Uma nota sobre a recente turbulência internacional

A globalização financeira já completou mais de três décadas. Desde os acontecimentos da primeira metade dos anos 1970 que colocaram um ponto final no sistema de Bretton Woods e permitiram o processo avassalador de financeirização da riqueza a partir dos 1

Ao contrário da visão quimérica que embalou alguns liberais sinceros, o processo resultou não na melhor repartição da riqueza, mas em maiores assimetrias entre as nações. Mesmo entre a população dos países centrais o fosso que separa os mais ricos dos mais pobres aumentou. A equalização das taxas de juros que adviria da maior liberdade para os investimentos com a desregulamentação da conta de capitais não ocorreu; e o chamado risco-país continua a existir como selo indefectível dos países periféricos; ao invés de equilíbrio, um sistema financeiro caracterizado pela volatilidade extrema.



 
Decerto, a tese do “fim da história” foi continuamente negada pela sucessão de crises financeiras que abalaram o mundo durante os anos 1990. Nem por isso, a ordem erguida nas últimas décadas foi, na sua essência, modificada. Isto porque, o capitalismo desregulado ao mesmo tempo em que engendra mais instabilidade é forçado a criar mecanismos mais poderosos para enfrentar as crises que de tempos em tempos ocorrem. A mais poderosa instituição para administrar as crises, como analisei em outro artigo (1), é o Federal Reserve (Fed), banco central dos Estados Unidos e guardião do sistema que emergiu com o padrão dólar-flexível no início dos 1970.


 



Qual a força do recente abalo?


 


Desde a pequena agitação na bolsa de valores da China, a atual instabilidade no mercado financeiro internacional está sendo destacada diariamente entre a mídia especializada. Há uma divisão entre analistas sobre a duração do atual processo de instabilidade. Alguns consideram que tudo faz parte de um período de ajuste, outros enxergam o início de fortes turbulências. Em primeiro lugar, é sempre importante ressaltar que a economia capitalista é uma economia inerentemente instável e sujeita a ciclos e crises, algumas vezes imprevisíveis (2). Nenhum país, portanto, está imune aos riscos da instabilidade macroeconômica mundial, nem mesmo aquele que hospeda o guardião do sistema.



 
De qualquer forma, há alguns sinais de que não se trata de mais uma movimentação trivial nos mercados. O principal deles é a possibilidade de estouro da bolha no mercado imobiliário americano, conseqüência de menores vendas e do aumento da inadimplência no crédito imobiliário, mormente nos empréstimos subprime (empréstimos de segunda linha) que tem alto risco (3). Um outro problema, com conseqüências de mais longo prazo, também chama atenção. Os Estados Unidos apresentaram pela primeira vez desde 1929 saldo negativo na conta de investimentos do balanço de Pagamentos (4). Ou seja, o capital de não-residentes investido nos Estados Unidos foi maior que os investimentos realizados por norte-americanos no exterior.



 
Devido à posição ocupada pelo dólar, aparentemente não há um limite para a expansão do endividamento externo norte-americano. Mas só aparentemente. Como 2006 foi o quinto ano seguido que o déficit em transações correntes bateu recorde, é possível que em algum momento ocorra um ajuste mais forte das autoridades monetárias norte-americanas por meio da elevação das taxas de juros. Isto evidentemente dependerá da evolução do desequilíbrio das contas externas dos Estados Unidos durante os próximos anos. A capacidade de endividamento dos Estados Unidos é provavelmente menor que a sanha imperialista do governo Bush Jr.



 


O Brasil ainda é uma economia periférica
 


No Brasil o que divide os analistas é a capacidade do país enfrentar uma crise mais aguda que afete seu sistema financeiro e como conseqüência a própria economia como um todo. Àqueles que entendem que o Brasil está vacinado contra crises financeiras gostam de mencionar o nível das reservas cambiais de mais de US$ 100 bilhões. Para os críticos o nível de reservas não é suficiente, já que os investimentos no mercado financeiro doméstico também somam mais de US$ 100 bilhões. Isto significa que o capital investido por estrangeiros no Brasil é praticamente do tamanho das reservas (5). O problema é que a ausência de controle de capitais facilita a ação de especuladores, pois qualquer aumento no grau de aversão ao risco incentiva os investidores a liquidar suas posições em ativos domésticos para compra de dólares.


 


Nesse sentido, não custa relembrar a crise mexicana em fins de 1994. Durante esse ano, apesar das turbulências internas (6), as autoridades mexicanas insistiam em dizer que os fundamentals macroeconômicos se encontravam numa posição forte, fruto das reformas liberais que, supunham, colocaram o México numa nova postura no cenário internacional. Peso valorizado? Sim, mas como conseqüência da confiança dos investidores estrangeiros na economia mexicana, diziam; essa mesma confiança adquirida frente ao mercado financeiro internacional garantia que ajustes, conquanto ocorressem, fossem passageiros, e citavam o aumento das reservas cambiais como prova do acerto na condução da política econômica. O resultado de tamanha confiança é conhecido: a pior crise da história México.


 


Não restam dúvidas que o Brasil alcançou melhora significativa nas suas contas externas em relação ao período do ex-presidente Fernando Henrique (1995-2002). Entre 2003 e 2006 o país acumulou um superávit em transações correntes superior a US$ 40 bilhões. Em dezembro de 2005 quitou toda dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI), além de recomprar grande parte dos títulos da dívida em 2006.  No entanto, a economia brasileira ainda é uma economia periférica; assim sendo, continua sendo obrigada a lidar com as conseqüências dessa situação. Apesar disso, e do recente abalo nos mercados mundiais, o Brasil permanece atraindo capitais externos. A inflação e o risco país estão em queda. Portanto, estamos diante de uma excelente oportunidade para a aceleração do crescimento.


 


Por isso, é incompreensível a ortodoxia extremista do Banco Central em relação à taxa de juros. Definitivamente, o Banco Central opera como se a entrada de capitais especulativos e a conseqüente valorização do câmbio não implicasse em resultados negativos sobre a atividade econômica. Até quando?


 



Notas


 


(1) FERNANDES, Marcelo (2007). “Sobre o poder do Fed”. www.vermelho.org.br.
(2) Diferentemente, os economistas do mercado acreditam que a economia sempre tende ao equilíbrio, pelo menos no longo prazo. Por isso, preferem minimizar eventuais instabilidades como algo passageiro.


 


(3) O endividamento do setor imobiliário nos Estados Unidos chega a espantosa cifra de US$ 10,19 trilhões!


 


(4) Cf. CRUTSINGER, Martin (2007). “EUA têm déficit de investimentos inédito”.                               .Valor Econômico, 15 de março, a17.


 


(5) Cf. PRINHEIRO, Márcia (2007). “No olho do furacão”. Carta Capital, nº435, março.


 


(6) O México foi alvo de ataques especulativos durante todo o ano de 1994. O último ataque foi responsável pela maxidesvalorização do peso.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
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