''São os poetas que protegem o povo com a força das palavras''
Em defesa de Ernesto Cardenal, perseguido na Nicarágua.
Publicado 01/10/2008 18:48
O título inspira-se numa frase de Ernesto Cardenal, 83, poeta e sacerdote nicaragüense, um dos mais importantes poetas vivos da América Latina – Prêmio Rubén Darío, o maior das letras nicaragüenses, 1965 – e um dos pioneiros da Teologia da Libertação. Condenado por ''injúria'' (22.8.2008), teve como pena pagar uma multa de 20 mil córdobas (US$ 1.025) ao empresário alemão Inmanuel Zerger, envolvido em um litígio de terras no Grande Lago da Nicarágua, onde reside o poeta, na comunidade de Solentiname, fundada por ele.
Ernesto Cardenal não acatou a sentença, por considerá-la injusta, ilegal e imoral. Na ocasião, ele relembrou que o advogado de Zerger ''é Ramón Rojas, o mesmo que defendeu Ortega quando este foi acusado pelo delito de violação de sua filha, Zoilamérica Narváez'' – tema central de vários artigos meus, dos quais destaco: Lamento pela Nicarágua: ''el violador'' volta ao poder e Perseguidas em nome do Deus de Daniel Ortega
Para o poeta, a sentença, aplicada pelo juiz David Rojas, declaradamente alinhado ao governo nicaraguense, é uma ''vingança'', parte da perseguição sem tréguas que o presidente Daniel Ortega move contra ele, que apoiou a Frente Sandinista de Libertação Nacional; foi preso e exilado na ditadura de Anastácio Somoza; e foi ministro da Cultura da Nicarágua no primeiro governo Ortega (1979-1990), motivo de vários atritos com o Vaticano. Em 1985, o papa João Paulo II, em Manágua, o intimou em público a regularizar sua situação perante o Vaticano. Todavia Cardenal não se curvou às idéias do Vaticano, que, ainda em 1985, o suspendeu ''ad divinis''.
Cardenal não é ex-sandinista, é ex-apoiador de Ortega desde 25.10.1994, ''quando acusou o partido de manipulação por excluir, nas suas eleições internas, os militantes que apoiavam os ''sergistas'', como ficaram conhecidos os militantes do Movimento de Renovação Sandinista, do ex-vice-presidente Sergio Ramírez''. Os ideais de Sandino não são propriedade privada e nem monopólio de um partido político, como disse o poeta à revista ''Agencia Carta Maior'' em 2007: ''Ortega é falsamente de esquerda. Tem traído a esquerda, tem traído os princípios da Revolução, tem traído o sandinismo, tem traído o Sandino e o povo da Nicarágua. Há um sandinismo verdadeiro, que está contra o sandinismo oficial, imposto pelo partido de Daniel Ortega, que ganhou a eleição. Eu pertenço ao outro sandinismo, aquele que mantém os princípios e os ideais da Revolução''.
A poesia mais conhecida de Ernesto Cardenal é ''Oração por Marilyn Monroe'' (1965), mas tenho afinidade maior com ''Poema'':
''Tu e eu, ao perdermos
um ao outro,
ambos perdemos.
Eu, porque tu eras o que
eu mais amava,
tu, porque eu era quem
te amava mais.
Mas, entre nós dois,
tu perdes mais do que eu.
Porque eu poderei amar
a outras
como amei a ti.
Mas a ti nunca ninguém
jamais amará
como eu te amei.''
Eis duas das inúmeras mensagens de apoio por ele recebidas: ''O poeta Ernesto Cardenal, um dos mais extraordinários homens que o Sol aquece, foi vítima da má consciência de um Daniel Ortega indigno do seu próprio passado, incapaz agora de reconhecer a grandeza de alguém a quem até um papa, em vão, tentou humilhar'' (José Saramago); e ''Por fim posso exprimir o meu repúdio por este ato contra Ernesto Cardenal da parte de pessoas que de sandinistas já não têm nada e não chegam sequer ao calcanhar do grande poeta, do grande humanista, do grande religioso (Juan Gelman, poeta argentino). Ernesto Cardenal é um poeta muito amado por cantar a vida do povo em versos.