Por que insisto que é ético respeitar as outras medicinas?

''Minas são muitas.'' Como Minas, as medicinas são muitas. Para Carlos Drummond de Andrade, ''Minas não é palavra montanhosa/É palavra abissal''. Eu acho que medicina é uma palavra abissal. Trago à baila Guimarães Rosa, que complementou Drummond: ''Minas

A comparação do que disseram o poeta e o escritor sobre a multiplicidade de Minas com a medicina ocorreu-me após ler duas notícias que circularam no último fim de semana. Na reportagem ''O recado de Obama'', Jorge Felix fala sobre o primeiro discurso do presidente no Congresso, em 24 de fevereiro passado: ''Presidente promete cura para a crise e para o câncer'' (''IstoÉ'' nº 2.051). Mariana Sanches, na reportagem ''Juntos, médicos e pajé evitam amputação'', descreve a junção dos saberes da alopatia com os da medicina indígena (''Época'' nº 563).


 


 


Sobre Obama ter prometido a cura do câncer, espero que ele se empenhe. Em outras palavras: a cura do câncer talvez seja encontrada mais rapidamente se a medicina ocidental buscar parcerias respeitosas com as outras medicinas, reconhecendo os saberes que elas portam. Parece complicado, mas um caminho talvez seja parafrasear a campanha mineira de turismo: ''Medicina são muitas. Quantas você conhece?''


 


 


O caso narrado por Mariana Sanches eu acompanho desde que li um artigo imperdível do professor José Ribamar Bessa Freire: ''Médicos, pajés e rezadeiras'', do qual transcrevo um trecho: ''O que aconteceu, afinal, com LB, a menina tukano de 12 anos, que foi picada por uma cobra jararaca, quando pescava, no início do mês, em Pari Cachoeira? De lá até Manaus são mais de 1.100 km, e sete dias de barco. Dois dias depois, ela já chegou a São Gabriel da Cachoeira, com sinais de necrose''. Em 14 de janeiro, foi encaminhada para o hospital João Lúcio, em Manaus, onde os parentes dela não concordaram com a indicação médica de amputação do pé esquerdo. Propuseram um tratamento que combinasse medicina ocidental e rituais de pajelança da medicina indígena, assim como restrições alimentares; proibição de acesso ao local de gestantes e de mulheres no período menstrual. O hospital não aceitou.


 


 


''O tio da menina, João Paulo Barreto, invocou o artigo 213 da Constituição, que reconhece aos índios seus costumes, línguas, crenças e tradições. O Ministério Público recomendou, então, um tratamento combinado da medicina indígena com os métodos convencionais'' (Bessa Freire). A procuradora federal Luciana Gadelha foi magistral: ''Eu entendi o apelo do pai da criança. Se tivesse um filho com recomendação de amputação, gostaria de consultar outros médicos. Eles queriam consultar os seus sábios''. O médico Joaquim Alves disse: ''Não sei o que fazer se, como cirurgião, digo que um pé precisa ser amputado para evitar infecção generalizada e o pajé me diz que pode curá-lo com unguento. É fato que a menina está melhorando, mas como saber se isso é efeito dos rituais ou mera coincidência?''


 


 


Respondo recorrendo a Bessa Freire: ''A medicina ocidental realizou conquistas admiráveis, mas se não reconhecer outras formas de conhecimento, vai continuar decepando pernas e braços que poderiam ser, algumas vezes, preservados. A boçalidade ocidental confunde os saberes indígenas com crença absurda, superstição, folclore, exotismo''.

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