Reforma ou revolução?

Há 55 anos, em março de 1958, pouco mais de seis meses após o 20º Congresso do PCUS, de matiz nitidamente reformista, o Comitê Central do Partido Comunista do Brasil, que então usava a tradicional sigla PCB, aprovou nova orientação política. João Amazonas e Maurício Grabois votaram contra. No dia 22 daquele mês, a “Voz Operária”, órgão oficial do Partido, publicou o documento que expunha a nova diretriz. Era a “Declaração sobre a Política do PCB”, mais conhecida como a “Declaração de Março”,

Na declaração estavam registradas as ideias centrais que alimentariam intensa e extensa luta ideológica nas fileiras partidárias nos anos seguintes. Segundo o historiador Augusto Buonicore, na obra “Contribuição à História do Partido Comunista do Brasil”, organizada com José Carlos Ruy, a declaração “consolidou a guinada à direita no Partido Comunista do Brasil”. Segundo Buonicore, “começavam, assim, a ser definidas mais nitidamente duas tendências no interior do Partido: uma reformista e outra revolucionária. Estas duas tendências opostas iriam se enfrentar durante nos debates preparatórios ao 5o Congresso do Partido e depois se separar em duas organizações políticas distintas e em disputa: o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e o Partido Comunista Brasileira (PCB)”. 

Uma “linha oportunista de direita”, escreveria Maurício Grabois num artigo que se tornou emblemático, “Duas concepções, duas orientações políticas”, talvez a mais importante contestação aos novos rumos na linha partidária. Segundo Grabois, a Declaração idealizava a burguesia, julgando-a capaz de defender consequentemente os interesses da Nação e, desse modo, subordinava a ela o proletariado e seus aliados na perspectiva de uma revolução essencialmente nacional, em detrimento de objetivos sociais e democráticos e de uma perspectiva verdadeiramente revolucionária rumo ao socialismo.

Para Grabois, a declaração considerava a democracia como inerente ao capitalismo e, a bordo de uma “tática gradualista, evolucionista”, imaginava a chegada ao poder das forças revolucionárias “através da acumulação de reformas profundas e consequentes na estrutura econômica e nas instituições políticas”. Tais concepções, garantia o histórico dirigente, levavam à “negação da luta revolucionária”.

O V Congresso, em 1960, não obstante a enxurrada de críticas proveniente das bases e das direções intermediárias do partido, que condenavam a inclinação reformista, ratificou a Declaração de Março de 1958. E mais: excluiu do Comitê Central 12 dos seus 25 membros efetivos e vários suplentes, todos críticos da nova orientação. Mas o conflito interno entre reformistas e revolucionários atingiu seu ponto de fervura no ano seguinte.

Na edição de 11 de agosto de 1961 do semanário Novos Rumos, são publicados o programa e os estatutos do partido, agora denominado Partido Comunista Brasileiro, mantendo a sigla história do Partido Comunista do Brasil, PCB. A reação dos revolucionários foi salvar o histórico partido de 1922, herdeiro do marxismo-leninismo, fiel ao proletariado e ao socialismo. A reorganização ocorreria exatos seis meses depois, com a realização da V Conferência Nacional Extraordinária do PCB. A sigla PCdoB surgiria um pouco mais tarde para melhor vincar as diferenças com o partido reformista.

A evocação dessa circunstância na trajetória comunista – não só desta, mas de outras tão emblemáticas quanto – responde à necessidade do permanente, sistemático e irrenunciável fortalecimento da identidade comunista. Identidade sem a qual a coesão interna se corrói e o rumo se desvanece, e para a qual não basta a adesão coletiva a um projeto político em curso (embora isso seja decisivo). Identidade que se alimenta e se robustece com o que a memória é capaz de fornecer, a memória que repassa criticamente o percurso do pensamento e da ação partidários, suas vitórias e derrotas e as lições que oferecem, e ainda o colossal patrimônio simbólico de um partido, como o PCdoB, cuja existência influente na história política do Brasil cobre quase todo o século 20.

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