“Um Amor Jovem”: Amores apressados

Em seu segundo filme como diretor, o ator americano Ethan Hawk (“Antes do Amanhecer”) discute o amor na época da globalização, em que a carreira e os interesses individuais se sobrepõem  ao convívio a dois.

O amor como aprendizado de vida, numa época conturbada, tende a ser cruel. Os caminhos se bifurcam e as opções que surgem; embora variadas, não os reforçam. Pelo contrário, levam o casal a se aferrar às suas idéias e projetos pessoais, deixando de lado a paixão e, sobretudo, o amor. E, quando são muito jovens, como em “Um Amor Jovem”, segundo filme do ator americano Ethan Hawke (estreou com “Chelsea Walls”, em 2001), a urgência de viver tudo a um só tempo, leva-os a não enxergar as necessidades um do outro e acabar num beco sem saída. Sem considerar que, cada um a seu modo, está construindo sua experiência, entre erros e acertos e não teve tempo para definir, com clareza, para onde levar a vida a dois. Com a agravante de que ambos são frutos de relações fracassadas, o que os torna por demais cautelosos, no início, e por fim, ele, William Harding (Mark Webber), se enreda numa compulsiva atração por Sarah (Catalina Sandino Moreno), que agora o vê como um estorvo para seus planos.


 


 


As barreiras que surgem entre eles não advêm de um adversário (a), de   alguém que se interpõe entre eles para bloquear a relação. A competição é de outra natureza: antes de se envolver numa relação mais séria, Sarah quer levar adiante sua carreira de cantora. Este é seu único objetivo. Muito a gosto da modernidade, em que casamento ou convívio a dois, está submetido à carreira, ao desfrute da vida, antes de se configurar na construção de uma família. Não que Sarah seja fria, alheia aos sentimentos de William, ela só não quer levar adiante uma relação que a impede de seguir com seus planos. E para ela, latina, cuja mãe Sra. Garcia (Sonia Braga) não aprova a relação com William; as oportunidades precisam ser aproveitadas no momento que se lhes apresentam. William, no entanto, não vê as coisas assim: para ele basta estar apaixonado. Tudo será resolvido a partir daí. Duas visões opostas de um mesmo problema, com a agravante de que Sarah mostra-se mais condizente com o momento do que ele.


 


Apego doentio à amada, desnorteia William


 


O amor então é relegado por ela a segundo plano, sempre com  justificativa de que não é hora. Esquiva, tendente ao descompromisso, às vezes Sarah se deixa levar, quase sucumbindo ao assédio dele. De repente, sem muitas explicações, retoma suas certezas; desnorteando-o a ponto de ele não saber mais o que ela quer. A insegurança dele se apossa, leva-o à fúria, pois nenhum fio Sarah lhe deixa para se agarrar. É como se ele caminhasse por um pântano, afundando a cada passo. Nem a mãe Jesse (Laura Linley) o salva, pelo contrário, irrita-o com suas lembranças do marido Vince (Ethan Hawke), que a abandonou quando ele tinha oito anos, e dos comentários sobre seu novo namorado. Ele se sente deslocado, então sai à procura de Sarah, que pode ter sumido ou não o quer ver mais, e mais uma vez fracassa. Nesse círculo incessante sua paixão chega ao absurdo. Não sabe mais divisar o limite entre a privacidade dela e a sua. Insiste, há todo momento, de procurá-la, mesmo durante a madrugada.


 


 “Um Amor Jovem”, baseado em livro do próprio Ethan Hawke, é, assim, um conto de amor contemporâneo, com o frescor que uma obra desse gênero exige. A compulsão de William por seu objeto de desejo é mostrada em flashback, durante uma viagem de trem. A ação gira em torno de momentos vividos por ele com Sarah, o que permite a Hawke usar projeções através de diálogos que ilustram o que vem a seguir. E volta ao ponto de partida, indicando que aquilo ainda não aconteceu. Cria, desta forma, uma expectativa sobre a cena seguinte, que justifica a maneira como o personagem reage a situações aparentemente surreais. Funciona como fluxo de consciência, forma de William expurgar o que lhe dói interiormente. Sente-se deslocado numa época em que sentimentos valem pouco, porque ser alguém é mais importante que deixar a paixão fluir, embora ele, ator iniciante, também busque encontrar seu lugar.


 


Filme discute a forma como a juventude extravasa o amor


 


Mas “Um Amor Jovem” mostra também a forma como a juventude extravasa seus sentimentos, contorna relações não correspondidas, e tenta encontrar seu espaço, ainda que ferindo a quem ama. Ethan Hawke consegue equilibrar a narrativa evitando pieguismo, sentimentalismo e melodrama. Quando William e Sarah estão bem, se descobrindo, ele os deixa extravasar seus sentimentos. Entregam-se um ao outro de forma inusitada, ela cheia de controle, ele desmedido, entregue à paixão, sem medir conseqüências. Quando entram em conflito, deixa-os se agredir, incorrer em erros incomuns. Com um deles, mantendo o equilíbrio. Sarah funciona como a razão, que chama William à consciência. Indica impossibilidades e tenta manter sua liberdade. Num filme sem antagonismos, sem quem ameace a relação entre ambos, seu comportamento ajuda a manter o interesse. E Hawke foge também ao esquematismo hollywoodiano, não arranjando um novo par para qualquer um deles. Nada disso há em seu filme.


 


 


O que importa em “Um Amor Jovem” são os novos padrões sociais. Nestes pouco espaço há para o sacrifício, com Sarah deixando de lado a carreira para viver com William, fato tão comum na vida de milhões de casais mundo afora. Mas, não, ela prefere construir sua carreira antes de encontrar, definitivamente, o outro, com o qual dividirá os altos e baixos da vida. É mais racional. Hawke consegue passar estas impressões sem discurso, situações em que o racional se sobreponha à emoção ou vice-versa. Estas surgem a todo instante, mas logo cedem terreno ao real, ao mundo onde inexiste espaço para o sonho. Representativo dessa idéia é o reencontro de William com o pai, Vince, depois de 13 anos. Trocam amabilidades, tentam um acerto de contas, mas o distanciamento entre ambos já se estabeleceu. São agora outras pessoas. Cada um deve seguir seu caminho. O mesmo se dá com Sarah. Ao vê-la num ensaio para o show que vai deslanchar sua carreira, ele sente que algo se interpõe entre eles. Nada mais há para ser feito.


 



Obra atesta a superação de uma época


 


 


Um belo e pequeno filme, desses que divertem e atestam à superação de uma época. Pode ser difícil admitir que alguém, mesmo conhecendo outra (o) no percurso, consiga levar adiante um projeto de vida, sem se desviar um quarteirão sequer. A vida certamente não caminha em linha reta, mas, dadas às circunstâncias e as imposições históricas atuais, os sentimentos correm o risco de serem sobrepujados pelo apego material, ao brilho das passarelas e dos palcos ou mesmo à gratificação financeira, que traz, é certo, tranqüilidade individual, mas não contribui para fazer do ser humano, trabalhador ou não, um esteio melhor da sociedade em franca transformação como a atual. É como diria Che Guevara, “é preciso endurecer sem perder a ternura jamais”. Mas quem sabe não é possível conciliar a duas coisas. Quem sabe?


 


 


“Um Amor Jovem” (The Hotterst State). Drama. EUA, 206, 117 minutos. Roteiro/direção: Ethan Hawke. Elenco: Mark Webber, Catalina Sandino Moreno, Sônia Braga, Ethan Hawke, Laura Liney.

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