Respeitem o bom velhinho

Durante essa semana foi ressuscitada a polêmica sobre a imposição do criacionismo no currículo de ciências nas escolas confessionais (e mesmo em algumas públicas). Uma heresia.

Além de atentar contra a Constituição Federal que garante o caráter laico do Estado, tal medida é um sacrilégio contra a ciência e blasfema contra a teoria da evolução das espécies de Charles Darwin.


 


 


Ciência e religião são imiscíveis. Enquanto aquela duvida e questiona, esta crê e dogmatiza.


 


 


Um notável pesquisador pode ser um devoto seguidor do cristianismo. Mas quando for escrever um artigo científico suas crenças serão postas de lado. Poderá manifestar sua fé na palavra de Deus na igreja, mas no seu laboratório terá que necessariamente comprovar a verdade dos fatos através de critérios metodológicos consistentes e questionar as relações existentes entre causa e efeito de um fenômeno qualquer.


 


 


Porventura há alguma comprovação científica sobre o criacionismo? Quais foram os materiais e métodos? Em qual revista foi publicado? Qual o fator de impacto da bíblia? Houve repetição, casualização ou controle local? Que modelo estatístico foi utilizado?


 


 


Já a teoria da evolução das espécies formulada por Darwin tem rigor científico e é comprovada. Mesmo se Darwin comungasse alguma crença seu estudo foi o inverso da fé e do dogma religiosos. Mendel era monge e é considerado o pai da genética. Essa é a questão, ou seja, escolas confessionais têm todo o direito de ministrar aulas de ensino religioso, mas não podem passar gato por lebre ao impor uma visão teológica como ementa científica.


 


 



Sobre esse assunto a professora de Filosofia e Educação da Universidade de São Paulo, Roseli Fischmann, dá um excelente argumento publicado no Estadão de 14/12. Segundo a professora “levar o criacionismo para as aulas de ciências misturado aos conceitos da teoria evolucionista é uma distorção. Não dá para confundir as lógicas. O campo da ciência não é o da salvação, nem o da iluminação, nem o do ser infalível. Ele tem uma marca: é produzido por seres humanos, num acúmulo de conhecimento histórico, e não de forma dogmática, de uma vez para sempre, fruto da revelação. Somos falíveis e mortais. Ao ensinar ciências, os professores podem inclusive dizer às crianças: ‘Isto é fruto da construção humana, e você pode ser parte dessa construção’. Assim se desenvolve nos alunos a possibilidade de questionar, e uma boa dúvida é a pérola do mundo científico. Se do ponto de vista religioso, existe alguém infalível, isso é para as pessoas que acreditam. Quem acreditar será respeitado por isso, mas não se pode querer que todo o mundo esteja dentro dessa lógica. Ninguém, enfim, ganha misturando as duas frentes porque os cientistas podem pensar que são deuses, e quem fala de Deus pode pensar que é cientista”.


 


 



Também a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) é categórica sobre o assunto. A professora Rute Maria Gonçalves de Andrade, em entrevista à Folha de São Paulo de 13/12, enfatiza que “de forma nenhuma” o criacionismo pode ser ensinado em aulas de ciência. Isso porque “falta tudo” para que essa linha seja considerada ciência. Perguntada se o criacionismo deve ser ensinado nas aulas de ciência nas escolas a diretora da SBPC responde: “De forma nenhuma, pois não é conhecimento científico. Ninguém pode fazer, por exemplo, um experimento para provar a existência de Deus. E fazer experimentos é uma das bases da ciência. Na ciência, não se pode usar como base a crença. Não posso dizer que um animal está em extinção porque eu simplesmente creio nisso. Na ciência, tem de haver método, o que os criacionistas não conseguem fazer”.


 


 


 


O Ministério da Educação também vai ao contra-ataque e em uma postura corajosa toma firme posição no debate. A secretária da Educação Básica do MEC, Maria do Pilar, afirma nessa mesma entrevista à Folha que “o criacionismo pode e deve ser discutido nas aulas de religião, mas nunca nas aulas de ciências”. Mas apesar desse posicionamento, o MEC não pode interferir no conteúdo ministrado pelas escolas, pois elas gozam de autonomia.


 


 


 


Aí é que devem entrar as entidades estudantis. Sobretudo a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) e a Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG) podem e devem prestar grande serviço à sociedade ao promover esse debate. Não se trata, obviamente, de uma campanha contra as convicções religiosas das pessoas, mas de defender a ciência e seus inúmeros benefícios.
 
 


 


 


Nas vésperas do natal, imbuídos da emoção que nos remete o nascimento de Cristo, respeitemos a memória do bom e sábio velhinho de barbas brancas. Ele não é o Papai Noel, mas presenteou a humanidade com uma obra que assim como a bíblia merece ser lida por todos os criacionistas: ''A Origem das Espécies''.


 


 


A propósito, aí está uma boa sugestão de presente de Natal.

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