Promessas ao nascer do sol em Singapura

No último dia 12, com transmissão ao vivo pela TV, Donald Trump e Kim Jong-un se encontraram em um hotel de luxo na ilha de Sentosa, em Singapura. Geralmente, as instalações ali são usadas por casais ricos em luas-de-mel, mas naquele dia foi diferente.

Ilustração: Tainan Rocha

Os líderes dos dois países inimigos foram fotografados em histórico aperto de mãos, ensejando uma conciliação após meses de ofensas e ameaças de apocalipses nucleares. Como cabe ao cenário, as promessas mútuas foram vagas e ainda precisam ser confirmadas por intensas conversas que se realizarão nos meses seguintes.

O gesto certamente é histórico e contribui para um caminho de paz mais estável na península da Coreia. Contudo, não pode ser superestimado. Muitos paralelos foram traçadas com o encontro entre Mao Zedong e Richard Nixon, em 1972, celebrando uma aliança pragmática que redefiniu os termos do equilíbrio de poder mundial e alterou os rumos da Guerra Fria. Trata-se de uma comparação evidentemente exagerada.

O que há de histórico no encontro é o reconhecimento pelos EUA de uma derrota. Não conseguiram destruir a Coreia do Norte, a despeito de décadas de inimizade. Por isso, diante de um adversário que se mostrou mais determinado do que talvez fosse esperado pelo governo norte-americano, Washington entregou os pontos sem condições de cumprir as suas ameaças. Mas não é possível falar em um realinhamento de forças à semelhança do que ocorreu na década de 1970.

Trump precisava solucionar o nó da Coreia para ficar com as mãos livres para ações mais ousadas e rentáveis, mas não podia simplesmente colocar panos quentes após meses de ameaças apocalípticas e ofensas pessoais. O encontro com Kim lhe deu a chance de sair com uma declaração nas mãos e o rosto contrito dos que se sacrificam pela paz, afirmando que venceu. É um homem de mídia e sabe que os fogos de artifício muitas vezes são mais valorizados que as realizações. Se isso lhe trará ganhos internos de popularidade ou se, ao menos um pouco, compensará o mal-estar generalizado após a ruptura do acordo nuclear com o Irã, é outra história. Mas já há quem fale até em um Nobel da Paz para o presidente norte-americano.

“Teremos uma excelente relação”, disse Trump. Ficou admirado com o amor de Kim pelo seu país e confirmou que certamente o convidaria para visitar a Casa Branca. Por sua vez (e mais contido), Kim declarou que “o mundo assistirá a uma mudança tremenda” e falou sobre a superação dos velhos preconceitos. Assinaram uma declaração na qual expressam seu desejo mútuo de paz e prosperidade e o compromisso em estabelecer relações em outro patamar. Para isso, Kim concorda com uma futura desnuclearização da península coreana, reafirmando a Declaração de Panmunjom (o que, evidentemente, inclui as armas instaladas na Coréia do Sul).

A síntese do compromisso é essa: completa desnuclearização e proteção norte-americana a Pyongyang, com os Estados Unidos oferecendo garantias de segurança. Gestos foram oferecidos: A Coréia do Norte desativou, antes mesmo do dia 12, o complexo de Punggye-ri, utilizado para testes nucleares, enquanto Washington, por seu lado, anunciou que diminuirá, para logo encerrar, os exercícios militares conjuntos com a Coreia do Sul.

Porém, o que reforça o caráter mais midiático que efetivo do encontro em Sentosa é justamente a ciência de que as promessas dos EUA são feitas para não serem cumpridas. Nem a Coreia do Norte abrirá mão de suas armas de pronto e nem os EUA são capazes de garantir a segurança de quem quer que seja. Kim sabe quem são seus verdadeiros aliados: tanto antes como depois do encontro com Trump reuniu-se com Xi Jinping na China, país essencial para qualquer projeto de desnuclearização da península coreana.

Em 2003, Gaddafi foi persuadido a abrir mão de um modesto programa nuclear que mantinha na Líbia e, anos depois, seu cadáver violentado mostrou os riscos de se confiar nos Estados Unidos. Às vésperas da reunião com Kim, a retirada unilateral do acordo assinado como o Irã (a despeito da opinião da totalidade de todos os outros atores) mostra que a palavra de Washington dura pouco. Trump chamou Kim de gorducho e “homenzinho foguete”, mas nunca o chamou de tolo.

Na mesa da reunião que ocorreu após o encontro privado entre Kim e Trump, estavam sentados dois funcionários norte-americanos que já declararam mais de uma vez seu desejo e afinco pelo colapso da Coreia do Norte. John Bolton, conselheiro de Segurança Nacional, no passado um dos planejadores da invasão do Iraque, defendeu uma ação militar contra a Coréia do Norte. Em fevereiro! Deste ano! De lá para cá, mudou de ideia?

Mike Pompeo, hoje Secretário de Estado, à época em que chefiava a CIA falou abertamente sobre executar o assassinato de Kim. Quando os dois se encontraram, em reunião preparatória para o dia 12, Kim abordou Pompeo e o indagou sobre essa declaração: “vocês tentaram me matar?”. Espirituoso, o secretário de estado respondeu que ainda estavam tentando. Foi esse bom humor que chegou ao hotel Capella, em Singapura.

Justamente por conta da imprevisibilidade de Washington – sem subestimar a importância do encontro – ainda é cedo para saber se as declarações serão acompanhadas por mudanças significativas no sudeste asiático. Há sim um desejo declarado e um empenho político no sentido da paz e da manutenção do equilíbrio, como se percebe nas ações da China e das duas Coreias. Moon Jae-in, presidente sul-coreano, dedicou-se decisivamente para a realização do encontro e o início de conversas para uma futura reunificação do país. Agora, quanto aos Estados Unidos, o prudente é ainda desconfiar.

O risco de uma guerra na península da Coreia vem, principalmente, dos EUA. A Coreia do Norte, goste-se ou não do que acontece por lá, fez o que qualquer estado nas mesmas condições, que pretenda garantir sua segurança, deve fazer. Seu programa nuclear foi mais reativo que ativo. Os testes se iniciaram nos anos 90, respondendo a pressões dos norte-americanos que, confiantes após o fim da URSS, pretendiam fechar o cerco sobre os adversários insubmissos. Quanto mais os EUA endureciam as sanções, mas os norte-coreanos avançavam com seu programa nuclear.

A Coreia do Norte nunca se negou a negociar. Pelo contrário, era Washington que negava uma reunião desse nível temerosa quanto aos efeitos de legitimação internacional que ela traria a Pyongyang.

Portanto, a consolidação da paz naquela região depende principalmente dos gabinetes de Washington, atualmente apinhados de falcões. Por hora, as promessas feitas ao nascer do sol em Sentosa são importantes, mas não passam de compromissos para os quais ainda falta a substância das ações.

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