Por que a direita odeia a democracia?

"É preciso unir um campo político, o mais amplo possível, contra a extrema direita, tendo como questões essenciais a defesa da democracia e a nossa soberania".

Pelo simples fato de que eles odeiam o povo. São adeptos de teorias reacionárias, mesmo que não tenham qualquer conhecimento teórico das teses de expoentes do pensamento reacionário, como Thomas Hobbes (Leviatã) ou Thomas Malthus (Ensaios sobre o princípio da população), os quais defendiam, respectivamente, que o povo só conseguiria viver em sociedade sob o tacão de um imperador com poderes absoluto e ou que os pobres deveriam ter seu crescimento populacional contido por rigoroso controle da natalidade ou pelo extermínio, através de doenças e guerras. Tais aberrações não lhe parecem familiar?

Democracia é a expressão da vontade da maioria (do povo), o que pressupõe a existência de governos que procurem atender a esses interesses. Todavia, como a sociedade é dividida em classes e seus interesses são distintos – mesmo antagônicos – sempre que um governo procurar atender aos direitos básicos do povo ele será duramente combatido pela classe dominante (a burguesia, no capitalismo) e, no extremo, simplesmente deposto, seja por quarteladas militares, como o Golpe Militar de 1964 contra João Goulart, ou farsas legislativa/judiciária, como acabou de acontecer contra Dilma Rousseff em 2016.

E, naturalmente, essa prática não é restrita ao Brasil. É o modus operandi da burguesia mundo afora, como a história registra e os atos atuais demonstram. A renúncia forçada do presidente Evo Morales fez da tenra democracia boliviana a mais recente vítima. São evidências inconteste dessa assertiva, o que indica o rompimento do frágil contrato social, pelo qual se busca estabelecer as regras básicas de convívio social.

Por outro lado, fica evidente que a democracia plena, de fato, só poderá existir numa sociedade socialista, onde efetivamente o estado passará a governar para a maioria do povo. No capitalismo ela será sempre um arremedo para iludir incautos, enquanto os interesses da burguesia (banqueiros, agiotas, latifundiários, etc.) não forem contrariados. Apesar dessa classe social representar menos de 1% da população é ela que controla os meios de produção e se constitui no poder real, que alguns imaginam serem os governos. E esse equívoco sempre custou muito caro.

Os principais teóricos da teoria de Estado

A questão central que se buscava responder era como o Estado poderia preservar a liberdade natural do homem e ao mesmo tempo garantir a segurança e o bem-estar da vida em sociedade, o que, segundo Rousseau, seria possível através de um contrato social, por meio do qual prevaleceria a soberania da sociedade, a soberania política da vontade coletiva. Os principais teóricos da teoria do contrato social (contratualistas) são Thomas Hobbes (1651), John Locke (1689) e Jean-Jacques Rousseau (1762).

Thomas Hobbes (Leviatã, 1651), sustentava que humanidade era eminentemente má, perversa, egoísta e mesquinha, se assemelhando às bestas, sugerindo que no estado

natural eles devorariam uns aos outros. Concluía, portanto, que a única forma da humanidade viver em sociedade era sob o tacão de um imperador com poderes absoluto. Estava assentada as bases do estado autoritário, ao qual os déspotas de todo o mundo recorrem, mesmo que nunca tenham lido a teoria de Hobbes.

Montesquieu (O Espírito das Leis, 1748) procurou contemporizar sugerindo que esse convívio seria possível com a divisão tripartite do estado (Legislativo, Executivo e Judiciário), os quais agiriam de forma harmônica e interdependentes, na forma de contra freios. O sistema proposto por Montesquieu, baseado na experiência da Inglaterra de sua época, até hoje é adotado como modelo de estado pelas sociedades capitalistas, mesmo as evidências demonstrando que essa harmonia não existe, que não há os contra freios e tampouco respeito pela vontade soberana do povo.

É aí, então, que surge a teoria de Marx & Engels (A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 1884). Eles demonstram que o estado nada mais é do que um instrumento de dominação da classe dominante, que recorre a qualquer expediente para fazer valer a vontade e manter os privilégios da classe dominante de cada período histórico. Na sociedade escravagista serviu para reprimir os escravos e assegurar privilégios aos escravocratas; no feudalismo reprimia os camponeses e protegia os senhores feudais, os latifundiários; e no capitalismo, esmaga os trabalhadores, reprime o povo e viola seus direitos para assegurar os privilégios da burguesia, a classe dominante.

Como é fácil perceber isso não é um debate trivial. Está assentado na divisão da sociedade em classes e no conflito distributivo de renda, pela qual as classes disputam entre si qual a parcela da riqueza social a que cada uma delas terá direito. É o que explica os golpes, as quarteladas, as privatizações, as contrarreformas (previdência, trabalhista, etc.). Tudo, absolutamente tudo, está subordinado a essa lógica.

Exemplos práticos do arbítrio do Estado e as declarações de Lula

Além da renúncia forçada do presidente boliviano, Evo Morales, e de tantos outros mundo afora, o golpe de estado que afastou Dilma Rousseff e prendeu Luís Inácio Lula da Silva está subordinado a essa lógica, embora nenhum dos dois oferecessem qualquer ameaça a hegemonia de poder real da burguesia. Mas eles ousaram distribuir uma pequena parcela da riqueza social aos milhões de deserdados desse país, o que contribuiu para aumentar o ódio de classe da burguesia, cuja lógica é a absoluta concentração de rendas.

Por isso, em certa medida, é compreensível as declarações de Lula “um tanto acima do tom”, após ser posto em liberdade em decorrência das revelações do The Intercept Brasil que contribuiu para provar, documentalmente, que a dita operação lava-jato foi uma armação subordinada a lógica do golpe de estado e com objetivos nada republicanos, como arrumar um cargo de ministro de estado e uma promessa de vaga no STF para o juiz que comandava a operação, exatamente no governo beneficiado de sua ação.

Mas é preciso que o PT, e principalmente Lula, tenham claro que a trama, não foi apenas contra eles, que em certa medida foram as menores vítimas, pelo menos eleitoralmente, como demonstra o número de governadores e parlamentares eleitos em 2018.

O golpe foi contra o povo, a democracia, contra as frágeis conquistas populares (casa, bolsa, luz, crédito, expansão do ensino e da ciência, etc.) e não foi nem mesmo restrito ao Brasil, como acaba de ficar evidente com o golpe na Bolívia, onde o 2º colocado, que perdeu com mais de 10% de diferença, simplesmente não aceitou o resultado. De imediato a CIA entrou em ação. Uma comissão da OEA “suspeitou de irregularidades”, dando a senha para que os protestos financiados pelos banqueiros e o caixa da CIA para esse tipo de ação ganhassem repercussão a partir do estímulo dos meios de comunicação. Estava preparado o cenário para os militares (a força bruta de sempre) aplicasse o golpe final, numa brutal afronta a vontade da maioria da população boliviana.

Derrotar o inimigo exige mais do que palavras, precisa de ação coerente

Por isso essa deliberada vontade de polarização com Bolsonaro pode até fazer bem para o PT, mas é uma tragédia para a democracia e o povo. É uma tática pela qual o PT busca os votos “contra Bolsonaro” e este tenta cativar os votos “contra o PT”.

Não interessa ao país votar “contra” e sim a favor de um novo projeto, de novas ideias. Por isso é preciso unir um campo político, o mais amplo possível, contra a extrema direita, tendo como questões essenciais a defesa da democracia e a nossa soberania. 

É preciso ter presente que o pressuposto para derrotar um inimigo é o seu isolamento, a fragmentação de sua base de apoio e, por outro lado, a unidade do campo popular. Parece simples e de fato o é. A dificuldade reside no fato de que alguns colocam seus interesses particulares acima do interesse coletivo, revelando que não estão à altura da empreitada.

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