Roteiro da Reeleição de Bolsonaro e o reajuste dos servidores

Se viabilizadas as fontes de custeio, o Poder Executivo teria condições de não apenas reduzir as resistências desses segmentos ao governo, como até conseguir adesão de parte deles para a reeleição presidencial

Fotomontagem feita por Artur Nogueira com as fotos de: Jack Redgate/Pexels; Alan Santos/PR;

Desde o início deste ano, o presidente Jair Bolsonaro já tinha um plano para acalmar setores insatisfeitos com seu governo e, com isto, criar as condições para sua reeleição. Esse plano consistia em atender demandas de seis segmentos, a partir de recursos orçamentários, que seriam viabilizados, de um lado, pela janela aberta no teto de gastos para 2022 e, de outro, custeados com a economia proporcionada pelas PECs Emergencial e da Reforma Administrativa, bem como pelos ganhos dos projetos de lei do imposto de renda, especialmente na tributação dos lucros e dividendos, e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Não se cogitava àquela altura contar com a PEC dos Precatórios.

Os seis segmentos beneficiados seriam: 1) os parlamentares do Centrão, com mais verbas para investimentos em obras; 2) os mais pobres, com a criação do Auxílio-Brasil, cujo valor em 2022 seria no mínimo o dobro do praticado pelo Bolsa-Família; 3) a classe média baixa, com a correção das faixas iniciais da tabela do imposto de renda; 4) os grandes empresários, com a prorrogação da desoneração da folha dos 17 setores; 5) os micro e pequenos empresários, com a exclusão deles da tributação sobre lucros e dividendos; e 6) a revisão geral ou reajuste dos servidores públicos.

Se viabilizadas as fontes de custeio, o Poder Executivo teria condições de não apenas reduzir as resistências desses segmentos ao governo, como até conseguir adesão de parte deles para a reeleição presidencial, como ficou evidente com o apoio popular que o presidente recebeu no período em que pagou o auxílio de R$ 600,00 em 2020. Acontece que as fontes começaram a minguar: o PL do imposto de renda ficou parado no Senado; o PL da CBS sequer saiu da Câmara; e a reforma administrativa dificilmente será votada este ano ou mesmo no próximo. Sobraram a economia com a PEC emergencial (emenda constitucional nº 109), a PEC dos Precatórios, inventada após o fracasso das outras proposições, como alternativa às outras fontes, além de eventuais interpretações judiciais que retirem grandes despesas do teto de gastos.

Com a inviabilização da cobrança dos lucros e dividendos, também caiu um dos seis compromissos, que era a isenção dessa cobrança das micro e pequenas empresas. Restaram cinco prioridades, que o governo buscará atender minimamente. Com a PEC dos Precatórios, que muda a regra de atualização do teto de gastos (de junho a junho para janeiro a dezembro) e instituiu um teto para os precatórios, será possível liberar R$ 90 bilhões no orçamento para gastar com essas prioridades, mas esses recursos são insuficientes para custear todas as demandas. Por isso, o governo insiste em interpretações junto aos tribunais (TCU e STF) para excluir determinadas despesas do teto de gastos, como o caso da prorrogação das desonerações, que já vem de outros exercícios financeiros.

Das cinco prioridades, caso seja aprovada a PEC dos Precatórios, o governo consegue atender pelo menos três: Auxílio-Brasil, correção da tabela do imposto de renda e desoneração da folha. Para atender às outras duas – mais verba para investimento em obras e reajuste dos servidores – o governo necessitaria de outras fontes, do corte de outras despesas ou de uma interpretação que exclua algumas despesas relevantes do teto de gastos. Não será uma tarefa fácil, mas como isto é importante para a reeleição, é capaz de a equipe econômica se empenhar para conseguir esses recursos.

Foto: Isac Nóbrega/PR

Entretanto, se alguém ficar pelo caminho, com certeza não será o pessoal do Centrão, que defende mais recursos para investimentos em obras – leia-se: mais dinheiro para as emendas parlamentares (individuais, de comissões e de relator). Se o governo não conseguir os recursos, o servidor possivelmente será o sacrificado, seja com uma revisão menor que a inflação do ano anterior, seja simplesmente não ter reajuste nenhum. Lembremos que o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2022 autoriza o reajuste, embora o projeto de Lei Orçamentária para 2022 não preveja o reajuste, assim como também não previa o aumento no Bolsa-Família (novo Auxílio-Brasil), a correção da tabela do imposto de renda nem a desoneração da folha, já que o atendimento dessas demandas dependia da aprovação daquelas proposições que ampliavam a margem de gastos do governo. Até o início da votação do Projeto de Lei Orçamentário, o governo terá que encaminhar um complemento prevendo o que deseja modificar, inclusive que setores ou segmentos serão atendidos com os recursos que serão liberados pela PEC dos Precatórios.

Três registros são importantes nesse contexto de reeleição e servidores públicos.

O primeiro é que para viabilizar a reeleição, os governos costumam esquecer até seus preconceitos para com determinados setores ou segmentos da sociedade, como é o caso do atual governo com os servidores públicos e com os beneficiários do Bolsa-Família.

O segundo é que se não for possível agora o reajuste dos servidores, quando existe a janela no teto de gastos, dificilmente o será em 2023, seja porque o novo governo precisa arrumar a casa, seja porque o gatilho previsto na Emenda Constitucional (EC) 109 poderá ser disparado. Nessa EC está previsto que sempre que a relação entre a despesa primária obrigatória e a despesa primária geral chegar a 95%, automaticamente ficam suspensas todas as ampliações de despesa permanente. Como atualmente já está em 93%, em 2023 poderá ter chegado ao limite, impedindo qualquer aumento de despesa permanente, mesmo a título de reajuste ou reposição de qualquer ordem ou natureza.

E o terceiro é que a reforma da previdência (EC 103) autorizou (e poderá ser implementada a qualquer momento) a redução do limite de isenção da contribuição dos aposentados e pensionistas do serviço público para o Regime Próprio de um teto do INSS (R$ 6.433,57) para um salário mínimo (R$ 1.100,00), passando a contribuir com no mínimo 14% sobre essa diferença (R$ 5.333,57), além da possiblidade de instituição de contribuição extraordinária, a ser cobrada de ativos, aposentados e pensionistas, caso a economia resultante da redução do limite de isenção não seja suficiente para equilibrar financeira e atuarialmente o fundo do regime próprio.

O eventual atendimento a esses segmentos, mesmo que merecido – e os servidores estão sem reajuste desde 2019 – é importante dizer, só ocorrerá (se ocorrer) em função da proximidade do período eleitoral. Em outras circunstâncias, fora de período eleitoral, com certeza, a equipe econômica sequer cogitaria a hipótese de ampliação de gastos, muito menos de reajuste dos salários dos servidores públicos. Vamos aguardar.

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