Preta, pobre e velha falando de orgasmo?

Pelas deusas! Desde quando falar em prazer é antiético? Pessoas na terceira idade são assexuadas? As Paulinas não têm razão.

Dizem que a Globo “plantou” o escândalo na mídia para garantir que sua novela “Páginas da Vida” atinja os píncaros da audiência. Talvez não.
A onda de conservadorismo – em sua face fundamentalista condenatória do direito ao prazer – que varre o mundo encontra diferentes formas de expressão e pode aparecer na boca de pessoas insuspeitas.


 


A celeuma originou-se no depoimento (de verdade: real!) de uma mulher negra, simples, na terceira idade, encerrando um capítulo da novela dia 15 passado: “Esse negócio das pessoas dizerem que têm de gozar junto, que é isso que faz neném, é tudo mentira, porque fiquei sem gozar dos meus 14 aos 45 anos… Pra mim, era tudo normal… O homem terminava e eu também… Daí, eu colecionava discos do Roberto Carlos e, aos 45 anos, ganhei um LP dele. Botei na vitrola a música ’Côncavo e Convexo’ e fui dormir. E, quando acordei, estava com a perna suspensa, a calcinha na mão e toda babada. Comentei com as amigas… Elas disseram: ’Você gozou!’ Aí que vim saber o que era gozo. Moral da história: sou uma mulher de 68 anos que homem pra mim não faz falta, eu mesma dou meu jeito”.


 


Po-de-ro-sa! Atingir o orgasmo é uma dimensão fascinante da sexualidade. Ofereço-lhe a inspiradíssima poesia “Elogio do pecado”, de Bruna Lombardi: “Ela é uma mulher que goza/ celestial sublime/ isso a torna perigosa/ e você não pode nada contra o crime/ dela ser uma mulher que goza/ você pode persegui-la, ameaçá- la/tachá-la, matá-la se quiser/ retalhar seu corpo, deixá-lo exposto/ pra servir de exemplo./ É inútil./ Ela agora pode resistir/ ao mais feroz dos tempos/ à ira, ao pior julgamento/ repara, ela renasce e brota/ nova rosa/ Atravessou a história/ foi queimada viva, acusada/ desceu ao fundo dos infernos/ e já não teme nada/ retorna inteira, maior, mais larga/ absolutamente poderosa”.


 


As Paulinas não perdoaram uma preta velha que goza. Pior, que diz que goza: “Vimos manifestar nosso repúdio pela falta de ética, mau gosto e apelação feitos através da cena vulgar do depoimento de uma senhora no final do capítulo da novela Páginas da Vida”.


 


Pelas deusas! Desde quando falar em prazer é antiético? Pessoas na terceira idade são assexuadas?


 


Estão condenadas a não terem prazer? As Paulinas não têm razão. Urge que reconheçam que há “uma diversidade de identidades a partir da sexualidade e não só heterossexuais (mulheres e homens), mas também gays e lésbicas, transexuais, intersexuais e assexuais – pois há muitas pessoas sem nenhuma inclinação sexual!”


 


Posso estar enganada, mas as Irmãs Paulinas de fato estão “mortas de vergonha”. Publicaram a carta na página da CNBB (19/7).


 


De acordo que as freiras fiquem envergonhadas, pois como noivas de Cristo estão obrigadas à castidade, embora esta não seja sinônimo de ser assexual e mesmo sob regime imposto de castidade há desejos sexuais.


 


E nem o jornalista Ricardo Calil teria escrito “Tudo pelo sexual”, que foi complementado por um post “Manoel Carlos fez de mim um moralista” (http://olhaso.nominimo.com.br).


 


Lembrando Kyoroku, “As vozes não têm idade/ quando falam de terremotos/ à luz das lareiras”, eis um comentário perfeito: “Que medo e que pavor se tem do falar direto sobre as dimensões da sexualidade e do sexo. O depoimento da novela das 8h, na Rede Globo, sobre orgasmo, foi forte, direto, verdadeiro. Algo que qualquer pessoa tem capacidade de ouvir e entender, e depois refletir sobre o tema. Achar que foi além do limite, achar que foi no tamanho certo, pensar que esse tipo de tema colabora para pensarmos e lidarmos melhor com a sexualidade, sem tantas amarras. Por que toda essa reserva em se falar de algo comum a cada pessoa, em especial ao universo das mulheres? Acho que essa reação expressa bem as dificuldades dos pais com os filhos para o diálogo franco e aberto sobre sexo e sexualidade. A TV, muitas vezes, tenta contribuir, mas a reação é forte demais. É preciso abrir corações e mentes” (Jacira Vieira de Melo, 19/7, em http://olhaso.nominimo.com.br).

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