Uma ajuda para o procurador provar o ''mensalão''

O ''mensalão'', de acordo com e versão predominante, é um mostrengo que não pára em pé. Mas se o esquema que deu origem às denúncias for ordenado por fatos que praticamente não são divulgados, apesar de serem de fácil verificação, a equação fecha. Rest

O procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, se quiser pode não ter tanto trabalho para provar a existência do ''mensalão''. Ele terá que se esforçar mais, evidentemente, para apresentar algo que vá além da peça acusatória que recentemente foi a julgamento no Superior Tribunal Federal (STF). Ali Souza aponta a existência de uma ''sofisticada organização criminosa'' comandada pelo ex-ministro José Dirceu, mas nada esclarece sobre as ''ilhas de fatos cercadas por um mar de suposições'' — na definição da revista britânica The Economist.


 


Terá de ser algo também mais crível do que o relatório do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), relator da CPI dos Correios — aquele aprovado sem que os integrantes da CPI tivessem acesso ao texto final. Observe-se que na mais recente denúncia o Ministério Público (MP) enumerou apenas 13 nomes, seis a menos que os apontados no relatório de Serraglio. Com um detalhe: João Borba (PMDB-PR), que teria recebido cerca de 2 milhões de reais e misteriosamente havia sido excluído do texto do conterrâneo Serraglio, aparece entre os denunciados na ação do MP.


 


Disco rígido de Dantas capturado pela PF


 


Mas a questão principal é: qual é de fato a origem do dinheiro que irrigou o ''mensalão''? Se a versão petista de que 55 milhões de reais vieram de empréstimos obtidos em instituições financeiras não vale, é preciso pôr outra no lugar. A tese do MP e da CPI dos Correios de que dinheiro dos cofres públicos alimentou o esquema precisa ser provada. Além do suposto — repita-se, suposto — desvio de cerca de 10 milhões de reais das contas da Visanet, empresa da qual o Banco do Brasil detém 33% de participação, nada mais é explicado.


 


O procurador-geral da República poderia dar uma olhada com mais vagar nas denúncias segundo as quais mais de 150 milhões de reais foram despejados pelas operadoras de telefonia Telemig Celular e Amazônia Celular, empresas administradas pelo banqueiro Daniel Dantas, nas agências SMP&B e DNA, de Marcos Valério. O caso das duas empresas é semelhante ao da Visanet: não existem notas fiscais suficientes para atestar todos os gastos. A Polícia Federal (PF) apreendeu uma série de notas fiscais frias em nome das duas operadoras. Os federais conseguiram impedir que as notas fossem queimadas por determinação do publicitário.


 


Pode ser o fio da meada para identificar como seu deu o fluxo de dinheiro das companhias controladas por Dantas para as contas do publicitário mineiro. Souza poderia também dar uma olhada no relatório de Serraglio para ver por qual motivo ele sugeriu o indiciamento de Dantas nos instantes finais dos seus trabalhos — apesar da farta documentação sobre seu papel no esquema. Uma fonte pode ser o disco rígido capturado pela PF no escritório do banqueiro.


 


Valério a serviço de Dantas em Portugal


 


Durante a CPI dos Correios, a então ministra Ellen Gracie — hoje presidente do STF — proibiu o acesso dos parlamentares ao conteúdo da principal peça do computador de Dantas sob a alegação de que o requerimento do então deputado Jamil Murad (PCdoB-SP) precisava ser melhor fundamentado. Suspeitava-se que ali estaria os detalhes de um fundo, sediado nas Ilhas Cayman, que aplicava dinheiro de doleiros acusados de operar no esquema de Dantas.


 


Vale rememorar o despacho da juíza: ''As transações das empresas de publicidade DNA e SMP&B não se deram com o Banco Opportunity, mas com algumas das controladas pelo chamado Grupo Opportunity (dirigido por Dantas). Todas essas empresas (Brasil Telecom, Telemig e Amazônia Celular) têm personalidade jurídica própria, inconfundível com a de sua entidade controladora, muito embora os nomes em suas diretorias se repitam com freqüência e sejam ligados por laços de parentesco ou afinidade ao primeiro impetrante (Dantas)''.


 


Outro caminho que Souza poderia tomar para investigar a origem do ''mensalão'' seria seguir os rastros deixados por Marcos Valério e o ex-tesoureiro do PTB, Emerson Palmieri, quando eles estiveram em Lisboa no começo de 2005. Segundo o detonador do ''mensalão'', Roberto Jefferson, a viagem teve o objetivo de tentar arrancar dinheiro do presidente da Portugal Telecom, Miguel Horta e Costa. Por trás da operação estava o banco de Dantas, que pretendia vender a Telemig Celular para a Portugal Telecom.


 


“Mensalão” pode ser cortado pela raiz


 


Em depoimento à CPI, tanto Marcos Valério quanto o ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares, confessaram encontros com representantes do Opportunity. O objetivo seria ''aparar as arestas'' do banqueiro com o governo. O motivo real era o esquema de irrigação subterrânea de campanhas eleitorais arquitetado pelos tucanos. Na Procuradoria-Geral da República, Delúbio Soares disse que foi apresentado ao publicitário por ''amigos de Minas'' — incluindo o então deputado federal Virgílio Guimarães (PT). Eles teriam lhe orientado a procurar Marcos Valério por causa da sua ''experiência na captação de recursos para campanhas eleitorais, como fizera na de 1998, na eleição do então governador Eduardo Azeredo e do deputado Aécio Neves (ambos do PSDB)''.


 


Souza poderia, a partir daí, ver como o esquema nasceu e propor o corte do mal pela raiz. Documentos que chegaram à CPI dos Correios apontaram a transferência de pelo menos 1,9 milhão de reais da SMPB para campanhas de mais de 80 candidatos mineiros em 1998 — a maioria ligada ao então candidato tucano a governador, Eduardo Azeredo. Aparece inclusive o nome do deputado Roberto Brant (PFL-MG), ex-ministro da Previdência de Fernando Henrique Cardoso (FHC), como beneficiário do esquema.


 


Ramificações empresariais do “mensalão”


 


Diante dos fatos, o PSDB mineiro lançou nota denunciando a existência de uma ''articulação nacional'' (não deu detalhes sobre a conspiração) e criticou o “clima de denuncismo”. Ao tomar conhecimento da profundidade do buraco, FHC se saiu com essa: ''Precisamos investigar tudo, mas sem perder o foco de que a crise é hoje. O que aconteceu no passado, no meu governo, é coisa da história.'' Bem, uma das características mais marcantes do ex-presidente neoliberal é a sua capacidade de dizer bobagens. Mas o procurador-geral da República não pode ignorar estes fatos se ele quiser realmente provar a existência do “mensalão”.


 


Há informações de que o esquema do PSDB existe desde o início dos anos 90 e tem outras ramificações. Entre janeiro e maio de 2004, por exemplo, a agência do Banco Rural em Brasília fez pagamentos em espécie no total de 7,9 milhões de reais ao Instituto de Desenvolvimento, Assistência Técnica e Qualidade em Transporte, órgão vinculado à Confederação Nacional dos Transportes (CNT), presidida por Clésio Andrade — vice-governador de Aécio Neves. O dinheiro seria usado em campanhas para prefeitos e vereadores mineiros. Detalhe: Andrade foi sócio de Marcos Valério na SMPB e na DNA.


 


Palavrório utilizado nos subterrâneos


 


Não seria exagero também pedir ao procurador-geral da República que revisitasse a veiculação do chamado Dossiê Cayman e a suspeita de que alguns tucanos teriam uma conta milionária no exterior. Souza poderia ainda vasculhar a ''Lista de Furnas'' — uma relação de 156 candidatos supostamente beneficiados pelo “caixa dois” de 40 milhões de reais da estatal. Serio o caso de ir mais fundo e analisar os escândalos que proliferaram na ''era FHC'', um se sobrepondo ao outro. Compra de votos da reeleição, “caixa dois” da campanha presidencial, fitas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)… Era como se a realidade desejasse impor uma máxima inversa à do corvo de Allan Poe: ''Sempre mais''.


 


Poderia ainda verificar as acusações contra Ricardo Sérgio de Oliveira, ex-diretor da área internacional do Banco do Brasil e apontado como um dos arrecadadores de recursos para campanhas eleitorais do PSDB — que foi flagrado dizendo que atuava no ''limite da irresponsabilidade'' no processo de privatização do sistema Telebrás. O grampo do BNDES talvez seja o exemplo mais evidente para se estabelecer a conexão de todos esses escândalos tucanos com o ''mensalão''. O caso, que trouxe ao nível da superfície o palavrório utilizado nos subterrâneos da privatização das telefônicas, pode explicar muita coisa.


 


Muito dinheiro por debaixo da mesa


 


Soube-se que ''o maior negócio da República'', tramado por Luiz Carlos Mendonça de Barros — então do Ministério das Comunicações — e André Lara Resende — então da presidência do BNDES —, fora trançado numa atmosfera de alto risco (''no limite da irresponsabilidade''), em meio a um linguajar raso (''se der m…, estamos juntos'') e com pitadas de truculência (''temos de fazer os italianos na marra'').  Soube-se ainda que FHC, quando consultado sobre as “vantagens” da negociata destinada a favorecer o Opportunity, assentiu dizendo: ''Não tenha dúvida, não tenha dúvida.''


 


Parece não haver de fato dúvida de que na campanha presidencial de 2002 muito dinheiro passou por debaixo da mesa. Nada comparável, porém, ao trânsito de envelopes das duas eleições que levaram FHC à Presidência da República. Espera-se que o procurador-geral da República não siga a lógica dos maus conselhos e ignore todos estes fatos. Essa história mostra em cada capítulo porque o “mensalão” ainda não é entendido por muita gente. E se ela for ignorada fica provado, mais uma vez, que a Justiça brasileira tem muito pouco de justa.


 


Leia também:


 


As ligações perigosas do PT com Dantas
http://www.vermelho.org.br/diario/2005/0921/bertolino_0921.asp?NOME=Osvaldo%20Bertolino&COD=4928


 


 


 

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor