os países amazônicos, com grande repercussão.

Aquele encontro, em Belém(UFP), que durou uma semana, em 1994, foi realizado pelo Museu Goeldi, Universidade Federal do Pará(UFP) e Associação das Universidades da Amazônia (Unamaz). Um time de peso, portanto.

Dali, saíram recomendações e avaliações que serviram para a montagem do Plano Plurianual de Energia da Amazônia, que vai até 2030. Tanto tempo depois, porém, muitos dos alertas ali feitos continuam ignorados por técnicos do governo e de empreiteiras de obras.

Já havia então experiências de barragens em rios da Amazônia. A usina de Tucuruí, no Tocantins, também no Pará, completava 10 anos de inauguração. E de Balbina, no Uatumã, no Amazonas, estava em curso. Ambas geraram polêmicas, algumas das quais por um motivo: o ser humano atingido.

Tucuruí, que hoje produz respeitáveis 8,2 milhões de kW/h de energia tinha três problemas básicos:

1- Seus clientes prioritários eram as indústrias de alumínio Albrás e Alumar (Pará e Maranhão), que tinham eletricidade subsidiada por 20 anos. Só recentemente Tucuruí passou a se integrar ao sistema nacional;
2- A usina barrou os rios Araguaia e Tocantins, afetando até o ciclo reprodutivo dos peixes, inclusive o boto. Só agora está sendo construída uma eclusa, que irá repor a navegabilidade dos rios e a procriação dos peixes;e
3- A área alagada foi fortemente atingida. As populações ribeirinhas foram mudadas de local, mas perderam suas referências e não tiveram a assistência prometida. Sem contar que 70 quilômetros da rodovia Transamazônica ficaram sob a água e tiveram de ser reconstruídos.

Quanto a Balbina, chega doer o coração só de lembrar. Esta não tem termos de comparação. Perto dela, qualquer estrago é pequeno. Balbina alagou 30% a mais que Tucuruí para produzir ridículos 2% do que esta produz. A energia de Roraima, ao Norte, vem de termelétricas e trazida da usina de Guri, na Venezuela.

Os índios waimiri-atroari habitavam a área alagada e foram assentados numa reserva mais ao norte. Com isso, o único caminho terrestre para Roraima (e Venezuela) tem sérios problemas. Ainda hoje, esses indígenas fecham a rodovia Manaus-Caracaraí à noite, vedando a passagem de caminhões, ônibus e carros particulares. E durante o dia cobram pedágio.

E Manaus, que está ali, quase ao lado da barragem tem que se contentar com as termas, a maioria queimando óleo diesel. Um linhão de 1.700 km vai atravessar o próprio rio Amazonas para transportar energia de Tucuruí à capital amazonense.

Dito isso, voltemos ao seminário da semana passada na UnB. Na parte da manhã, falaram vários representantes de grupos indígenas. Vale lembrar que, originalmente (há uns 30 anos atrás), Belo Monte se chamava Complexo Cararaô, numa referência ao que resta dos andarilhos Cararaô, que pegavam no pé dos bandeirantes, desde Grou e Anhanguera II, e que hoje moram no Xingu.

O nome foi mudado, mas vários grupos (arara, juruna, xicrin) serão diretamente atingidos pelas águas do seu lago. E há populações de beira-rios e de moradores de Altamira que também terão suas casas afogadas.

Na parte da tarde, foi a vez de representantes do Ministério Público, órgãos do Governo Federal e entidades como a Associação Brasileira de Antropologia (ABA).

A sub-procuradora-geral da República, Deborah Duprat, criticou os defensores da usina. “Antes de desqualificar os argumentos dos povos indígenas, que não têm poder de veto, há que se ter contra-argumentos claros e fundamentados”, disse ela.

Vários participantes levantaram outros problemas advindos desse tipo de obra. A maior parte dos operários da construção é do sexo masculino e normalmente não leva família, quando já é casado. Isso atrai hordas de prostitutas de outras regiões e atinge as mulheres locais, atraídas pela novidade e pelo sonar do dinheiro.

As quatro audiências públicas realizadas com a população do entorno da barragem são criticadas. Foram encontros pouco divulgados e dirigidos, com cartas marcadas. O resultado é que Altamira já começa a inchar de forasteiros e nada é feito para receber e acomodar essa gente.

Não adianta daqui a 300, 500 anos acusarmos portugueses ou quem quer que seja de matarem índios, se temos a chance de evitar isso agora.

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