São Paulo e a Vadiagem

São Paulo sempre surpreende. O estado que gestou a Semana de arte Moderna e sedia o MASP é governado pelo PSDB. O estado mais rico do país é capaz de cimentar seus viadutos para que os moradores de rua não se abriguem neles. Pois agora, uma das cidades do estado mais arrojado em ciência e tecnologia, Assis, recupera uma draconiana lei do tempo do Império para se desobrigar da assistência de seus cidadãos, e retoma a punição pelo crime de vadiagem.

A aplicação da lei de tolerância zero, por enquanto, está sendo fichado e tem um mês para procurar emprego. Após este período poderá ser preso por até três meses na cadeia pública. Isto em 2009, em plena crise mundial, no estado de São Paulo, num sistema que sabidamente não tem emprego para todos os seus cidadãos.

A tipificação de vadiagem como crime data do Código Penal de 1890, e tinha endereço certo: após a abolição da escravatura, grupos de negros vagavam pelas cidades em busca de trabalho, alimentos ou esmolas. Com o início da imigração, o trabalho escravo não mais era necessário. Os negros saíram da senzala para a favela, organizando-se em comunidades afastadas. Capoeira passou a ser crime, apesar do Imperador D. Pedro II ter tido como guarda pessoal capoeiristas, a Guarda Negra.

O artigo 295 do Código Criminal do Império descrevia o crime de vadiagem como aquele cometido nas hipóteses em que "não tomar qualquer pessoa uma ocupação honesta e útil de que possa subsistir, depois de advertida pelo juiz de paz, não tendo renda suficiente". O que caía como luva para a imensa massa de negros e brancos pobres, incômodos sociais, que à época viam como alternativa abrigarem-se nos morros, nas periferias, nos locais mais distantes.

Quando a industrialização começa a utilizar a força de trabalho brasileira, novamente as vagas oferecidas não ocupam todos os braços disponíveis. Nem em nenhum outro momento de nossa história houve algum período em que pudéssemos falar de pleno emprego. Afinal de contas, pleno emprego não faz parte do capitalismo. Para o capitalismo é necessário que exista sempre uma variável massa de mão-de-obra de reserva, suficiente para garantir que os salários sejam mantidos dentro do que os empregadores considerem bons.

O julgamento moral a que são submetidos homens e mulheres vítimas do desemprego não leva em consideração aspectos perversos do capitalismo. Como o enxugamento dos postos de trabalho provocado pela mecanização, a precarização das condições de trabalho, o alto grau de exigências na oferta de vagas, tanto em especialização quanto em aspectos como idade, etnia, sexo.

O velho ranço ocidental-cristão que vê o trabalho como resgate dos erros cometidos no paraíso e o não-trabalho como pecado só faz aumentar os problemas do trabalhador desempregado. Soluções como a proposição de qualificação dos desempregados, ou a redução da jornada de trabalho, que resultaria na imediata criação de novas vagas não são sequer mencionadas.

O índice de desemprego na região metropolitana de São Paulo foi calculado em 14,2% junho, pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Esta é também a média do estado de São Paulo, incluindo a cidade de Assis. Levando-se em consideração os cerca de 100 mil habitantes, a economia da cidade baseada na agropecuária e no parque industrial, podemos calcular que a cidade possua cerca de 10 mil desempregados. Como o prefeito de Assis declarou em recente entrevista que cerca de 200 vagas estão sendo criadas mensalmente, a estratégia de punir os desempregados não parece a mais adequada.

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