Prisões: privatizar é solução? (3)

Os ventos da anistia no Brasil trouxeram mudanças em toda a sociedade. Durante o período da ditadura militar foi comum o encarceramento de presos políticos com infratores comuns, onde todos sofriam violência, falta de condições, alimentação e assistência precárias. Certamente, fatores que ainda hoje são comuns à maioria dos presídios. Entretanto, os relatos e denúncias dos presos políticos trouxe à tona a precarização das condições prisionais.

Em julho de 1984 surge a Lei das Execuções Penais, fruto da movimentação sobre direitos e dignidade humana. A lei traz em seu bojo o reconhecimento do presidiário como ser humano, com direitos como instrução escolar e profissionalizante, assistência médica, jurídica, acesso à liberdade religiosa e culto. Determina que o Estado ofereça trabalho remunerado ao detento, normatiza as condições físicas dos presídios e o cumprimento das penas. Enfim, foi produzida tendo como eixo central a ressocialização do autor de ato infracional.

Uma das legislações mais avançadas do mundo, a LEP entretanto não é cumprida no país. Um conjunto de fatores como falta de vagas, morosidade judiciária, criminalização de pequenos delitos, falta de aplicação de penas alternativas, falta de investimentos públicos no setor, mas principalmente a pauperização da população durante as décadas de 80 e 90 praticamente inviabiliza o cumprimento da lei. Os recentes investimentos não conseguem suprir a demanda acumulada por quase três décadas. Os quase 610 milhões investidos nos dois últimos anos resultaram na construção de 24 novos presídios, reforma e ampliação de outros, resultando cerca de 9.000 vagas, 3% da necessidade real brasileira.Para 2010 está previsto o investimento de 550 milhões, que resultarão em mais 12.000 vagas.

Segundo o Ministério da Justiça, de 20 a 25% dos presos são de baixa periculosidade, e que poderiam receber penas alternativas, caso houvessem mecanismos eficazes de controle do cumprimento e acompanhamento do condenado. Setores da sociedade, entretanto, não vêem com bons olhos a adoção destas penas, e em muitos estados não existe vontade política para esta ação. Pois justamente nestes estados é que prolifera a idéia de privatização dos presídios, onde equivocadamente as cadeias são vistas como espaços de punição (e por isto não precisam de boas condições), ao invés de investir na ressocialização do indivíduo.

Considerando as características da massa carcerária, seu extrato social, sua baixa escolaridade e preparação para o trabalho, seus frágeis vínculos familiares, enfim, a vida miserável que a grande maioria deles experimentou durante sua vida pregressa, privatizar cadeias e consequentemente endurecer a legislação é punir duas vezes o mesmo indivíduo: Com a pena de restrição de liberdade e com a falta de oportunidades de acesso à ressocialização. As cadeias privadas podem aparecer como modelos aos olhos incautos, já que tem número certo de ingressos (não tendo portanto, superlotação), nem episódios de violência, porque seleciona presos por tipologia, e escolhe os menos violentos. Mas privatizar presídios é, em última análise, arrancar lucro dos seres já privados do mais precioso bem: A dignidade.

A cruel ironia portanto é que, para quem privatiza cadeias e lucra com isto, o crime realmente compensa.

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