Segunda viagem à China (2)

Após Pequim, nossa próxima parada estava reservada para a Zona Econômica Especial de Shenzen (delta do rio das Pérolas), localizada na província de Guangdong e cidade fronteiriça com Hong-Kong. Shenzen foi a primeira experiência de ZEE na China (1982)

Com uma área de 1952 km2, conta atualmente com 8,5 milhões de habitantes, porém, antes de 1982 era somente uma vila de pescadores com 300 mil habitantes. Atualmente Shenzen – em continua construção (em 2006 foram investidos cerca de US$ 15 bilhões em infra-estruturas na cidade) – é o terceiro maior mercado financeiro da China com 16 mercados de valores e o quarto maior porto do país com capacidade de 1.750.000 containeres. Abaixo seguem maiores informações extraídas durante o encontro com membros da Comissão de Assuntos Econômicos da Assembléia Popular de Shenzen.


 


Shenzen ou “Cidade de Deng Xiaoping”


 
Se a cidade-epicentro da Revolução Russa levou o nome de Lênin, se a cidade-símbolo da resistência vietnamita foi rebatizada com o nome do grande líder revolucionário, Ho Chi Minh, não seria nenhum exagero batizar Shenzen como a “Cidade de Deng Xiaoping”. Expressão disto é o fato de ser Shenzen, até o ano de 1982  – repetindo – uma vila de apenas 300.000 habitantes, que, a partir de então, se transformou numa das grandes metrópoles asiáticas, onde se encontra um terço das companhias estrangeiras na China e onde se concentra 9% da atividade econômica do país. Seu PIB atualmente é de US$ 80 bilhões, com crescimento médio nos últimos 25 anos de impressionantes 28% ao ano.



A atividade industrial de Shenzen está distribuída em quatro setores principais: a indústria de alta e nova tecnologia, a indústria cultural, a logística e o sistema financeiro. 58% da atividade econômica está voltada para setores de alta e nova tecnologia e 50% de suas exportações originam-se deste setor industrial. Por seu aeroporto, construído em 1993, passaram em 2006 cerca de 180 milhões de pessoas, ou seja, o dobro de pessoas que andaram de avião no Brasil no ano passado.



Shenzen, com pouco mais de oito milhões de habitantes, conseguiu, somente no ano passado, praticamente igualar o volume de comércio exterior de um país com as dimensões do Brasil: em 2006 o valor arrecadado de exportações foi de US$ 127 bilhões e suas importações alcançaram a cifra de US$ 96 bilhões. 100% das crianças estão na escola. A cidade conta com quatro universidades, expressão do fato da idade média de sua população ser de apenas 30 anos. Percebe-se, conversando com as pessoas, que Shenzen é um local onde a natureza empreendedora do camponês médio chinês faz-se sentir de forma mais intensa. Poderia se chamar “Cidade de Deng Xiaoping”, não somente pelos números apresentados, mas principalmente pela cidade abrigar extratos da classe social em que Deng Xiaoping apostou suas fichas para o processo de modernização, que sua nação necessitava. Refiro-me aos camponeses médios.



Por fim, aproveitando o ensejo de estar relatando a experiência de uma Zona Econômica Especial, acredito ser importante e pertinente aprofundar a análise de uma certa relação. Refiro-me a relação entre a estratégia chinesa, a receita do sucesso chinês e a instalação das ZEE`s.


 


Zonas Econômicas Especiais



Diariamente somos levados a acreditar que o sucesso da China se deve, única e exclusivamente, a dois fatores: a uma estratégia acertada de exportações e ao investimento estrangeiro. Nada mais leviano, pois questões mais de fundo têm maior poder de explicação:



1) a instalação de plataformas de exportações demandam investimentos maciços em infra-estruturas e em novas instalações industriais, portanto um mercado interno surge como síntese deste processo;



2) as Zonas Econômicas Especiais chinesas podem ser compreendidas como parte de um todo, ou seja, meio de acumulação de capital para posterior financiamento de um projeto de modernização industrial e “esponja” de tecnologia avançada. Por sua vez, sem tecnologia avançada, falar em socialismo não passa de homilia em culto religioso;



3) o acúmulo de moeda estrangeira é estratégico para uma política interna expansiva, ou seja, a disposição de juros atraentes a créditos ao consumidor (desmentindo assim o mito da existência de “trabalho escravo”, até porque qualquer trabalhador urbano chinês hoje tem em sua residência TV, DVD, geladeira e pode passar, pelo menos cinco dias do ano, com sua família em sua cidade natal no interior);



4) a política de implantação das ZEE´s implica em dois movimentos simultâneos e de longo alcance, são eles: a) criação de condições objetivas à incorporação de Hong-Kong, Macau e Taiwan a partir do surgimento de uma área de convergência econômica, não somente com os ditos territórios, mas com todo complexo financeiro do sudeste asiático – da qual os chineses ultramarinos são sócios majoritários – que por sua vez serve de base a um discurso que contempla o principal objetivo imediato do Estado chinês (aliás, um dos objetivos do poder instalado em 1949) , a já citada “reunificação nacional” e b) nas trilhas do veterano revolucionário Deng Xiaoping, para quem “é necessário num primeiro momento o enriquecimento de algumas regiões para o posterior enriquecimento comum de todo o país”, a estratégia de utilização do litoral chinês como plataformas de exportações, além de se basear na história e na geografia, serviu de base para acúmulo de capital e tecnologia que estão possibilitando, desde a primavera de 1999 – com o lançamento do “Programa de Desenvolvimento do  Oeste” – a maior integração territorial em curso no mundo contemporâneo;



5) e por último, a relação entre PIB x investimentos na China tem girado em torno de 45% ao ano. Um número de grande porte se compararmos com o Brasil que patina na casa dos 19%. Pois bem 45% do PIB chinês corresponde a algo em torno de US$ 800 bilhões. Os Investimentos Estrangeiros Diretos (IED`s) na China em 2006 foram de US$ 63 bilhões (recorde mundial). Ora, se os IED`s na China em relação ao montante investido não chegam a 10% como pode se perpetuar a tal “da mentira que contada mil vezes se transforma em verdade”, que considera o capital estrangeiro como um dos principais componentes da receita de sucesso da China? Vale mencionar que 60% destes investimentos são feitos por chineses ultramarinos.


 

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