São deuses os magistrados?

Resta aplicar um tratamento emergencial radical. O Judiciário precisa de uma reciclagem no campo dos direitos humanos das mulheres

Há dois meses o vulcão patriarcal incrustado no seio do Judiciário brasileiro começa a dar sinais de erupção e a lava atinge os alicerces de uma nova cultura a ser consolidada: a violência contra a mulher é crime passível de punição.


 


O Judiciário patina no mangue conservador do patriarcalismo, do não reconhecimento que a milenar opressão de gênero é impeditiva da cidadania a que as mulheres têm direito e, por vezes, estribado nos ecos do poder patriarcal, desrespeita até a Constituição: o dever do Estado de coibir a violência intrafamiliar.


 


Desde a Constituição de 1988, o Ministério Público mudou de papel, é guardião da cidadania. Em suas novas funções, tem se fortalecido exponencialmente perante a sociedade, mas vive uma peleja ideológica cotidiana com o Judiciário e suas dificuldades na seara dos direitos humanos. São ilustrativos de que há eletricidade no ar , dois fatos recentes protagonizados por magistrados que se insurgiram contra a Lei Maria da Penha (lei nº 11.340/06), alegando suposta inconstitucionalidade!


 


O primeiro colocou em cena um juiz e três desembargadores do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, que acreditam (é sério! Cadê meus sais?!) que a lei ''viola o direito fundamental à igualdade entre homens e mulheres''.


 


O segundo envolve o juiz de Sete Lagoas, Edilson Rumbelsperger Rodrigues, que argumentou, do alto de cristalina moralidade machista, que, sendo o mundo masculino ''deve continuar sendo masculino ou de prevalência masculina'', a Lei Maria da Penha é inconstitucional. Foi dito, mas ele nega, que ele se dá ao tacanho e cruel luxo troglodita de rejeitar solicitações de punição contra violentadores de mulheres, numa apologia incomensurável ao femicídio que, como sabemos, é o fim natural da violência doméstica!


 


Arrumou um quiprocó para além da Minas subterrânea, da ''palavra abissal'' – ''Minas é dentro e fundo'', no dizer de Drummond, que ele gosta, assim como eu, que amo o erotismo explícito da poesia de Drummond. Divulgou uma nota, daquelas ''a emenda é pior do que o soneto'', elucidativa de que posturas e sentenças emitidas por juízes contemplam a moralidade de cada um. Não espero outra coisa de operadores da Justiça, dotados de autonomia (o que é louvável) e princípios pessoais orientadores de suas vidas (em geral de extração patriarcal), concordemos ou não com eles! Mas, o que fazer?


 


Indagado sobre o que pretendia fazer se o Conselho Nacional de Justiça abrir um processo disciplinar contra ele, respondeu: ''No fundo, estou defendendo a mulher. Vocês, mulheres, são usadas em discurso de campanha e num feminismo que não faz vocês felizes''. Sobrou pra Lula! Só nos resta clamar, mineiramente: ''Sangue de Jesus tem poder!''


 


Acrescentou que ''é um direito do CNJ abrir o processo. Mas, para ser sincero, não me parece justo, porque foi o posicionamento de um magistrado. Certo ou errado, foi o posicionamento do magistrado. A gente vai acatar com toda a reverência a decisão do CNJ, mas não concordo com o processo, acho que não há necessidade, que não é por aí, não sou nenhuma pessoa maldosa, fui fiel à minha consciência. E, com a nota de esclarecimento, não me parece justa uma punição. Durante 17 anos de magistratura e 52 de vida, nunca violei meus princípios. Se sua convicção é assim ou assado e você está seguro da sua posição, então você não tem que se acovardar diante de si mesmo''. Leram os ''meus princípios''?


 


''Certo ou errado, foi o posicionamento do magistrado.'' É assim mesmo. E se sabemos que é assim, resta aplicar um tratamento emergencial radical. O Judiciário precisa de uma reciclagem no campo dos direitos humanos das mulheres. Para que juízes machistas tenham atitudes que correspondam aos novos direitos legais é necessário criar as condições e os instrumentos que consideramos capazes de vincar uma nova cultura no Judiciário. Por fim: saudações a quem tem coragem! Agradeço ao juiz Rodrigues ter ousado dizer ao Estado brasileiro o que falta fazer: urge reeducar juízes como ele.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor