Protagonismo brasileiro e integração sul-americana
O aumento da projeção internacional do Brasil é uma das grandes novidades do sistema internacional na primeira década do século 21. Ela resulta da conjugação de pelo menos três grandes fatores: (1) a evolução recente deste sistema internacional; (2) questões relativas a condições específicas do Brasil; (3) e, por fim, por questões relacionadas a decisões recentes, políticas e estratégicas, do Estado brasileiro;
Publicado 06/08/2010 00:13
(1) A evolução recente do sistema internacional se caracteriza, pelo que muitos chamam de transição de uma ordem mundial unipolar, para uma ordem tendencialmente e crescentemente multipolar.
Os Estados Unidos, a despeito de permanecerem como a maior potencia global, tanto em termos políticos como econômico, militar e ideológico, observam – eles próprios admitem em variados documentos oficiais vindos a público nos ultimos anos – uma perda relativa de sua hegemonia, alçada na unipolaridade pós-guerra fria. Já não podem tudo, mesmo se utilizando de sua avassaladora força militar – como aliás demonstrou os limites da Doutrina Bush. A atual crise econômica mundial do capitalismo aprofunda essa decadência relativa que sofre a grande superpotência.
Por outro lado, a emergência de novos países e blocos de países, incluindo novas alianças de países em desenvolvimento é uma característica da primeira década do século XXI. São demonstração desses fenomeno, a emergência dos BRICs – sigla que junta quatro enormes países em desenvolvimento, passa a ser expressão dessa tendência à multipolarização; o Fórum IBAS – que reúne Índia, Brasil e África do Sul –; o G20, no âmbito das negociações na OMC e o G20 financeiro, nas negociações sobre a crise; e também o BASIC, grupo que reúne Brasil, África do Sul, Índia e China, nas negociações sobre a questão climática.
Recentemente, a entrada em cena de Brasil, Turquia e Irã, que num acordo trilateral, denominado Declaração de Teerã, insurgiram-se em defesa das normas consagradas internacionalmente de que os países em desenvolvimento possuem inalienavel direito a possuírem tecnologia de produção de energia nuclear para fins pacíficos, foi algo altamente representativo de mundanças em curso nesta transição de ordem internacional.
Enfim, a evolução da situação internacional amplifica as possibilidades de um maior protagonismo brasileiro no mundo;
(2) O aumento da projeção internacional do Brasil também resulta de suas enormes potencialidades. Somos o 5º maior país do mundo em termos geográficos e demográficos, e em breve, se fizermos uma decidida opção desenvolvimentista, poderemos ser também a 5ª economia do mundo;
O povo brasileiro tem uma caracteristica nacional que o diferencia de outros grandes países desenvolvidos ou em desenvolvimento: sua unidade étnica e lingüística – como valorizou, por exemplo, o grande potiguar Câmara Cascudo, analista arguto e profundo das caracteristicas de nossa nacionalidade. Isso nos confere uma imensa potencialidade de unidade nacional em torno de grande objetivos nacionais de corte progressista.
Países com grande potencialidade como o Brasil, possuem condição distinta. A Índia possui dezenove idiomas oficiais e na África do Sul, há onze idiomas. A China, uma das potências do futuro, possui nada menos que 56 nacionalidades. Os Estados Unidos cada vez mais se tornam um país multirracial, assim com a União Européia, mosaico de vinte e três línguas.
(3) Um terceiro fator que define o aumento da projeção brasileira no mundo, são as opções recentes do governo brasileiro. O governo Lula segue e aprofunda o que há de melhor em nossa trajetória diplomática, como a Política Externa Independente (PEI) nos anos 60 e o chamado “pragmatismo responsável” no final dos anos 70.
Fruto destas opções, de mudanças no cenário internacional e de sua condição objetiva de grande país, o Brasil é hoje ator central nas negociações comerciais na OMC, tanto em aspectos industriais como agrícolas; no debate sobre a reforma financeira no âmbito do G20; nas negociações ambientais; nos debates energéticos, nas questões relativas ao desarmamento e no direito ao uso de energia nuclear para fins pacíficos; e nos debates sobre a reforma da governança política mundial, do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Nestes debates – essenciais para o futuro de nosso projeto nacional de desenvolvimento – é essencial ter percepção própria acerca do quadro internacional.
No que diz respeito a América do Sul, é preciso compreender que, para o Brasil, ela não é uma opção, mas um destino, tendo em vista, em primeiro plano, nossa própria geografia. Qualquer projeção ou inserção internacional autonoma, não subordinada do Brasil, deve partir e ter como base a América do Sul.
Entretanto, esta é uma percepção recente da sociedade brasileira: o que deveria ser um grande consenso nacional, todavia está sujeito a controvérsias, sobretudo por parte de um setor mais conservador de nossas elites. Diariamente vemos na grande imprensa a contestação desta opção sul-americana. O fato é que nunca existiu, nas dimensões e na qualidade atual, um conjunto de governos sul-americanos que põem a integração regional no topo das prioridades nacionais.
Mas a busca da integração sul-americana defronta-se com problemas de natureza histórica e com desequilíbrios estruturais extremos. Além disso, a América do Sul se caracteriza por extremos desequilíbrios, seja entre os países, seja, internamente, de riqueza e renda.
O grande desafio brasileiro e sul-americano é aprofundar uma integração de corte desenvolvimentista, que logre superar as profundas assimetrias entre os países da região e gerar riqueza, realizando a imensa potencialidade de um continente assentado sobre inumeras riquezas materiais e imateriais. Este é o grande desafio posto, se quisermos, como nação e como sul-americanos, jogar um papel protagonista e progresssista no mundo que virá por aí.
O artigo acima é versão de notas preparadas para debate com o mesmo nome (“Protagonismo brasileiro e integração sul-americana”) promovido pela Associação Nacional dos Pós-Graduandos na 62º Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SPBC), em Natal-RN, no qual participamos em representação da Fundação Mauricio Grabois.