Política econômica e a direita: o que é mais golpista?

“Os que estão vaiando são os que mais deveriam estar aplaudindo, porque são os que mais ganharam dinheiro no meu governo. A parte pobre é que deveria estar zangada”.


(Lula, citado em O Globo do último domingo)

O leitor deve achar que estou na contramão das coisas. Mas não. O que nosso presidente disse deve ser analisado e discutido. Se é que o nosso objetivo é entender de fato as entrelinhas desse governo. E como todo problema – que demanda solução – deve ser historicizado, que não se passe em branco o que anda ocorrendo com nosso país nos últimos dias. E também nos últimos vinte anos. Sobre as opções feitas e impostas ao Brasil de 1990 para cá…


 


 



A primeira parte do desabafo…


 


 


A primeira parte do desabafo de Lula se remete àqueles que nadam em dinheiro por conta da criminosa e inexplicável taxa de juros em nosso país. Parece mais um desabafo com ar de desolamento do que uma expressão de arrependimento.


 


Tudo por causa de uma ilusão: “distribuirei uma pequeníssima parte do bolo para àqueles que me elegeram (cerca de R$ 8 bilhões anuais) e distribuirei uma outra parte (cerca de R$ 250 bilhões anuais ou – em média – 35% do orçamento) àqueles que realmente mandam nesse país: os banqueiros. Não posso me esquecer que sou apenas governo, pois quem manda são eles…” Sem nenhuma dose de ironia, é dessa forma que – acredito eu – nosso presidente raciocina. Infelizmente.


 


A verdade é que Lula, como bom sindicalista e católico, quis buscar a conciliação com quem historicamente não tem conciliação: o imperialismo. Pois bem, para ficar mais claro: quais interesses estavam a serviço os comerciantes de importação e exportação apeados do poder pela Revolução de 1930? A quais interesses, hoje, Meirelles, Marina Silva e outros estão servindo?


 


 


Agora, Lula como expressão de uma corrente política a-histórica não poderia perceber que a história do Brasil demonstra a impetuosidade de setores da classe dominante brasileira contra o pessoal “de baixo”. Logo é intolerável para muita gente um nordestino, sem dedo e metalúrgico ocupar determinados postos, principalmente o de presidente da República. Não adianta a nossa primeira-dama abrir as portas da residência oficial à revista Caras; não adianta Lula prometer aos banqueiros que a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) não cairá para menos de 9%; não adianta permitir – a partir desse câmbio antinacional – que alguns possam transformar mais-valia produzida no Brasil em poupança externa; não adianta liberar R$ 350 milhões para ajuste infra-estrutural em aeroportos.


 


 


Não adianta, em nome do poder que exerce paralisar o Brasil em meio a uma volúpia de crescimento no mundo inteiro. O Brasil deve estar acima de qualquer desejo de poder.


 


 


De Silvério dos Reis aos agraristas. De Carlos Lacerda à FHC. Dos que levaram Getúlio Vargas ao suicídio à revista Veja. Não existe meio-termo. Os setores ligados aos interesses externos – sempre -exerceram grande influência em nosso país. O que muda é a correlação de forças em âmbito mundial, mas não muda o caráter golpista e desfacetado da direita brasileira.


 


 


Quando Lula vai aprender? Talvez nunca.


 


A segunda parte…


 


Nosso presidente tem razão ao afirmar que a “classe pobre” deveria estar zangada. Grande novidade. Mas demonstra que “para burro não serve” o presidente. Ao menos tem noção da escolha que fez. E sabe que podemos perder o jogo com a camisa do inimigo. Qual a camisa do inimigo? Com certeza, a camisa do neoliberalismo. Há quem diga que não, o governo Lula não é neoliberal. Posso admitir que Lula é milhares de vezes melhor que FHC, que é um governo mais democrático, que o lumpesinato passou a ser visto e cuidado, que os que o acusam não passam de escroques a serviço de interesses externos, e esclareço que inclusive o defendo com unhas e dentes contra essa meia dúzia de almofadinhas que andaram fazendo passeata contra ele no último final de semana.


 


 


Agora aprendi que a anatomia do macaco é compreendida a partir da anatomia humana, logo em se tratando de política econômica, o que determina sua característica é seu aspecto principal.


 


 


Qual aspecto principal da política econômica em andamento e afiançada por Willian Bonner, Fátima Bernardes, o clone do Paulo Francis (Diogo Mainardi), os Mesquita e outros? Quem são os lobos que tomam conta do galinheiro da política econômica? Por que – após as eleições do ano passado – Tarso Genro e Dilma Roussef receberam uma grande bronca do presidente depois de terem afirmado que estava findada a tal “Era Palocci”? Um tal Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) mediado com um câmbio desses que está na praça vai produzir os resultados esperados? Crescimento de 4,5% para este ano é suficiente para empregar – pelo menos – a metade dos jovens que serão formados esse ano no Brasil? Quando cessará o processo de desindustrialização em curso no país? Quando deixaremos de ser um exportador de commodities e importador de manufaturados? Enfim, quando voltaremos a ter um projeto nacional?


 


 


São apenas algumas perguntas que um pobre (que pensa) gostaria que fossem respondidas.


 



… e a construção e institucionalização de um golpe


 


Qualquer patriota que se preze (não um ser-humano que sofre da patologia lulista) ao responder as perguntas elencadas acima vai perceber que o governo Lula ao mesmo tempo em que “pegou o bonde andando” do neoliberalismo no Brasil, institucionalizou o mesmo como política econômica de Estado e não de governo. Pode-se dizer da retomada do papel do BNDES e da chamada “integração sul-americana”, porém ambas as coisas estão subordinadas a uma política econômica cruel defendida com todas as forças pelo presidente da República. Como estamos lidando com ciências sociais não é aceitável separar – como na experimentação química – os elementos. E em ciências sociais não existe hibridismo e sim o que é o elemento dominante ou não. Tudo se relaciona e se entrelaça. A opção de Lula tem impacto em todos os setores do governo. Tudo está subordinado à lógica da política monetária. E o presidente da República não aceita ao menos discutir a respeito.


 


 


Comemorar 4,5% de crescimento e aludir à existência de “um novo ciclo de desenvolvimento” é – na ponta do processo – assumir a eficiência e a correção desse golpe aplicado à Nação e ao povo: o monetarismo como prática em política econômica. É ser condescendente a essa palhaçada (com todo respeito àqueles que tem a profissão de palhaço circense) nos imposta – como processo histórico – pelo imperialismo.


 


A institucionalização deste golpe remonta às contendas envolvendo agraristas e industrialistas na década de 1920. Na medida em que a industrialização tornou-se uma conservadora realidade, pela direita (os monetaristas) e pela “esquerda” (CEPAL e estruturalistas pseudo-keynesianos) foram se aproximando na convergência da primaz necessidade de se enfrentar o problema da inflação. Ora, o remédio receitado temos visto por aí: arrocho salarial, abertura comercial pela via do câmbio flutuante e de uma elevada taxa de juros e livre circulação de capitais.


 


Toda essa ideologia tomou de assalto – quase todo – o pensamento de esquerda, com a exceção do marxista radical Ignácio Rangel que entre 1962 (1) até sua morte em 1994, lutou como um peregrino contra ambas correntes de pensamento, denunciando a falácia em torno da conversa de “combate à inflação” e os interesses por detrás disso. Em Rangel a solução progressista ao problema da inflação passava pelo aprofundamento de nosso processo de industrialização com a fusão do capital industrial com o capital bancário dando origem ao capitalismo financeiro brasileiro, abrindo condições objetivas à libertação do jugo do capital financeiro norte-americano. Resumindo a ópera: da mesma forma que nossa independência (1822) provocou o rompimento de nosso nascente capitalismo comercial com o capitalismo comercial português e a Revolução de 1930 foi a condição política necessária ao rompimento do Brasil com o capital industrial inglês.


 


Pergunto: quem foi mais longe do que Ignácio Rangel na matéria de se compreender a essência da problemática da economia brasileira?


 


A crise da dívida externa na década de 1980, o fim da URSS e a imposição de um certo Consenso de Washington foram as pedras fundamentais a uma ofensiva golpista contra a nossa soberania e dignidade nacionais. O Brasil dos sonhos dos agraristas foi se tornando realidade, pois nunca o Brasil se aproveitou tanto de suas “vantagens comparativas” na agricultura como hoje. Isso, sem dizer (sempre repito esses didáticos exemplos) que já competimos com o centro do sistema (década de 1970) na construção e instalação de cabos ópticos submarinos e ainda construímos (na mesma década de 1970) o metrô mais moderno do mundo (de São Paulo) com equipamentos e engenheiros brasileiros. Hoje o PAC pode ser – dada nossa política cambial – um fator de institucionalização de nossa imensa reserva de mercado verificado nas infra-estruturas ao capital estrangeiro (Alston, Siemens, GE etc).


 



Rápida conclusão e a defesa do governo


 


Minha intenção aqui hoje foi apenas chamar a atenção de algumas pessoas sobre o alcance histórico do golpismo. Tentei também demonstrar que a defesa deste governo não pode prescindir de uma visão mais séria e radical a respeito dele. Muito pelo contrário.


 


Defender este governo, além das denúncias que nosso campo político tem feito da verdadeira face daqueles que o acusam, passa pelo chamamento à Lula a respeito de que lado ele se encontra.


 


Trata-se de um especial momento para sabermos se Lula além de entregar os anéis, vai também entregar seu dedos. E que não nos escondamos por detrás do biombo da correlação de forças. Olhemos ao nosso redor: por que países como Argentina e Venezuela – que fizeram uma clara opção em matéria de política econômica crescem a taxas muito superiores às verificadas no Brasil?


 


Não nos contentemos com a superfície das coisas…



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Nota:


(1) Em 1962 Ignácio Rangel publicou o clássico “A Inflação Brasileira”. Numa opinião particular trata-se do mais denso documento teórico marxista publicado no Brasil. Leitura indispensável a qualquer militante da área intelectual.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
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