Quatro anos da queda de Bagdá

Na última segunda-feira, dia 9 de abril, completaram-se exatos quatro anos da queda de Bagdá nas mãos do inimigo e invasor, os Estados Unidos. Já comentamos em colunas passadas, os quatro anos do início da guerra. Cabe-nos agora, comentar essa data especi

Crise e falência do Estado


 


 


Nestes quatro anos de ocupação, já nos detivemos por diversas vezes da crise iraquiana. Apontamos, com base em estudos de vários autores e analistas internacionais, os grandes erros cometidos pelos americanos com a ocupação. Dois deles chamam a atenção. O primeiro é a completa destruição de todo o aparato público e estatal do Estado iraquiano. A destruição foi literal, física. Para que tenhamos uma idéia da dimensão dessa destruição, basta dizer que dos 23 prédios que abrigavam ministérios em Bagdá, pelo menos 17 foram totalmente destruídos. Os que restaram, foram saqueados até em suas fiações elétricas.


 


 


 


Todos os altos servidores públicos, membros da burocracia do Estado iraquiano, na sua maioria ligados ao Partido do poder, o Baath, foram demitidos sumariamente. Nunca é demais lembrar que o Iraque sempre foi um dos estados mais bem estruturados e organizados em todo o Oriente Médio, sendo inclusive o mais laico de todos em meio a países cujos estados chegam a ser estados teológicos e completamente religiosos. As estimativas em termos de perdas de emprego e demissões de altos funcionários de estados variam de 20 mil pelo menos, até a 120 mil pessoas. Um imenso contingente.


 


 


 


O segundo mais grave erro, também foi o da dissolução do exército iraquiano. Parte da alta oficialidade debandou e outra parte, reagrupou-se na clandestinidade e hoje se intitulada Exército da Resistência. Um de seus maiores líderes e generais, atual secretário-geral do Partido Baath, é o comandante Izaat Ibrahim Al Duri. Ao dissolver um exército bem aparelhado, bem treinado, ainda que rendido às forças de ocupação, os americanos perderam a oportunidade de dialogar com parte da nação iraquiana, um estamento social considerável e de grande prestígio entre a população, que era o exército. Depois disso, nunca mais conseguiram montar uma nova estrutura de segurança que se compare ao que era em termos de poder o antigo exército.


 


 


Existem hoje atuando no Iraque duas grandes forças de resistência. De um lado a insurgência, comandada por egressos do antigo regime, militantes de partidos de esquerda, inclusive o comunista, nacionalistas e patriotas. Estima-se que essas forças possam agrupar hoje de 20 mil pelo menos a até 50 mil membros, ainda que sua atuação seja dispersa e sem um centro único de comando.


 


 


De outro lado, tem-se o que se chama de milícias, gente que não tinha necessariamente vínculos com o antigo regime, e que podem ser integradas hoje por cerca de 60 a cem mil membros. Parte desse pessoal atua sob o comando do clérigo xiita Moqtada Al Sadr, que, ainda que tenha interesses e componha com o governo do primeiro Ministro Nouri Al Maliki, também xiita, mostra-se avesso aos americanos e vem empreendendo resistência á ocupação. Parte dessa milícia sob seu comando atua com o nome de Exército Mahdi.


 


 


Perspectivas da ocupação


 


 


Hoje o Iraque é um estado completamente fraco, sem infra-estrutura, quase que sem poder algum. Essas manifestações ocorridas no dia 9 de abril proliferaram por várias cidades, inclusive na própria capital, Bagdá. Os manifestantes, na sua maioria xiitas, que apóiam o atual governo, que vem se mostrando como serviçal dos americanos gritavam palavras de ordem contra a ocupação. As faixas diziam: “Bush é um cão”; “Morte à América”; “Que a América cai”; “Não à ocupação, não à América”, entre outras. Os próprios generais comandantes das forças de ocupação reconhecem a derrota, a sua profunda frustração. Não há plano de guerra capaz de fazer com que os americanos vençam a guerra.


 


 


O descontentamento por parte da população é cada vez maior. Chega a 85% a opinião dos que querem a imediata retirada das forças de ocupação. Os americanos meteram-se em um beco sem saída. E sabem disso. Agora a questão central não é mais vencer a guerra, pois essa hipótese não esta colocada, mas sim sair com o menor prejuízo possível, com menos danos. Não vejo saída política nem militar para essa crise. O governo títere não se sustenta sem as forças invasoras.


 


 


Para termos apenas uma idéia da correlação de forças. Bush mantém estacionados no Iraque um exército de 132 mil homens. Pretende enviar, mesmo à revelia do congresso americano, que já votou contra e propôs a retirada no início de 2008, mais 32 mil soldados, dos quais pelo menos 21 mil para a cidade de Bagdá. Ora, considerando-se a população dessa capital, de seis milhões de habitantes, daria um soldado para cada grupo de 184 habitante. Em qualquer manual básico, de guerra, quando se enfrentam milícias e uma guerra de guerrilha, recomenda-se um soldado pelo menos para cada 20 moradores. Ou seja, a proporção é de nove vezes menor do que o que se recomenda. Não há como vencer essa guerra.


 


 


A Conferência da Liga Árabe em Riad


 


 


Não houve muito destaque em nossa mídia tupiniquim, mas realizou-se com grandes pompas a Conferência da Liga dos Estados Árabes. Uma espécie de OEA árabe. Reúne todos os 22 chefes de estado e de governo dos países árabes, no Oriente Médio e Norte da África. Todos esses países hoje representam uma população estimada, por baixo, da ordem de 350 milhões de pessoas.


 


 


Quem presidiu a referida reunião foi ninguém menos do que o Rei Abdalla da Arábia Saudita. Esse reino tem ampla e antiga ligação com os Estados Unidos. É o único país árabe que tem uma base militar americana e de lá partiram caças para atacar o Iraque na I Guerra do Golfo em 1991. Pode-se dizer que os governantes sauditas são muito pró-ocidnetais e pró-americanos, sua orientação religiosa é sunita, que são majoritários nos países árabes e muçulmanos em geral (xiitas só são mesmo maioria no Irã e no Iraque).


 


 


Para surpresa de todos, na abertura da Conferência, ocorrida nos dias 28 e 29 de março passado, o Rei assim se pronunciou sobre a questão da ocupação do Iraque: “No amado Iraque, o sangue esta sendo derramado entre irmãos, à sombra de uma ocupação estrangeira ilegítima e um aberrante sectarismo”. Rechaçou que potências estrangeiras tracem os destinos dos países árabes. Defendeu com firmeza a unidade dos governos árabes, ainda que nada falasse dos povos.


 


 


 A questão palestina, como sempre na pauta e na ordem do dia, foi tratada. O plano de paz saudita, apresentado desde 2002, ainda que moderado, voltou a ser apoiado. Resume-se basicamente em três pontos: 1. Volta das fronteiras da Palestina de antes da Guerra dos Seis Dias de junho de 1967; 2. Criação do Estado Palestino com Jerusalém Oriental como sua Capital e 3. Solução justa para os milhões de refugiados que tiveram que fugir a partir de 1948.


 


 


Em recente visita á Alemanha, o primeiro Ministro Ehud Olmert declarou-se, de forma surpreendente, a favor de dialogar com a Arábia Saudita. Não disse se apoiaria esse plano de paz, mas sinaliza com isso. Os judeus sionistas resistem em devolver terras ocupadas na Cisjordânia. Acho que só vão negociar com os palestinos se Bush der o sinal verde, o que não ocorre. A sinalização que os árabes emitem é interessante do ponto de vista econômico para Israel. Dizem que se a paz for estabelecida, passam a reconhecer o Estado de Israel e tecnicamente, termina-se um estado belicoso e de guerra, que já perdura há mais de 60 anos. Pessoalmente, sigo sendo pessimista e não creio na paz a curto prazo na região. Vamos conferir.


 


Nota


 


(1) Para os comentários que farei nesta coluna desta semana utilizei como fontes as seguintes matérias jornalísticas: “Morte do Estado impulsiona violência sem fim no Iraque”, de autoria de Toby Dodge, professor de política internacional da Universidade de Londres, publicado pelo jornal Folha de São Paulo do dia 8 de abril de 2007, domingo, página A18; “Resistência faz a sua parte e espera de cada país árabe a sua”, de autoria de Antônio Pimenta, publicado no jornal Hora do Povo do dia 4 de abril de 2007, página 7.

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