Retrocesso Cambial

No último dia 26, quarta-feira, o ministro da Fazenda Guido Mantega anunciou um pacote de medidas com vistas a flexibilizar as regras cambiais. A medida que vem recebendo maior destaque refere-se a possibilidade dos exportadores deixarem até 30% de suas r

Para os recursos que não ingressarem no país, não haverá cobrança de CPMF. Anteriormente os exportadores eram obrigados num prazo de até 210 dias a internalizarem suas receitas em dólares. Segundo o diretor de assuntos internacionais do Banco Central, Paulo Vieira da Cunha, a tendência é que futuramente o percentual chegue a 100%, ou seja, acabando de vez com a chamada cobertura cambial. (1) Na prática, a Medida Provisória que regulamenta o pacote cambial assinada pelo presidente Lula no dia 2 de agosto já possibilita que toda receita permaneça fora do país, porém com incidência da CPMF. (2)


 



 As novas medidas seguem a mesma trajetória da política de liberalização dos últimos tempos na área cambial, e a sobrevalorização do real serve como argumento para o aprofundamento dessa política. Sobre esse ponto específico a preocupação faz sentido, o real foi a moeda entre os países emergentes que mais se valorizou perante o dólar nos últimos anos. A maneira como o ministro espera que as medidas mostrem o resultado desejado é de fácil entendimento: ao permitir que os exportadores deixem parte de suas receitas no exterior, e se esses efetivamente deixarem, a oferta de dólares deverá ser menor e, logo, a tendência é que o dólar se valorize.


 



 Mas o ministro esquece o que talvez seja a principal causa da valorização do real: os altos juros praticados no Brasil. Nesse quesito, estranhamente, os juros insistem em permanecer elevadíssimos mesmo com a queda da inflação. A ata da última reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), divulgada no dia 27 de julho, dá a entender, inclusive, que o ritmo de baixa dos últimos meses deverá diminuir, passando de 0,5% para 0,25%. Por conta disso, alguns analistas questionam se as medidas realmente trarão os efeitos desejados na cotação do dólar. De fato, os exportadores estão internalizando rapidamente seus dólares, bem antes do prazo máximo de 210 dias, e a razão é simples: a possibilidade de aplicação nos títulos da dívida pública, muito bem remunerados por conta da política de juros altos. (3)


 



È importante o leitor compreender que a obrigatoriedade da internalização dos dólares até um prazo determinado (a cobertura cambial instituída pelo decreto 23258 de outubro de 1933) cumpre importante papel, mormente em situações de fuga de capitais. Nesse momento, quando há um movimento de acentuada desvalorização cambial, em algum período mais à frente a capacidade de exportar cresce e a de importar decresce, justamente como decorrência da desvalorização. Assim, os saldos positivos na balança comercial aumentam a oferta de dólares, devido à cobertura cambial. Isto contribui para amenizar os efeitos da crise e recuperar algum controle sobre a taxa de câmbio.


 



De qualquer forma, a liberalização cambial deve ser entendida dentro do conjunto de medidas pró-mercado, como muito bem destacou o jornalista Altamiro Borges. (3) São medidas que diminuem a capacidade do governo de decidir de forma autônoma a política cambial. Infelizmente é na área econômica que a resistência contra políticas de caráter desenvolvimentistas encontra suas mais fortes resistências dentro do atual governo.


 


O Real é uma moeda “forte”?



O ministro Guido Mantega afirmou que a mudança nas regras cambiais não é conjuntural, pois o dólar desvalorizado em relação ao real não é algo passageiro, mas uma tendência. De acordo com o ministro, o Brasil alcançou um novo status no mundo, possui fundamentos econômicos sólidos e um superávit em transações correntes consistente. (4)



Infelizmente, o otimismo do ministro deve ser relativizado. Primeiramente porque o bom desempenho das contas externas é mais conseqüência do cenário externo favorável (ampla liquidez internacional e elevado preço das commodities) do que de acertos na gestão da política econômica. Além disso, ainda que seja importante, tal melhora nas contas externas não transformam o real em moeda forte; para que isso ocorresse seria preciso mudanças profundas na atual correlação de força no mundo e medidas na área econômica que acelerasse o desenvolvimento econômico. Sobre esse último ponto, deve-se salientar que é exatamente o caminho oposto que o ministério da Fazenda vem seguindo quando adota políticas previsíveis sempre em sintonia com o mercado financeiro. 



Na realidade, as medidas de liberalização cambial partem do pressuposto que o mercado é potencialmente estabilizador. Porém, isto não ocorre. Contrariamente, a economia capitalista é inerentemente instável e sujeita a turbulências de maior ou menor grau, muitas vezes de difícil previsão. Além do mais, a experiência histórica mostra que essa instabilidade costuma ser muito mais perversa quando atinge os países da periferia capitalista. São países que estão subordinados aos ciclos de expansão e retração da liquidez internacional que, por sua vez, são determinadas por variáveis internas dos países centrais, principalmente dos Estados Unidos.



Do mesmo modo, não é possível garantir que o dólar continuará desvalorizado no futuro. O FED, banco central dos Estados Unidos, tem mostrado grande capacidade de coordenação na sua política em relação ao dólar. Para isso, manipula as taxas de juros valorizando ou desvalorizando o dólar sempre que considera necessário. A política do FED evidentemente vai ao encontro dos interesses estadunidenses e não das necessidades de crescimento dos países periféricos.
Embora, a maior liberalização do câmbio não se coloque como problema candente neste momento, a verdade é que mudanças súbitas no cenário econômico-financeiro mundial podem ocorrer. Enfim, um pouco de cautela baseado nas experiências históricas não faria mal.


 


Notas


 (1) Cf. LUCCHESI, Cristiane Perini (2006). “Regulamentação do pacote cambial deverá sair em um mês, afirma BC”. Valor Econômico, 8 de agosto, c.2
(2) Na operação conhecida no jargão do mercado como “bate e volta”, o dinheiro entre no país e, depois de descontar a CPMF, retorna ao banco no exterior. Cf. SAFATLE, Claudia (2006). “Exportador pode deixar toda receita em dólar no exterior”.  Valor Econômico, 3 de agosto, c.2.
(3) BORGES, Altamiro (2006). “‘Pacote Cambial’ fragiliza o Brasil”. Vermelho, 28 de julho (www.vermelho.org.br).
(4) Cf. LEO, Sergio (2006). “Empurrão insuficiente na cotação do dólar”. Valor Econômico, 31 de julho, a2.
(5) Cf. LEITÃO, Mirian (2006). “Lados do pacote”. O Globo, 27 de julho, p.28.

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