Torturas Medievais

Após debates polêmicos no Congresso dos Estados Unidos, este aprovou em tempo recorde, no último dia 27 de setembro, uma Lei enviada por George Walker Bush, denominada de “Lei Militar de Autorizações de 2006”. Trata-se, resumidamente, de novas “formas e p

Sob o pretexto de que tal Lei “salvaria vidas americanas” (sic), Bush 2 recua no tempo e volta à Idade Média, no auge das inquisições, quando presos acusados de feitiçaria e bruxaria eram brutalmente torturados para confessarem o que seus inquisidores quisessem que confessassem.


 


A aprovação da Lei se deu com uma ajuda de deputados e senadores ditos “democratas” (do Partido Democrata). Na Câmara, a nova Lei foi aprovada por 253 votos (incluindo 34 democratas) contra 168 votos (ai incluído sete republicados). No Senado, a proposta foi aprovada por 65 votos a favor (incluído 12 democratas) contra 34 votos (incluído apenas um republicano). Alguns senadores, de forma aberta e escancarada, admitiram que estavam recuando no tempo, como que se voltassem mesmo à Idade Média. Um deles chegou a insinuar que retroceder em 800 anos no tempo seria demais, numa alusão a 1215, quando da edição da Carta Magna inglesa.


 


 
Num estilo até mesmo militante, o comitê nacional dos Republicanos, que saudou efusivamente a aprovação da Lei, chegou a fazer um cartaz e a divulgar amplamente a lista de todos os deputados e senadores democratas e mesmo os seus republicanos que votaram contra a aprovação da nova Lei, dizendo que estes “deixariam livres os terroristas”, em uma tentativa de justifica o injustificável. Com essa nova Lei, o governo americano vai acelerar o julgamento de pelo menos 70 prisioneiros acusados de serem “terroristas”, entre 435 presos que se encontram em Guantânamo.


 


A Lei e sua repercussão


 


Em 6 de setembro – portanto 21 dias antes do Congresso aprovar a nova Lei – o exército estadunidense havia divulgado, ainda que com dez páginas consideradas secretas, seu novo Manual de Campo que trata, entre outras coisas, de como interrogar prisioneiros de guerra sob custódia americana. É explicitado que a tortura é proibida e que devem ser respeitadas todas as orientações das Convenções de Genebra (instrumentos legais, acordos internacionais que normatizam o tratamento de presos de guerra e assinados por praticamente todas as 192 nações que compõem o sistema das Nações Unidas). Apesar disso, o Congresso americano acabou mesmo acatando as determinações do presidente dos Estados Unidos e passou o “rolo compressor”, como se diz em linguagem popular. Um verdadeiro retrocesso, pois estão muito vivas na memória da maioria das pessoas, as imagens das torturas físicas sofridas por iraquianos na prisão de Abu Ghraib.


 


 
A Lei não autoriza a tortura expressamente. Até a define como sendo “ato com a intenção específica de infligir dor ou sofrimento severos”. No entanto, a Lei praticamente a regulamenta. Ela acaba por negar às Convenções de Genebra como sendo uma fonte de direito para ser usada por tribunais americanos e ainda confere ao presidente o imenso poder de interpretar o que vem a ser ou não um ato de tortura (1). Bush Júnior há tempos já havia dito que não considera simulações de afogamento (quando presos têm suas cabeças mergulhadas de forma forçadas até quase à morte por afogamento).


 


Técnicas até “mais brandas” que essas, são usualmente aceitas e praticadas nas prisões sob controle americano como as do Iraque e a famigerada Guantânamo, em Cuba. São elas: ameaças de morte ao prisioneiro e à sua família; estapeá-lo; privá-lo de sono; obrigá-lo a ficar em pé por até 40 horas seguidas e, por fim, submetê-lo a toda e qualquer privação sensorial, bem como a degradante hipotermia (onde o prisioneiro fica nu em celas aonde a temperatura chega a 10 graus; lembro-me de ter passado por isso na minha última prisão em 1981 na sede da PF em Brasília).


 


É o “modo Bush de governar”. E depois não querem que os povos de todo o mundo não aumentem o seu ódio pelos Estados Unidos. Qualquer “combatente inimigo” poderá ficar preso o tempo que os EUA acharem conveniente, sem que seja comunicado a juiz nenhum e estes presos não podem questionar de forma alguma qualquer decisão tomada contra eles, contra a sua integridade física e mental. A tortura foi institucionalizada nos Estados e em todas as prisões do mundo que eles administram.


 


 
A prática de tortura vem sendo institucionalizada desde a posse de Bush filho em 2000. O caso que ficou mais famoso é o do iraquiano chamado Ibn Al Shaykh Al Libbi, que, após muitas sessões de tortura, acabou “confessando” o que seus torturadores queriam ouvir: que Saddam Hussein tinha sim contatos e acordos com o grupo terrorista Al Qaeda, do Afeganistão. Tal “confissão” foi uma das coisas e fatos que deram suporte e justificaram o ataque e a invasão do Iraque a partir de março de 2003. outro caso relatado em 2005, foi o de Khalid Sheik Mohamed, acusado de ser um dos que planejou os ataques às torres gêmeas em setembro de 2001. em um centro de tortura situado na Europa, da CIA, Khalid foi pendurado de cabeça para baixo, com a boca coberta por celofane e lhe despejaram água pelo nariz, para que este revelasse uma lista de pessoas supostamente envolvidas no atentado. O que chamou a atenção dos seus torturadores, fato que o prisioneiro acabou recebendo a admiração dos militares americanos, foi que ele resistiu a esse tipo de tortura por dois minutos e meio, quando o “normal” seria no máximo 14 segundos. É ou não a volta da Idade Média, quando os presos diziam que tinham mesmo contatos com o diabo? E as mulheres que confessavam até relações sexuais com os incubos e sucubos? Aos que duvidam dessas práticas, recomendo a leitura do livro “Martelo das Feiticeiras”, uma espécie de manual da “Santa” Inquisição.


 


 
A nova Lei foi sancionada, com pompas e circunstâncias pelo presidente americano no último dia 17 de outubro. Bush não esperou sequer a um mês a que tinha direito. Fez festa na promulgação, num momento que o Partido Republicano esta com a popularidade em baixa, por recentes escândalos divulgados pela mídia envolvendo congressistas. A nova legislação foi duramente criticada por diversos setores da sociedade americana. Até um manifesto de 28 oficiais generais da reserva foi lançado dizendo que a nova Lei é uma afronta aos códigos militares americanos e à própria saúde. Também a organização Médicos pelos Direitos Humanos, co-ganhadora do prêmio Nobel da Paz de 1997, atacou a lei, assim como a União para as Liberdades Civis Americanas também protestou.


 


Entre os árabes, a repercussão foi também imediata, pois estes sabem que ela se voltará contra cidadãos árabes que se encontram presos nas mãos da maior potência militar do planeta. Qualquer combatente, da resistência do Iraque, membros do Hezbolláh libanês, do Hamas palestino, de talebãs no Afeganistão, poderão ser torturados com aval direto do presidente americano. Basta que essas pessoas venham a ser qualificadas como “combatente inimigo”.


 


De nosso ponto de vista, para exemplificar o que vimos dito há tempos: vivemos um ciclo conservador de longa duração. A correlação de forças nos é adversa. Seguem fortes e poderosos os defensores do neoliberalismo. O que lutam por um outro mundo, melhor, mais justo, democrático e humano, vivem um situação de defensiva estratégica. Mas, não existem noites eternas.


 


Nota


(1) Ver excelente matéria do combativo jornalista Antônio Luiz M. C. Costa, publicada na Revista Carta Capital, de 11 de outubro de 2006, sob o título “A Idade Média Voltou”, nas páginas 38-39.

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