Rememorando os 40 Anos do Golpe no Chile

Como todas as experiências socialistas do século 20, o caso chileno e o governo de Allende representou parte da infância da luta pelo socialismo na História.

Depois da Revolução Cubana, em 1959, e a orientação socialista na ilha caribenha, a partir do início dos anos 1960, a opção chilena pelo socialismo, com e a eleição de Salvador Allende, em 1970, através da Unidade Popular, que era apoiada por comunistas, socialistas, setores liberais e católicos do Partido Social Democrata e do Partido Radical, além do Movimento de Ação Popular Unificada (MAPU) e da Esquerda Cristã, e tinha um grande apoio de movimentos sociais organizados e de trabalhadores urbanos e camponeses, inicia-se a abertura para o caminho ao socialismo do Chile. A grande novidade histórica do Chile de Allende foi a opção de via pacífica ao socialismo, oriunda de um processo eleitoral, rompendo com paradigmas de setores hegemônicos da esquerda desde o século 19, a estratégia revolucionária do “assalto ao poder” para a construção de um governo de caráter socialista.

Para a América Latina, o Golpe contra Allende consolidou a opção militarista de capitalismo, inaugurada no Brasil, em 1964. Na renovação da divisão internacional do trabalho, aprofundada com a chamada “Guerra Fria”, a América Latina não poderia ter outro exemplo seguidor de Cuba. Por isto, o Golpe contra o Governo João Goulart e suas propostas de Reformas de Base foi um movimento avant garde para evitar o avanço de qualquer proposta que colocasse em xeque o capitalismo na região. As medidas socialistas do governo Allende, na conjuntura dos anos 1970, seria intolerável para os Estados Unidos, bem como do seu Departamento de Estado e da CIA, repetindo o que já haviam feito no Brasil quase dez anos antes, isto é, foram articuladores e protagonistas diretos do Golpe de Estado no Chile.

A conseqüência direta para os brasileiros exilados de sua Ditadura, e que viviam no Chile foram fatais. O período mais intenso do terrorismo de Estado da Ditadura Brasileira se deu no Governo Médici, justamente quando, no mesmo período, se deu o governo de Allende e o Golpe liderado por Pinochet. O Chile de Allende e o apoio explícito do Presidente eram um lugar mais seguro para nossos exilados, tanto que Márcio Moreira Alves, deputado brasileiro pelo MDB e bode expiatório para a criação do AI-5, em 13 de dezembro de 1968, foi um dos primeiros a ir para o Chile, ainda no final daquele ano. No Chile, nossos exilados se organizaram na Associação Chileno-Brasileira de Solidariedade (ACBS), na Unidade de Trabalhos Voluntários, na Frente Brasileira de Informações (FBI) e no Comitê de Denúncia à Repressão no Brasil (CDR). Com o Golpe, os cerca de cinco mil (como na música de Victor Jara) exilados brasileiros passaram a ser duramente perseguidos pela Ditadura Chilena.

As ditaduras brasileira e chilena têm mais similaridades do que diferenças. No método e na repressão, ambas são ditaduras de segurança nacional e exerceram seu poder através do terrorismo de Estado, bem como não foram apenas ditadura militares, mas ditaduras civil-militares e com caráter de classe burguês. O argumento de que no Chile houve mais assassinatos e desaparecimentos não se sustenta quando se trata de comparar os conteúdos das duas ditaduras, versão que também se apresenta em relação à Ditadura da Argentina, iniciada em 1976, o que retira qualquer possibilidade de chamara a Ditadura Brasileira de “Ditabranda”. Quanto às políticas econômicas, o favorecimento ao capital estrangeiro e a concentração de capital nos grandes grupos, tanto locais como internacionais, foi outra característica similar, com um dado histórico relevante: no Chile, governado por Pinochet, ocorreu o primeiro laboratório latino-americano do neoliberalismo.

As grandes lições positivas tiradas para a História da experiência chilena são as políticas sociais e estatais de caráter socialista, apoiadas por uma ampla base social e política. Isto resultou em um processo histórico de nacionalização e estatização da economia, especialmente no nervo econômico central, a indústria de cobre e a riqueza do subsolo, bem como da elevação da renda dos trabalhadores via política públicas e populares, além de uma reforma agrária que feriu o coração do latifúndio chileno, aliado histórico do imperialismo, especialmente o norte-americano. As reformas sociais e econômicas graduais, no interior da democracia e da institucionalidade burguesa, no Chile, visavam destruir os elos econômicos e políticos principais do capitalismo e abrir o caminho para o socialismo, deixando aprendizado histórico para a esquerda mundial.

A negativa foi a subestimação do papel reacionário das classes dominantes. No caso do Chile, elas ainda exerciam poder político e social na correlação de forças. Outro fator foi a crença no caráter legalista das Forças Armadas, tanto que, neste caso, Pinochet era de “confiança” do governo Allende, enquanto também era confiável aos grupos fascistas e de extrema direita que se articulavam na caserna. Estes grupos não foram isolados politicamente e foram os principais organizadores dos lockouts dos caminhoneiros e que levaram ao desabastecimento alimentar e outros boicotes contra o governo da Unidade Popular, como greves, pequenos levantes militares e atentados terroristas. Soma-se a isto a divisão da esquerda, sobretudo com a pressão do Movimiento de Izquierda Revolucionaria (MIR) para a ampliação imediata da radicalização socialista, o que levou a perda do apoio de setores sociais mais reformistas, situação grave, pois Allende já fora eleito sem ter uma maioria de apoio político.

Tudo isto levou a uma dialética entre reforma e revolução, para utilizar uma dialogia de Rosa Luxemburgo, que perdeu espaço na luta de classes do Chile de início dos anos 1970: no lugar do socialismo, enfim, os chilenos tiveram pela frente a barbárie da reação capitalista e burguesa, através de uma Ditadura de Segurança Nacional marcada pelo terrorismo de Estado e que levou a um número de mortos e desaparecidos, durante todo o governo Pinochet, em torno de cinqüenta mil pessoas.

Nestes 40 anos de rememoração do Golpe contra o Chile Socialista, continuaremos de pé e dizendo: Salvador Allende, presente!!! Pablo Neruda, presente!!! Victor Jara, que dizia que “canto que ha sido valiente
siempre será canción nueva”, presente!!!! Chilenas e chilenos que lutaram pelo socialismo e todos que deram suas vidas por esta causa, presentes!!!

"Somos cinco mil aquí
en esta pequeña parte la ciudad.

Somos cinco mil.

¿Cuántos somos en total
en las ciudades y en todo el país?

Sólo aquí,
diez mil manos que siembran
y hacen andar las fábricas.

Cuánta humanidad
con hambre, frío, pánico, dolor,
presión moral, terror y locura.

(…) ¡Qué griten esta ignominia!

Somos diez mil manos
menos que no producen.

¿Cuántos somos en toda la patria?

La sangre del compañero Presidente
golpea más fuerte que bombas y metrallas.

Así golpeará nuestro puño nuevamente.

Canto, qué mal me sabes
cuando tengo que cantar espanto.

Espanto como el que vivo
como el que muero, espanto.

De verme entre tantos y tantos
momentos de infinito
en que el silencio y el grito
son las metas de este canto. (…) "

(Victor Jara em Estadio Chile)

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