Um discurso que poderia ter sido mas não foi
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Publicado 23/12/2021 13:38

Deu-se nas imediações da Praça Guadalajara, em Garanhuns, Agreste Meridional pernambucano, a torturante experiência de um tímido candidato a vereador de primeira viagem.
Em 1982 o pleito abarcava candidaturas de vereador a governador, incluindo deputados estaduais, federais e senadores.
Era comum à época organizar pequenos comícios onde todos os candidatos a vereador deveriam usar da palavra, esquentando o ambiente para os principais oradores, postulantes à Assembleia Legislativa e à Câmara dos Deputados.
— Vai você primeiro, convocou o locutor do comício, apontando a um inibido candidato que jamais falara em público.
— Vou não. Não sei fazer discurso.
— Sabe falar?
— Um pouco…
— Sabe, sim. Você diz bom dia, boa tarde, boa noite e sabe perguntar às pessoas “como vai?”, não sabe?
— Sei, sim senhor.
— Então suba no tablado e fale!
O indigitado candidato, microfone à mão, repetia trêmulo:
— Boa noite! Boa noite! Boa noite…
— Diz teu nome, rapaz!
— Digo não.
— Diz teu número!
— Digo não.
A pressão dos militantes e dos demais candidatos aumentava, tornando o orador mais inibindo ainda.
Talvez temendo desapontar a deputada Cristina Tavares, que chegara de surpresa, encerrou o abortado discurso com uma frase algo insossa:
— Eu apoio o deputado Luciano, a deputada Cristina, o senador Cid e o governador Marcos Freire.
E de pronto devolveu o microfone ao locutor do comício e pálido, trêmulo e suando às bicas, cuidou de escapar sem entretanto evitar que percebessem a grande mancha líquida que se espraiava entre as pernas.
E assim a chamada Suíça pernambucana viu frustrada no nascedouro a almejada carreira de um vereador que nunca foi.
Mas a história das nossas campanhas eleitorais ganhou um personagem inesquecível.